Participação popular e controle constitucional: a efervescência democrática na história do Brasil

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06/07/2017 às 19:08
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03. AS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS, AO LONGO DAS HISTÓRIAS DO BRASIL

3.1 As Cartas Constitucionais

O início deste capítulo é polêmico, no sentido de não haver, um consenso geral em relação ao exato número de Constituições Federais, que o Brasil já teve, ao longo de sua história (Brasil Império e República).

De acordo com o editorial comemorativo, do Senado Federal (BRASIL, online)[9] dos vinte e cinco anos da atual Lei Maior de 1988, aquela Casa de Leis entende, que tivemos seis Constituições, anteriores à atual, sendo elas, as Cartas de:1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. 

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, online)[10] entende que, além das sete Cartas Constitucionais, incluindo a atual, supramencionadas, houve, de fato, uma nova Lei Maior de 1969, devido as diversas e radicais mudanças, que aquele Texto Constitucional havia sofrido:

Em 31 de março de 1964, ocorre o movimento militar com a deposição do Presidente João Goulart [...] A Emenda 1, de 1969, equivale a uma nova Constituição pela sua estrutura e pela determinação de quais dispositivos anteriores continuariam em vigor. Formalmente, porém, continuava em vigor a Constituição de 1967, com as manutenções e alterações da Emenda 1. [...] (Grifo Nosso)

Com a devida vênia ao entendimento da Mesa Diretora do Senado Federal, no entanto, nos parece mais plausível e contextualizada a visão mais ampla do Pretório Excelsior, o qual afirma que em 1969, de fato, criou-se uma nova Carta Constitucional. Reconhecer uma nova Constituição, em 1969, é acima de tudo admitir os grandes danos, que os ex-Presidentes militares causaram ao Brasil, de acordo com os dizeres do Deputado Estadual, em São Paulo e Presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, parlamentar Adriano Diogo (2014, online):

Audiência Pública: "Os danos causados pela ditadura militar à educação nacional"

[...]

Os danos causados pela ditadura foram muito além de torturas, assassinatos e desaparecimentos, que são a face mais cruel e perversa do terrorismo de Estado. Na educação, os ditadores pretenderam atingir as gerações futuras, destruindo experiências educacionais pautadas na construção da liberdade e impondo uma visão autoritária de mundo, que não permitia contestações. [...] (Grifo Nosso)

Assim sendo, neste capítulo, será dada ênfase crítica, as seis Constituições Federais, incluindo a Lei Maior dos anos de Chumbo, que antecederam a atual Magna Carta de 1988.

3.2. A Constituição Imperial de 1824

A Carta Imperial de 1824 é fruto de seu tempo. Uma época na qual a escravidão e as diferenças entre as classes eram infinitamente marcantes, mesmo nos pós Brasil Colônia. Porém, mesmo assim, era possível encontrar certos avanços, naquela Carta Magna de 1824, valendo rememorar AYRES (2014, online)[11] ao narrar o exercício da cidadania, no Brasil Imperial, questionava o fato a separação de castas, a exclusão dos mais humildes, na tomada das grandes decisões:

Por ocasião da vigência da constituição Imperial de 1824, seu artigo 90, fazia diferenciação entre cidadão ativo e os demais cidadãos membros da sociedade, posto que apenas aqueles exerciam os direitos políticos e, por conseguinte, obtinham o verdadeiro status de cidadão

Nas lições de PAULO (2009, p.25),da Carta Imperial extrai-se que o individualismo daquela época não permitiu aos governantes e membros das mais altas castas, pensarem nos bons frutos, coletivos, por exemplo, que uma Lei Maior democrática, a longo prazo, poderia nos propiciar:

O conteúdo da Constituição de 1824 foi fortemente influenciada pelo Liberalismo clássico dos séc. XVIII e XIX, de cunho marcadamente individualista, em voga na época de sua elaboração

Antes de adentramos ao período Imperial, pós colonização portuguesa, de acordo com o Historiador e Jornalista GOMES (2007, p.173), o Estado Brasileiro, tal como entendemos hoje, nasceu dos atos administrativos e políticos do Príncipe Regente D. João VI, o qual fundou uma corte, nos trópicos, concedendo privilégios e principalmente, não difundindo a educação pública, como meio de não armar a população, com conhecimento o suficiente, para o exercício da democracia direta:

D. João precisava do apoio financeiro e político desta elite rica em dinheiro porém destituída de prestígio e refinamento. Para cativá-la, iniciou uma pródiga distribuição de honrarias e títulos de nobreza [...] outorgou mais títulos de nobreza do que em todos os trezentos anos anteriores da história da monarquia portuguesa.

Gomes (2007, p.284) alerta ao fato de que, nos treze anos em que a corte portuguesa habitou o Brasil, nunca antes houve tantas mudanças em nosso ordenamento jurídico, dentre outros, porém, mais uma vez a educação pública é posta de lado.

Com o espetáculo político, conhecido como independência do Brasil, os desmandos dos governantes foram mantidos, mediante a outorgada (imposição), de uma Carta Constitucional, em 25 de Março de 1824, por nosso primeiro imperador, um estrangeiro vindo de Portugal e criado no Brasil: D. Pedro I. Aquele Texto Constitucional criava o poder moderador, o qual controlava todos os demais; uma Carta excludente, a qual delimitava renda financeira, impedia negros e mulheres como requisito de participação, nas eleições, em um Estado atrelado e subordinado ao Catolicismo Romano, mediante o qual a aristocracia agraria se mantinha, tranquila, com o controle de todas as grandes decisões políticas, uma vez que o setor educacional, no Brasil, era extremamente precário, de acordo com as contribuições de  Schueler (1999, online)[12], a qual elucida como a falta de escolaridade contribuiu para o afastamento, da população mais pobre, das grandes decisões:

O processo de consolidação do Estado imperial não alterou bruscamente as estruturas econômicas agrário-exportadoras e, conseqüentemente, a maioria da população do Império permanecia vinculada ao meio rural. [...]

[...]

Em uma sociedade escravista, a necessidade de trabalhar representava o limite da pobreza. [...]

[...]

Crianças trabalhadoras, pobres e mendigas perambulavam e, muitas vezes, habitavam com suas famílias as ruas, [...]

[...]

[...] a educação das crianças, jovens e adultos das camadas populares livres, nacionais e estrangeiras [...] acompanhavam outros planos de intervenção dos poderes públicos na vida da população [...] (Grifo Nosso)

GOMES (2010, p. 213 a 215) escancara o ambiente antidemocrático e profundamente marcado pelo analfabetismo, no qual nasceu a primeira Constituição de um Brasil, que era independente, apenas no imaginário popular:

Convocada por D. Pedro em junho de 1822, a constituinte só seria instalada um ano mais tarde [...] mas acabaria dissolvida seis meses depois [...]

Aclamado pelo povo, o imperador teria de se submeter à Constituição, a ser elaborada pelos representantes do povo. Portanto, não poderia [...] exercer sua autoridade de forma arbitraria.

[...]

Os membros da constituinte [...] eram apenas homens livres, com mais de vinte e um anos [...] e proprietários de terra [...]. Numa época em que a taxa de analfabetismo alcançava 99% da população, só um entre cem brasileiros era elegível. (Grifo Nosso)

Nesta linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, online)[13] critica o sistema eleitoral imperial e a concentração de poderes, nas mãos do monarca e de uma pequena elite, a qual tinha acesso à educação, fatores estes que inviabilizavam, por exemplo, a escolha, por parte da população, dos senhores Senadores:

[...] As eleições eram indiretas e o imperador era o chefe do poder executivo, exercendo-o pelos ministros (Art.102). O imperador era também o titular do poder moderador [...] (art. 142).[...] cabia ao Monarca [...] a nomeação dos senadores, eleitos em lista tríplice (art.43), a dissolução da Câmara dos Deputados, a demissão de ministros, a suspensão de magistrados, a concessão de indultos (art.101) [...] (Grifo Nosso)

Por outro lado, com uma visão menos negativa daquele contexto político, o editorial da Revista Jurídica Jus Navigandi (2012, online)[14] destaca que a nossa primeira Constituição Federal já positivava liberdade de imprensa e um embrião, do que se conhece hoje, como liberdade de expressão:

Na Constituição do Império, há previsão expressa da liberdade de imprensa no artigo 179. [....]

O dispositivo constitucional refere-se, assim, à liberdade de pensamento, privada ou pública, em especial por meio da imprensa, que, na época, restringia-se à imprensa escrita (livros, jornais e textos esparsos, em estilo panfletário).

[...] (Grifo Nosso)

Com a devida vênia à memória dos patriarcas da “independência” do Brasil e membros do governo, no primeiro e segundo reinados, porém, é impossível não declarar que a liberdade elencada na Carta Constitucional de 1824 não passava de mero conto-de-fadas, como pode se verificar, mediante simples análise, da letra morta da lei:

Dos Conselhos Geraes de Provincia, e suas attribuições.

Art. 71. A Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o Cidadão nos negocios da sua Provincia, e que são immediatamente relativos a seus interesses peculiares

Art. 179, inciso XXX. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores. (Grifo Nosso)

A grande questão que nunca foi respondida é: como que uma população, que em sua maioria esmagadora, não tendo acesso à educação, cultura, alfabetização, poderia redigir e dirigir petições, às autoridades imperiais, bem como participar, ativamente, da vida política nacional? É neste viés que evocamos Oliveira (2006, p.07), o qual, em seu manual de Direito Constitucional, critica abertamente a ausência de democracia, no Brasil Imperial:

O belo rol de direitos e garantias dos indivíduos ignorava a escravidão. Apesar da centralização do poder no monarca, a prática do mandonismo local estendeu-se por todo o período imperial. O Imperador nomeava os grandes fazendeiros, Coronéis da Guarda Nacional. Gradativamente esta foi perdendo sua importância militar e a figura do coronel foi se tornando sinônimo de chefe político local, originando o conceito de coronelismo”

O destino de uma Magna Carta, que não nasceu do coração da população brasileira, a qual tampouco participou diretamente de sua elaboração, não poderia ter outro triste destino, como o elucidado por (GOMES, 2010, p.220): “sua mera existência é ignorada pela imensa maioria dos brasileiros [...]”.

Enfim, uma vez que os súditos de Suas Majestades, D. Pedro I e Pedro II, não tinham acesso a uma educação, no mínimo razoável, em sua maioria, de modo que os artigos 71 e 179 da Magna Carta Imperial, dentre outras garantias, não passavam de frases mortas, sem aplicabilidade, quase nenhuma, na prática.

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3.3 A Constituição de 1891

Liderados por Sua Alteza, o Príncipe D. Antônio João de Orléans e Bragança (2015, online)[15], os monarquistas contemporâneos, lançam uma série de críticas, em face do surgimento da República, declarando a mesma, dentre outros, como fruto do orgulho pessoal de Deodoro, somado aos interesses dos grandes produtores de café:

[...]o uso da palavra ‘república’ como sinônimo de ‘democracia’ está errado [...] é perigoso confundirmos República com democracia ou moralidade [...]Se olharmos os 10 países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Dezembro de 2008, veremos que 5 [...] são monarquias, e outros 2 (Canadá e Austrália) possuem a rainha da Inglaterra como chefe de Estado [...] ( Grifo Nosso)

Neste liame, o editorial da Casa Imperial Brasileira (2015, online)[16] declara que a República Brasileira nasceu de um golpe, sem a intervenção da população:

126 anos atrás a população do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, acordava sob um novo sistema de governo, a república. Na madrugada anterior uma quartelada derrubou o Império sem a participação popular. [...] “Proclamação da república” mesmo tendo sido proclamado dentro de um quartel, sem a população. (Grifo Nosso)

Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, online)[17] destaca o avanço da criação do instituto do Habeas Corpus, na primeira Constituição Republicana. Neste caminho, o Senado Federal (BRASIL, online)[18] noticia avanços tais como a independência dos três poderes; o Estado laico. Já, GOMES (2013, p. 100), por outro lado, critica o governo imperial, ao escancarar os entraves impostos pela Carta Imperial de 1824, os quais contribuíram para o aumento do número de republicanos:

O governo controlava e se metia em tudo. Um sistema dessa forma organizado era inibidor do risco e da livre-iniciativa. Até 1881, ou seja, oito anos antes da República, nenhuma sociedade anônima poderia funcionar sem autorização do Conselho de Estado, principal órgão de assessoria do imperador. (Grifo Nosso)

Por sua vez, o Constitucionalista Oliveira (2006, p.07) tece sérias críticas ao golpe que impôs, no Brasil, a República, declarando-a como impopular:

A proclamação da República não era um anseio popular; resultou antes de uma comunhão de interesses dos militares com aqueles que dominavam o cenário político nas províncias e almejavam autonomia em relação à Coroa (Grifo Nosso)

Como era de se esperar, a Magna Carta  de1891, mediante simples análise da letra da lei, tendo-se em vista o ambiente antidemocrático em que nasceu, observa-se, em relação à participação popular na política, um claro retrocesso, pois, anteriormente, na revogada Constituição Imperial de 1824, por mais que utópica e quase sem aplicabilidade, devido aos 99% de analfabetos, o inciso XXX, do art. 179 e o art. 71 traziam mais amplamente, em tese, a possibilidade de peticionar, perante os órgãos públicos, bem como a intervenção do povo, nos assuntos das províncias.  Na contramão, a Constituição de 1891 reduziu esta possibilidade:

Art. 72, § 9º É permittido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes publicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados

O doutrinador Oliveira (2006, p.08) faz importante consideração, ao esclarecer o ambiente de corrupção, dos primeiros anos da República da Espada:

Durante a vigência da Constituição de 1891, os processos eleitorais eram absolutamente viciados e mesmo quando o voto não era fruto de uma fraude, o eleitor seguia a orientação de um chefe local, como forma de agradecimento ou demonstração de lealdade. (Grifo Nosso)

Enfim, assim como durante a Monarquia, o primeiro governo republicano continuou comentando o grave erro: não fomentar a educação pública, de modo que os cidadãos tivessem condições de intervir, diretamente, na política nacional.

3.4 Constituição de 1934 e a Era Vargas

É durante a administração do ex-presidente Washington Luís (1926-1930) que a República do Café com Leite sai de cena, e com ela é revogada a Constituição de 1881. VISCARDI (2001) elucida a importância da união dos fazendeiros mineiros, com os estancieiros sulistas, os quais conduziram Getúlio Vargas ao poder.

Nas lições de PAULO (2009, p.27), esta Carta foi uma transição do modelo meramente individualista, das Constituições anteriores, para um viés de democracia social, buscando igualdade material, entre os cidadãos.

Oliveira (2006, p.08) esclarece que um dos ideais, da revolução de 1930, era dar ao Brasil, uma nova Constituição, como meio, dentre outros, de aproximar o povo, das decisões nacionais:

Getúlio Vargas assumiu o Governo Provisório em 11 de Novembro de 1930, mas foi preciso até um movimento armado em São Paulo, chamado Revolução Constitucionalista de 1932 e se institucionalizasse aquele governo com a promulgação da Constituição em 16 de julho do ano seguinte

O STF (BRASIL, online)[19] esclarece que, pela primeira vez na história do Brasil, uma Constituição passou a tratar do tema educação, além do direito ao voto, as mulheres. A Magna Carta de 1934, em termos de participação popular, corrigiu erro, da Constituição de 1881, ao abrir maior possibilidade de intervenção da população, na política nacional:

Art. 113, 10) É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos das autoridades e promover-lhes a responsabilidade.  [...] 38) Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.

Por outro lado, COSTA (2012, online)[20] em oposição aos eminentes autores retro citados, elucida os danos causados à população, na Era Vargas, quando o sistema educacional serviu como proposito vil, de domínio da população, dentre outros, ao se passar a falsa imagem de que não houve luta, por parte dos escravos, contra a escravidão, o que evidencia, o desejo daquele governo, de controlar as massas, de se criar, no imaginário popular, o ideal de conformidade e passividade, diante dos erros e injustiças, dos governantes:

Com a criação em 1930 do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e o controle sobre o ensino.

[...]

No debate educacional da década de 30, tornou-se vitoriosa a tese da “democracia racial”, expressa em programas e livros didáticos de ensino de História, para legitimar este discurso o negro era representado como pacífico diante do trabalho [...] (Grifo Nosso)

Infelizmente, na prática, o Brasil ainda estava longe daquele ideal de democracia direta, tão praticado na Grécia Antiga, devido, principalmente, o ainda grande número de pessoas, sem acesso a um sistema educacional libertador, que pudesse propiciar e difundir um pensamento político crítico.

3.5.Constituição de 1937

O que era pouco satisfatório, se tornou ainda pior, em termos de democracia direta, com a imposição da Lei Maior de 1937.

Vieira (2014, online)[21] critica a Carta de 1937, por ter sido a mesma, fruto de uma ditadura imposta por Getúlio Vargas, mediante a qual, em nome de uma improvável ascensão comunista, o parlamento foi fechado e o Chefe do Executivo Federal passou a governar, soberano, mediante Decreto-Lei:

Embora se dissesse adepta dos processos democráticos, ela é, de fato, uma carta política imposta – outorgada – mantenedora das condições de poder de Getúlio Vargas. [...]

Em seu conteúdo, foram utilizadas partes de leis do regime facista italiano. [...]

Com o cunho fortemente autoritário e centralizador, ela foi construída para beneficiar os grupos políticos e econômicos que apoiavam o governo Vargas. Sua principal forma de controle foi a concentração de poderes no chefe do executivo. Isso atribuía a Vargas a função de nomear os interventores (cargo semelhante ao governador), que, por sua vez, era o responsável pela nomeação das autoridades municipais. (Grifo Nosso)

Nesta esteira, PAULO (2009, p.27) declara:

Como se vê, foi uma Carta Outorgada, fruto de um golpe de Estado. Era Carta de inspiração fascista, de caráter marcadamente autoritário e com forte concentração de poderes, nas mãos do Presidente da República.

O Senado Federal (BRASIL, online)[22] destaca pontos cruciais, os quais feriram de morte, toda e qualquer possibilidade de intervenção popular, na política nacional, em nível estadual e até mesmo municipal, vez que foi imposta o instituto da pena de morte; o fim das liberdades partidárias e da liberdade de imprensa, conquistada desde a Carta de 1824; total afronta a importante independência dos três Poderes; o desmantelamento do Parlamento; repressivos mecanismos que possibilitaram a prisão e exílio de opositores; e o mais grave, em termos de participação popular: eleições indiretas para presidente da República.

É neste contexto de impossibilidade de participação popular que podia ser encontrado, na Magna Carta de 1937 um inexpressivo esboço daquilo que sequer, na letra morta da lei, podia ser considerado como reconhecimento à participação popular:

Art. 122, 15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. (Grifo Nosso)

Ou seja, se por um lado havia a pseudo possibilidade de expressão do pensamento, consequentemente, por outro, a legislação vedava toda e qualquer forma de questionamento, ao governo federal. É neste tenebroso contexto, que Oliveira (2006, p.09) declara a ilegitimidade da Constituição de 1937, no que parecia tocar, a democracia direta:

Como uma maquiagem para dar-lhe certa aparência de legitimidade, o art. 187 previa um plebiscito pelo qual o povo aprovaria aquela Carta Política, mas este dispositivo, como muitos outros, permaneceu “letra morta”, pois o Decreto Presidencial que o regulamentaria jamais foi expedido. (Grifo Nosso)

3.6. Constituição de 1946

Oliveira (2006, p. 10) esclarece que após nove anos de ditadura do Estado Novo, “Getúlio Vargas adotou algumas medidas liberalizantes [...] que atenuava a centralização do poder, em torno do Executivo [...]”. Nesta linha de raciocínio, a Agencia Senado Federal (BRASIL, online)[23] registra que a Carta de 1946 aproximou-se um pouco mais, do instituto da democracia, ao ser restaurado direitos individuais, fim da censura, autonomia entre os entes federados, eleições diretas, inovações tais como o direito de greve e livre associação sindical. Esta carta possibilitou a realização do primeiro plebiscito realizado no Brasil:

Art. 141, § 38 - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.

Art 12 - Os Estados e os Municípios, enquanto não se promulgarem as Constituições estaduais, e o Distrito Federal, até ser decretada a sua lei orgânica, serão administrados de conformidade com a legislação vigente na data da promulgação deste Ato. Parágrafo único - Dos atos dos interventores caberá, dentro de dez dias, a contar da publicação oficial, recurso de qualquer cidadão para o Presidente da República; e, nos mesmos termos, recurso, para o interventor, dos atos dos Prefeitos municipais.

Nas lições de PAULO (2009, p.28), esta Carta “[...] cumpriu sua tarefa de redemocratização [...]” reconduzindo aquele Brasil, a ritmo, ainda que por demais lento, de caminhada rumo à democracia.

3.7Constituição de 1967

O fim da democracia, sobre a falsa alegação de que improvável ascensão comunista iria dominar o país, deu início a um dos períodos mais tristes de nossa história: Os Anos de Chumbo.

Neste contexto, Vieira (2014, online)[24] resume o trágico fim da democracia, como sendo “um golpe militar destitui o presidente João Goulart, instaurando no país um regime militar alinhado politicamente aos Estados Unidos”. Ou seja, além de o povo ter perdido, por completo, qualquer chance de exercício de democracia direta, nosso país, em termos práticos, passou a ser uma espécie de colônia dos norte-americanos.

BARROS (2008, p.81), ao realizar uma análise crítica da obra de Jean Bodin, o qual inspirou boa parcela dos militares, do alto comando das Forças Armadas, durante a Ditadura Militar, vez que Bodin entendi, em contrapartida do ideal de democracia direta:

Ele sintetizava a ideia de que em toda sociedade política deve haver uma esfera última de decisão, livre de qualquer intervenção, que imponha normas aos membros desta sociedade, de maneira exclusiva e de acordo unicamente, com a vontade, de uma autoridade legal suprema que, dispondo de um poder originário, comande a todos e não seja comandada por ninguém.

Eis o que ocorreu durante os governos militares: o Presidente era a última esfera de decisão, de todos os três poderes, uma autoridade suprema que passava por cima, de qualquer clamor popular.

Oliveira (2006, p. 11) ilumina este debate ao declarar “Centralizou poderes no Presidente, cuja competência legiferante foi ampliada significativamente”. Na sequência, tem-se o entendimento que o distanciamento da democracia direta foi tamanho, que Bastos (1997, p.36) chegou a declarar:

O AI-5 marca-se por um autoritarismo ímpar do ponto de vista jurídico, conferindo ao Presidente da República uma quantidade de poderes de que muito provavelmente poucos déspotas na história desfrutaram, tornando-se um marco de um novo surto revolucionário, dando a tônica do período vivido na década subsequente. (Grifo Nosso)

Mediante os escritos de GOMES (2014, p.38) é desmistificado o entendimento, de parcela da população, de que o período governado pelos militares, se tratou de democracia, fruto de uma revolução legal:

[...] os regimes ditatoriais sempre se disseram democráticos! Mesmo nos dias de hoje há Estados cuja democracia não passa de fachada. São democráticos apenas no papel e no discurso, pois na realidade, mal conseguem disfarçar odiosas práticas totalitárias [...] tudo para que o povo permaneça submisso, dócil à dominação [...]

Incoerente é o fato de a Lei Maior de 1967 rezar que todo poder emana do povo, no entanto nem sequer o pleno direito de manifestação pacífica havia, muito menos participação popular, cabendo apenas, ao cidadão, a propositura de ação popular, a um judiciário que tinha grande parcela dos Magistrados sob o forte domínio dos presidentes militares:

Art 1º - O Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º - Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. [...]

Art. 150, § 27 - Todos podem reunir-se sem armas, não intervindo a autoridade senão para manter a ordem. A lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autoridade, bem como a designação, por esta, do local da reunião.

[...]

§ 31 - Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas. (Grifo Nosso)

COSTA (2012, online)[25] ao abordar o tema da educação, durante o regime ditatorial militar, denuncia a política de desqualificação da figura do professor e preferência estatal, pelo ensino privado, como meio de dificultar ainda mais, que as camadas mais pobres tivessem acesso a uma educação libertadora, enfim, desarmando o povo de argumentos que pudessem fazê-los questionar, os abusos dos governantes:

Os governos militares de 1964 pra frente permitiram a proliferação dos Cursos de Licenciatura Curta, contribuindo assim para o avanço das entidades privadas no ensino superior e para uma desqualificação profissional docente. Esta contribuiu para um afastamento entre universidades e escolas de primeiro e segundo graus, além de prejudicar o diálogo entre pesquisas acadêmicas e o saber escolar, dificultando a introdução de reformulações do conhecimento histórico e das ciências pedagógicas no âmbito da escola. (Grifo Nosso)

Assim, é perfeitamente possível concluir que a Magna Carta de 1967 não passava de uma peça de ficção, pois em termos práticos, toda e qualquer forma de participação direta, na política nacional era cruelmente reprimida, graças, principalmente, a um setor educacional que era ferramenta importante, para se incutir na cabeça dos jovens que os ditadores e seus asseclas estavam corretos em reprimir as liberdade e garantias coletivas e individuais, em nome de uma improvável e fantasiosa ameaça comunista.

3.8Constituição de 1969

Inicialmente abordado neste capítulo 2, optamos pelo entendimento do Pretório Excelsior (BRASIL, online)[26], mediante o qual se entende que

VIEIRA (2014, online)[27] destaca como a democracia esteve ainda bem mais prejudicada, durante este período, quando o Ato Institucional n° 12 distanciou o Brasil, ainda mais, da tão almejada democracia direta.

Não havia sequer liberdade para manifestação pacífica, devido a uma série de obstáculos, para o exercício de tal direito, que se encontrava, na prática, cerceado. Incoerentemente, o cidadão continua podendo apresentar ação popular, no entanto, sem o direito de manifestar pacificamente e publicamente, o mesmo descontentamento descrito nesta ação:

Art. 153, § 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes. [...] § 31. Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas. (Grifo Nosso)

GOMES (2014, p.256) define, explicitamente, o que significou, ao Brasil, o regime militar:

[...] a expressão abuso de poder deve ser interpretada como a concretização de ações – ou omissões – com vistas a influenciar ou determinar opções e comportamentos alheios; tais ações denotam mau uso de recursos detidos, controlados pelo beneficiário ou a ele disponibilizados.

CAPANEMA (2016, online)[28] esclarece o quanto é temerário um sistema educacional falido, como o brasileiro, pois um dos inúmeros frutos negativos é o clamor, por parte das camadas sociais mais desprovidas de intelectualidade, de um retorno, da ditadura militar, como solução mágica:

[...] o pedido de retorno da Ditadura Militar não se trata de um movimento isolado de internautas, e muito menos de uma passageira manifestação contrária aos rumos da política nacional, uma vez que tal opinião vem ganhando voz, inclusive, dentro do próprio Exército Brasileiro, possivelmente emanando da precária educação pública nacional, que cada vez produz mais marionetes de políticos, no seio da população. (Grifo Nosso)

Preocupante, neste contexto, a realização, inclusive de manifestações públicas, em favor do fim da democracia e da volta dos Anos de Chumbo, conforme notícia o editorial da Folha de São Paulo (2017, online)[29], um grande número de pessoas, bloquearam as vias da cidade de São Paulo, em Março de 2017, com tal objetivo obscuro.

Na sequência, com intuito de trazer luzes para este debate, destaca-se FREIRE (2005), o qual era defensor, ferrenho, de um sistema educacional de caráter libertador, diretiva e conectada a um processo de superação que conduz o estudante à tomada crítica da realidade fazendo com que, dentre outros, o sujeito se liberte da dominação da classe de políticos (ditadura militar ou não), que através de grande parcela da mídia eletrônica, tentam fazer crer, que a população experimenta os benefícios da democracia.

Assim sendo, como meio de dar efetividade aos planos dos militares, de afastar o povo de qualquer possibilidade de participação direta, na política, a historiadora Schmidt (2014, online)[30] conclui que, durante os Anos de Chumbo, mediante os livros didáticos claramente era censurado qualquer possibilidade de questionamentos, ou seja, um sistema de ensino superficial, como pilares da antidemocrática.

3.9.A Constituição Cidadã de 1988

Devido ao grande rol de possibilidades de participação popular, elencados na atual Carta de 1988, o tema será melhor e mais amplamente debatido, no capítulo seguinte, devido merecer maior destaque, os incisos I, II e III, do art. 14; os incisos XII e XIII, do art. 29; § 4º, do art. 27 e § 2º, do art. 61.

Sobre o autor
José Alves Capanema Júnior

Advogado, professor designado de Língua Inglesa, da rede Pública de MG.Pós-graduando em Direito Administrativo, pela Faculdade Pedro II, formado em Direito, pela Universidade de Itaúna - Estado de Minas Gerais.ELEITO MELHOR ESTAGIÁRIO DE DIREITO 2015 - UNIVERSIDADE DE ITAÚNA - MG

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Trabalho de Conclusão de curso apresentado à UNIDOM - Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para a obtenção de título de pós-graduado, em Direito administrativo.

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