Pregão em foco: aspectos atuais da modalidade licitatória voltada à efetividade da contratação para o Poder Público

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O presente trabalho tem por finalidade o estudo da modalidade licitatória Pregão. Neste artigo, este instituto será tratado da sua origem à evolução legislativa. Serão abordados também suas principais características e procedimentos.

Sumário: 1. Introdução; 2. Da Lei no 9.472/1997 e da Medida Provisória no 2.026-7/2000 à Lei no 10.520/2002: origem do pregão e questionamentos sobre a sua constitucionalidade; 3. Âmbito de incidência: características do objeto; 4. Procedimento do pregão: enfoque sobre a possibilidade de desclassificação de proposta inexigível; 5. Aplicação subsidiária da Lei no 8.666/1993 no pregão. 6. Do pregão eletrônico. 7. Considerações Finais.   Referências.


1. Introdução

As modalidades de licitação consubstanciadas na Lei no 8.666/1993 – Lei Geral de Licitações –, não fomentaram a celeridade necessária à atividade administrativa de escolha de possíveis contratos, em face da demasiada formalidade dos seus trâmites.  Agravada às deficiências da redação legal, a má-gestão administrativa contribuiu por vezes para o precário rendimento nas licitações. 

Em alternativa a este quadro, o pregão foi erigido para trazer maior eficiência na contratação, com a conseqüente minoração dos gastos do Erário.  


2. Da Lei no 9.472/1997 e da Medida Provisória no 2.026-7/2000 à Lei no 10.520/2002: origem do pregão e questionamentos sobre a sua constitucionalidade

O pregão representa uma modalidade de licitação instituída com a Medida Provisória no 2.026-7/2000, reeditada dezoito vezes, e, posteriormente, republicada sob o no 2.108-10/2001, a qual foi, por fim, convertida na Lei no 10.520/2002. 

Inobstante tenha o pregão sido estabelecido depois da Lei no 8.666/1993, na qual estão arroladas as demais modalidades licitatórias[1], este regramento lhe é aplicado subsidiariamente, consoante previsão do artigo 9o[2] da Lei no 10.520/2002.  Em conseqüência, o elenco de entidades sujeitas ao pregão é estendido para alcançar o da Lei no 8.666/1993: 

A nova lei não menciona, mas é certo que suas regras são aplicáveis aos órgãos da Administração Pública Federal direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às entidades controladas direta ou indiretamente pela União, já que se aplica subsidiariamente ao pregão a Lei federal no 8.666/1993 e esta prevê, no art. 1o, sua aplicação a esses entes. [3] 

Engloba um procedimento mais célere e menos complexo que as modalidades trazidas pela Lei no 8.666/1993.  Utiliza-se de propostas escritas e verbais, com a inversão das fases de classificação das propostas e habilitação dos licitantes.

O pregão foi previsto, pela primeira vez, nos artigos 54[4], 55[5] e 56[6] da Lei no 9.472/1997 – Lei Geral das Telecomunicações, a qual disciplinou os serviços de telecomunicação, dispondo sobre a fundação e operação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.

A constitucionalidade dos dispositivos em tela foi questionada na Adin no 1.668/DF, ajuizada em 1998 pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B, o Partido dos Trabalhadores – PT, o Partido Democrático Trabalhista – PDT e o Partido Socialista Brasileiro – PSB.  O argumento autoral sustentava ter a criação do pregão significado uma tentativa de burlar a Carta Magna, por flexibilizar contratos públicos[7] na esfera federal.

A ofensa, no caso, seria à redação original do artigo 22, XVII[8], da Lei Maior,  a qual determinava competir privativamente à União a edição das normas gerais de licitação e contratação a ser aplicada a todos os entes da Administração Direta e Indireta. Em consonância com esta determinação, a Lei Geral de Licitações regulamentou o artigo 37, XXI[9], da CF e instituiu normas para licitação e contratos de toda a Administração Pública, tendo em seu artigo 22, §8o[10], vedado a criação de novas modalidades de licitação além das dispostas nos seus incisos[11] ou mesmo a combinação entre elas.

O STF, contudo, indeferiu o pedido de suspensão cautelar dos artigos em epígrafe[12], sob o fundamento de ser o pregão, segundo o seu entendimento, até então, modalidade utilizada apenas nas licitações relativas à concessão de serviços de telecomunicações.  E, na hipótese, da Lei no 9.472/1997 tratar de matéria regida pela Lei no 8.666/1993 – como de fato se deu –, não haveria impedimento constitucional por a Lei Geral de Licitações não possuir hierarquia especial e distinta, nem demandar quorum de lei complementar, de modo a permitir alterações via lei ordinária.

De acordo com esta interpretação do STF, o disposto no § 8o do art. 22 da Lei no 8.666/93, que vedava a criação de outras modalidades de licitação, foi efetivamente derrogado, não tendo mais eficácia jurídica, pois, em consonância com o que foi decidido pelo plenário do STF nos autos da ADIN 1668-5-DF, o disposto no inciso XXVII do art. 22 da Carta Magna "não exclui, evidentemente, a possibilidade de determinados tipos de modalidades de licitações serem criadas em lei específica (...)" [13]

A prática do pregão, no âmbito da ANATEL, manifestou-se eficaz, ocasionando maior velocidade nas licitações, e, de igual modo, a redução dos custos operacionais propiciando relevante diminuição do preço final da contratação, com grandes vantagens econômicas.

Na seqüência, foi editada a Medida Provisória no 2.026-7/2000, reeditada várias vezes, a qual, instituiu o pregão expressamente na esfera federal, ou seja, unicamente na União e em suas entidades auxiliares, sendo por isso considerada norma específica.  Por não se estender aos demais entes federados foi reputado inconstitucional por contrariar o artigo 22, XXVII, da CF, o qual, como visto, determinava a competência legislativa da União para tratar de licitação a ser aplicável também aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 Outrossim, violaria a previsão da norma geral de não recepção de novas modalidades de licitação, consubstanciada no art. 22, §8o, da Lei no 8.666/1993, emanado do artigo 22, XXVII, da CF:

A Medida Provisória que instituiu a nova modalidade de licitação apenas para o âmbito da União, não operou como norma geral, mas de modo especial ou específico, eis que especificamente para a União.  E, com efeito, é exatamente isto o que queria evitar o precitado § 8o do art. 22, da Lei 8.666/93 em seu sentido teleológico: que os demais entes da Federação criassem novas modalidades de licitação no âmbito de suas respectivas administrações. [14]

Apesar de específicas e posteriores, as referidas medidas provisórias não teriam o condão de revogar a Lei Geral de Licitações, pois esta seria hierarquicamente superior, vez que pautada na Constituição:

É que a Constituição Federal, ao dar competência privativa para a união estabelecer normas gerais de licitação para todos os entes da Federação, implicitamente definiu que estas normas gerais, de caráter nacional, portanto, deveriam ser absolutamente respeitadas pela legislação dos demais entes da Federação quando legislassem exclusivamente para si, portanto, de modo específico ou especial.  Deste modo, as disposições da lei 8.666/93, porque de caráter geral em obediência à Constituição Federal, são hierarquicamente superiores a qualquer legislação específica ou especial elaborada pelos demais entes da Federação aplicáveis tão somente a si próprios. Veja que a Medida Provisória instituidora do pregão somente a criou no âmbito da União. Logo, não respeitou as disposições contidas na lei geral de observância obrigatória porque hierarquicamente superior. Assim, referida Medida Provisória, está absolutamente maculada de inconstitucionalidade material, o que torna sua utilização absolutamente inválida. [15]

Nessa trilha, não haveria óbice à criação de nova modalidade de licitação, porquanto este impedimento constaria apenas em lei.  Todavia, para contrariar esta diretriz, fazia-se necessário revogar a legislação neste ponto, o que apenas seria possível mediante uma outra norma geral, ou seja, incidente sobre todos os entes constitutivos da federação:

Ora, as normas gerais de licitação são aplicáveis indistintamente a União, Estados Distrito Federal e Municípios.  Nestas normas gerais se esclarece que não se admitirão outras modalidades licitatórias além das que ali foram previstas. Assim, esta restrição só pode ser extinta ou modificada por norma que possua este caráter geral.  Dita alteração, se existir, terá de ser adotada uniformemente para a União, Estados Distrito Federal e Municípios.  Faltando esta uniformidade não será norma geral.  Como o ‘pregão’ foi, de modo expresso, previsto exclusivamente para a esfera federal e a ‘consulta’ o foi para as “agências reguladoras’ federais, resulta que as normas em questão não têm o caráter de norma geral.  Segue-se que são normas federais e não se constituem em norma nacional,característica das normas gerais de licitação. Uma vez que norma federal não pode desobedecer a norma nacional, as normas que regulam o pregão e sua aplicação são inconstitucionais, visto que desatendem à norma constitucional que prevê normas gerais sobre licitação. [16]

Na mesma trilha, caminhava a concepção de Marçal Justen Filho:

O grande problema atinente à validade da MP ora examinada refere-se à existência de normas gerais aplicáveis apenas ao âmbito federal.  Nos termos do art. 22, inc. XXVII, da CF/88, a União dispõe de competência legislativa para veicular normas gerais acerca (inclusive) de licitações em todas as modalidades. Como sabido o conceito de “norma geral” propicia inúmeras dúvidas e controvérsias. No entanto, afigura-se incontroverso que uma das características inegáveis da figura reside na aplicabilidade a todos os entes federativos. Essas normas são ditas gerais não apenas em decorrência de alguma característica pertinente de seu conteúdo (sua generalidade, por exemplo), mas por ser aplicáveis a todas as esferas federativas. Ou seja, normas gerais são normas comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Logo, o regime jurídico previsto para as licitações tem de ser uniforme para todos os entes. Não é possível reservar privativamente alguma faculdade para a União. [17]

Ademais, o fato de ter surgido através de Medida Provisória, ainda que sem relevância e urgência para a imediata regulamentação, ofenderia os pressupostos do artigo 62, caput da CF.

Entrementes, com o advento da Lei no 10.520/2002, ampliou-se o emprego do instituto ao restante dos entes federativos, conforme apregoado na aludida ementa, in verbis:

Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.

Nesse sentido, esta lei, perceptivelmente, propaga normas gerais relativas às licitações públicas.   Assim, apresentando o mesmo status da Lei no 8.666/1993, viabilizou a revogação tácita do §8o do seu artigo 22 por ser-lhe posterior e contrariar-lhe:   

Com isso, podemos afirmar, hoje, que a Lei no 10.520/2002 veicula normas gerais em matéria de licitações públicas.  Encontra-se, portanto, na mesma situação da Lei no 8.666/93 em nosso ordenamento jurídico. Temos, em verdade, duas leis de normas gerais regulamentando o art. 37, XXI, da Constituição de 1988, a segunda acrescentando normas à regulamentação inicial: a Lei no 8.666/93 e a Lei no 10.520/2002. [18]

Com a Lei no 10.520/2002, a celeuma acerca da eventual inconstitucionalidade do pregão apenas no campo da União perdeu o objeto.  O legislador saneou o vício anterior, estendendo a aplicação da modalidade licitatória aos demais entes federativos.  Nessa esteira, a lei em epígrafe possui caráter geral, por observância à Carta Magna, com o poder de revogar normas anteriores.

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O pregão pode ser realizado com uso de recursos tecnológicos da informação, podendo ser presencial ou eletrônico.  A modalidade presencial é regulamentada pelo Decreto no 3.555/2000.   Noutra margem, a eletrônica é disciplinada pelo Decreto no 5.450/2005.


3. Âmbito de incidência: características do objeto

O pregão aplica-se à aquisição de bens e serviços comuns, cujo desempenho e qualidade são definíveis objetivamente pelo edital, através de especificações usuais no mercado, consoante o artigo 1o, parágrafo único[19], da Lei no 10.520/2002.

A relevância da definição exata do objeto do pregão foi tratada na Súmula no 177 do TCU:

A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.

Depreende-se do teor da súmula que as características essenciais do objeto devem ser claramente divulgadas para dirimir incertezas dos interessados, como forma de garantir a igualdade de tratamento não apenas dos efetivos concorrentes, mas também dos licitantes em potencial. 

Dessa forma, por exclusão, não podem ser passíveis de submissão ao pregão os objetos que não se integrem a tais requisitos constantes da súmula, quais sejam, definição precisa no edital, em consonância com o artigo 1o, parágrafo único, da Lei no 10.520/2002, e simplicidade técnica:

Pode-se, pois, afirmar que apenas os objetos que não possam ser definidos pelo edital, por intermédio de especificações usuais de mercado, com padrões de qualidade e de produtividade e os que não possuem ser comparados entre si, e os dependentes de nítida sofisticação técnica, não podem ser licitados por meio da modalidade pregão. [20]

Importa enfatizar que bens e serviços comuns não são necessariamente simples, eis que na hipótese os vernáculos não são sinônimos:     

Em síntese, a lei que institui o pregão define que bens e serviços comuns são aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital.  No entanto, a denominação de “comum” não se refere a objeto sem sofisticação ou sem desenvolvimento.  Portanto, o nosso conceito de “bens e serviços comuns” inclui o simples, o padronizado, o rotineiro, e ainda aqueles que podem ser descritos objetivamente, mantida a estrutura procedimental do pregão.[21]

Dessarte, o pregão é indicado para a aquisição de bens e serviços de fácil aquisição no mercado, e para os quais praticamente todos os fornecedores satisfaçam as exigências da administração, tais como água mineral, combustível, uniforme e material de limpeza.  Por seu turno, os serviços podem ser de assistência hospitalar, serviços gráficos e segurança.  Há um rol exemplificativo de ambos no Anexo II do Decreto Federal no 3.555/2000:

A lista de serviços constante do Anexo II do Decreto no 3.555, de 2000, não é exaustiva, haja vista a impossibilidade de relacionar todos os bens e serviços comuns utilizados pela Administração. Decisão 343/2002 Plenário (Relatório do Ministro Relator). [22]

Igualmente, mister se faz o emprego de parâmetros objetivos capazes de fornecer condições isonômicas de avaliação das propostas dos licitantes.  Para haver a comparação equânime de preços, os itens analisados devem ser homogêneos:

Há a impossibilidade de reduzir a um julgamento objetivo de preço objetos que não são homogêneos.  Isso representa evidente violação do princípio da isonomia, já que se trata igualmente soluções que, além de complexas, são absolutamente distintas.  Viola, também, o princípio da ampla defesa, eis que os licitantes não terão como questionar a solução técnica do concorrente e mesmo os seus custos; afinal, não se saberá com base em quais parâmetros as propostas comerciais foram orientadas. [23]

Registre-se entender o Tribunal de Contas da União que “a inviabilidade da utilização do pregão deve ser justificada pelo dirigente ou autoridade competente”[24], de modo a tornar esta modalidade a regra de licitação tratando-se bens e serviços comuns.

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Sobre a autora
Ana Carolina de Araújo Dantas Loureiro

Advogada - Pós-Graduada em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto origiariamente publicado na edição nº 189, de novembro de 2009, da Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC. ISSN nº 1980-234X e na edição nº 5, de maio de 2010, da Revista BLC (Boletim de Licitações e Contratos), da Editora NDJ Ltda. ISSN nº 1981-5506

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