Mandado de Injunção: instrumento de controle jurídico da Administração Pública, à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal

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Análise da omissão legislativa inconstitucional e a possibilidade de efeitos concretos ao mandado de injunção, de acordo com a jurisprudência do STF.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Síndrome da Inefetividade Constitucional; 2.1. Considerações sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; 2.2. Mandado de Injunção: definição do instituto; 2.3. Objeto do Mandado de Injunção; 2.4. Requisitos para a interposição do Mandado de Injunção; 2.5. Partes, competência e procedimento; 2.6. Os controvertidos efeitos da decisão em Mandado de Injunção; 2.6.1. Decisão Declaratória; 2.6.2. Decisão Mandamental; 2.6.2. Decisão Mandamental; 2.6.3. Concretista Indireta; 2.6.4. Decisão Concretista Imediata; 2.7. Diferenças entre Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; 3. Panorama sobre o entendimento jurisprudencial do STF relativo às decisões em Mandado de Injunção; 3.1. Posicionamento tradicional com o julgamento do MI n.º 107; 3.2. Modificações pontuais do entendimento clássico; 3.2.1. Julgamento do MI n.º 232; 3.2.2. Julgamento do MI n.º 283; 3.3. Posicionamento atual: adoção da tese concretista; 3.3.1. Julgamento do MI n.º 721; 3.3.2. Análise sobre o julgamento dos MI’s n.os 670, 712 e 708; 4. Questionamentos a partir da moderna definição do Mandado de Injunção adotada pelo STF; 5. Considerações Finais.


1. Introdução

A concepção acerca do mandado de injunção passou por modificações doutrinárias e jurisprudenciais desde a vigência da Constituição Federal de 1988, a qual consubstanciou o writ, no artigo 5º, LXXI[1], para realizar o controle judicial da inação administrativa, no descumprimento de sua função legiferante pertinente à inviabilidade de exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas essenciais à nacionalidade, à soberania e à cidadania.  Ocorre que atualmente nota-se uma nova percepção do instituto a partir da orientação mais recente do STF.

Esta mudança de entendimento decorre da insatisfação com a reiterada inconstitucionalidade por conduta negativa do Poder Público, cujo descaso gerou a problemática da “síndrome da inefetividade das normas constitucionais”, na qual preceitos de eficácia limitada continuam pendentes de regulamentação mesmo depois de mais de 20 anos de promulgação da Lei Fundamental.  O Mandado de Injunção, respeitadas as peculiaridades, mostra-se, ao lado da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, um instrumento de combate à ineficiência constitucional.

Como resultado da busca pela máxima efetivação do texto constitucional, o alcance hodierno dos efeitos do Mandado de Injunção foi revisto pelo Pretório Excelso, que, ao adotar em alguns julgados a Teoria Concretista, sinaliza uma postura ativista de conferir maior otimização à Lei Suprema, outorgando-se, ao Judiciário, autonomia para delinear os limites do exercício de um direito constitucional, cuja inércia do legislador havia mantido sem aplicabilidade. 


2. Síndrome da Inefetividade Constitucional

A Constituição assenta-se no cume do sistema jurídico, sendo a fonte primária de direitos e garantias do ordenamento.  Promulgada para guiar o país indefinidamente, precisa ter dispositivos vagos e gerais, adaptáveis a conjunturas futuras.  Assim, permanece atual e acompanha a evolução da sociedade por caminhos imprevisíveis.   A Carta de 1988 trouxe significativos avanços nas propostas sociais, mas evitou estabelecer, em alguns casos, a forma em que se dariam tais medidas.  Portanto, não adotou todas as suas normas de plena eficácia, condicionando-a à edição de legislação superveniente, para que ditasse os parâmetros a serem conduzidos mais adequadamente.

Ocorre que, ultrapassados 20 anos de vigência da Constituição, muitos destes preceitos jamais foram concretizados, por falta de interesse legiferante.  O vácuo legislativo indeterminado enfraquece a Constituição, por incerteza quanto à concreção de normas.  Esta descrença na Lei Maior torna-a incipiente aos anseios da população e duvidosa quanto as suas previsões.  A ausência de compromisso legiferante em dar total exequibilidade à Constituição, ainda repleta de letras sem exercício, fez a Corte Máxima diagnosticar “a síndrome da inefetividade das normas constitucionais”, a qual transcende a simples falta de regramento para atingir um verdadeiro obstáculo na resolução de discussões jurídicas concernentes ao exercício de direitos constitucionais:

A falta de disciplina por normas constitucionais de eficácia limitada passou de uma simples omissão legislativa para um entrave na resolução de discussões jurídicas a respeito do exercício de direitos constitucionais previstos, porém não exercíveis. O problema chegou ao ponto de a Corte Suprema tachá-lo como síndrome da inefetividade.[2]

E mais, contrariando determinação constitucional, ocorre inconstitucionalidade por omissão, a qual consiste em contrariedade à Norma Suprema por inércia do Poder Público em realizar ato nela previsto.  É uma obrigação de agir desrespeitada.  Transgride ordem de operar positivamente sobre específico encargo cuja observância vincula-se à edição normativa.  A inconstitucionalidade por omissão repousa sobre o torpor da Administração em manter a norma constitucional desprovida, total ou parcialmente, de efeitos concretos.  Foi criada para tornar exequível um modelo de Constituição dirigente e constitutiva, amparada em um Estado, a princípio, intervencionista do Bem-Estar Social e produtor de prestações afirmativas. 

A Constituição de 1988 talvez já antevendo esta situação lamentável, por um histórico de normas fundamentais brasileiras com muitos artigos não implementados, inovou no controle de constitucionalidade com a adoção de institutos de combate à omissão, inclusive, com espaço para a participação do cidadão.  A inconstitucionalidade por omissão pode ser rechaçada através da Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão e do Mandado de Injunção, a depender da circunstância.  Entrementes, a Lei Suprema continuou desacreditada mesmo com a instituição de ambas as ações.  Isto porque a Adin por Omissão possui restrições do próprio objeto e finalidade.  Já o Mandado de Injunção restou por anos inutilizado pelo alcance tradicionalmente lhe dado pela interpretação jurisprudencial.  Estes dois institutos serão analisados a seguir.   

2.1. Considerações sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

A Adin por Omissão foi estatuída no Direito Brasileiro com a Carta de 1988, assim como o Mandado de Injunção.  Prevista no §2º[3], artigo 103, tem por fito tornar o Texto Supremo mais efetivo, sob influência de um instituto semelhante da Constituição Portuguesa[4].  A ação lusitana, porém, diferencia-se por estabelecer um elenco menor de legitimados ativos e não por permitir o ajuizamento contra autoridade administrativa. 

A ação brasileira objetiva reconhecer a ausência de regulamentação de norma constitucional de eficácia limitada, cuja falta decorra omissão inconstitucional, e comunicá-la ao órgão faltante para a realização de medidas cabíveis para sanear a lacuna.

No caso de inação da autoridade administrativa, deve ser suprida em trinta dias, sob pena de responsabilidade.  Tratando-se do Poder Legiferante, porém, não convém determinar-lhe a elaboração da lei necessária.  Embora o constitua em mora, a decisão apresenta efeitos declaratórios erga omnes por não poder obrigar-lhe a legislar.  Apenas o ente incumbido de editar a norma pode realizar esta tarefa.  O exame pelo STF na Adin por Omissão tem por objeto a inconstitucionalidade em abstrato, total ou parcial, e não frente ao caso concreto. 

O clássico entendimento majoritário do STF concluía pelas conseqüências da decisão em Mandado de Injunção serem similares às da Adin por Omissão, o que provocou um esvaziamento do remédio injuncional.  Apesar de ambas as ações pressuporem a impossibilidade de exercício de um direito por inexistência de legislação integradora da Lei Fundamental, as diferenças entre elas são cristalinas, consoante se demonstrará.

2.2. Mandado de Injunção: definição do instituto

Mandado de Injunção consiste em instrumento de controle de constitucionalidade difuso por omissão voltado ao saneamento de situações, cuja inexistência de regramento inviabilize o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.  Mediante esta ação civil de fundamento constitucional, mesmo na falta de norma regulamentadora, viabiliza-se o completo exercício de direitos e liberdades arrolados na Constituição, e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e à cidadania. 

Dessarte, o Mandado de Injunção foi estabelecido pelo constituinte de 1988 para possibilitar a concreção das normas não auto-aplicáveis insertas na Carta Maior e sem o devido regramento.  Tal via, sendo adequadamente utilizada, poderia conduzir a uma Constituição mais próxima, na prática, do povo, detentor de legitimação para intentar a ação injuncional.  Por conseguinte, resultaria em uma Constituição com mais credibilidade, sem tantas disposições fadadas à inaplicabilidade.  

É ação – com partes, causa de pedir e pedido – de procedimento contencioso e especial, por obedecer a um rito próprio, neste caso, as normas pertinentes ao mandado de segurança, no que couberem, conforme entendeu a jurisprudência[5] e, posteriormente, a Lei, n.º 8.038/1990[6], no artigo 24, parágrafo único[7], por inexistir ainda legislação regulamentadora específica do Mandado de Injunção. 

Cumpre registrar a ausência de consenso doutrinário sobre a origem do Mandado de Injunção, por ser inovação trazida na Constituição Federal de 1988.  Antes dela, não havia instrumento com semelhante conteúdo no ordenamento jurídico brasileiro.  Sem parâmetro interno, verifica-se comumente a indicação de diversas fontes, constantes do direito alienígena, como possíveis inspiradoras da referida garantia. Apesar de existirem ações próximas ao Mandado de Injunção, trata-se, em verdade, de um remédio tipicamente brasileiro com finalidade e estrutura singulares:

Com a devida vênia daqueles que entendem o contrário, o Mandado de Injunção constitui novidade introduzida pelo direito brasileiro, não se encontrando remédio igual em outros ordenamentos jurídicos.  Entretanto, não podemos negar que possui algumas características semelhantes a alguns outros institutos, mas não o suficiente para conferir completa similitude entre eles. [8]    

A instituição do Mandado de Injunção ocasionou discussões na doutrina sobre o conteúdo, significado e alcance dos julgados, por ausência de precisão do constituinte ao tratá-lo.  Apenas com o ajuizamento de várias ações perante o STF[9],  foram prolatadas decisões que serviram para definição preliminar do instituto.  

2.3. Objeto do Mandado de Injunção

As normas constitucionais podem ser de: I – eficácia plena com aplicabilidade direta, imediata e integral, as quais, a partir da vigência, podem produzir todos os efeitos[10]; II – eficácia contida[11] com aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, a incidirem imediatamente e poderem produzir todos os efeitos, contudo, prevendo-se meios em seu bojo de restringir a eficácia[12]; III – eficácia limitada com aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, que estão obstadas de produzir todos os seus efeitos substanciais por falta de aparato normativo, incumbindo a integração ao Poder Legiferante ou a outro órgão da Administração[13]. 

O Mandado de Injunção tem por objeto apenas as normas de eficácia limitada privadas de norma regulamentadora a obstruir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, por definição do próprio dispositivo que o instituiu[14].   É evidente, pois, que somente as normas de eficácia limitada à edição de uma posterior legislação necessitam de norma regulamentadora.  

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As impositivas exigem o fiel cumprimento pelo legislador[15].  São protegíveis por Mandado de Injunção quando, observados os requisitos para a propositura, versarem sobre as matérias objeto desta ação.  

As facultativas outorgam ao legislador a opção de criar a lei regulamentadora[16].  Por este caráter de discricionariedade, a ausência de edição de norma integrativa, não configura descumprimento de dever de legislar a motivar o ajuizamento de Mandado de Injunção.

 A finalidade do writ não é criar a norma regulamentadora faltante, mas sim encontrar no ordenamento jurídico a base para lastrear o exercício do direito obstruído, temporariamente.  Dessa maneira, o Mandado de Injunção apresenta-se como um mecanismo de interesse na efetivação de direitos e liberdades constitucionais.

2.4. Requisitos para a interposição do Mandado de Injunção

Os requisitos materiais a ensejar a propositura do Mandado de Injunção são elementos formadores do interesse jurídico de agir, o qual é composto pela necessidade em se obter a fruição do direito e a utilidade da tutela jurisdicional eleita.

Precisa ser apontada, inicialmente, a ausência de norma reguladora a causar o impedimento, total ou parcial, do exercício dos direitos constantes do artigo 5º, LXXI, da CF: nexo de causalidade entre a omissão normativa do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa. 

Ademais, é fundamental que reste patente a inércia legislativa, sendo, para tanto, considerado um prazo razoável para a edição da norma regulamentadora.

2.5. Partes, competência e procedimento

É ampla a legitimação ativa. Inexiste um rol taxativo de legitimados. Permite-se que seja interposta pelo Ministério Público no interesse de direitos difusos através da injunção. Outrossim, admite-se Mandado de Injunção Coletivo.  Já a quanto à legitimidade passiva, apenas os órgãos das pessoas estatais com competência para editar atos normativos podem figurar no pólo passivo do Mandado de Injunção. O STF entende ser incabível o ajuizamento de Mandado de Injunção em face de particular, nem mesmo em litisconsórcio passivo com o Poder Público:

Mandado de Injunção [....] - Somente pessoas estatais podem figurar no pólo passivo da relação processual instaurada com a impetração do Mandado de Injunção, eis que apenas a elas é imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos. - A natureza jurídico-processual do instituto do Mandado de Injunção - ação judicial de índole mandamental - inviabiliza, em função de seu próprio objeto, a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entes estatais.

(STF, Agravo Regimental no Mandado de Injunção n.º  335/DF, Relator Ministro Celso de Mello, Pleno, por maioria, julgado em 9.8.1991, DJ: 17.6.1994, p. 29) [17] 

O foro competente para processar e julgar o Mandado de Injunção é determinado pelo ente a figurar no pólo passivo do feito expressa competência do STF, do STJ e TSE. Compete também a Justiça Federal, ao TST, TSM. Cabe ser julgado Mandado de Injunção contra inconstitucionalidade estadual na Justiça Estadual.

No que tange ao procedimento, o Mandado de Injunção possui aplicabilidade imediata, dispensando regulação ulterior para implementar-se. Pensamento adverso seria, no mínimo, contraditório, vez que a ausência de norma balizadora não poderia obstaculizar a utilização do instituto cuja finalidade magna é o exercício de direitos constantes em lei de eficácia limitada, por falta de norma regulamentadora. Caráter de norma auto-aplicável, saliente-se, decorre da incidência do artigo 5º, §1º[18], da CF, enquadrando-se como garantia fundamental por ter por mister “assegurar outros direitos constitucionais ameaçados de não uso por falta de norma regulamentadora”. É também ação autônoma, sem depender do esgotamento das demais vias judiciais para ser proposta.

Inexiste ainda lei regulamentadora do Mandado de Injunção.  Desse modo, para o seu trâmite, são lhe emprestadas as normas relativas ao mandado de segurança, no que couberem, de acordo com a jurisprudência do STF e com o artigo 24, parágrafo único[19], da Lei, n.º 8.038/1990, cujo teor institui os ritos procedimentais para feitos perante o STF e o STJ.  Consta, por tal razão, do artigo 55, XVI[20], do Regimento Interno do STF e do artigo 216[21] do Regimento Interno do STJ, neste o artigo 173[22], II, impõe a prioridade da injunção sobre os demais atos judiciais, exceto habeas corpus, mandado de segurança e habeas data.

A adoção da Lei do mandado de segurança objetiva conferir celeridade ao Mandado de Injunção, o qual imprescinde de uma disciplina sumária a atender imediatamente a tutela jurisdicional dos direitos individuais e coletivos.  Subsidiariamente, são lhe utilizáveis os preceitos do procedimento comum ordinário do Código de Processo Civil.

Defende-se não haver prazo preclusivo para a propositura do Mandado de Injunção, pois a mora legiferante não se convalida após o decurso do tempo.  A autoridade legislativa permanece obrigada a editar a norma integrativa para viabilizar o exercício de direitos constitucionais objeto do Mandado de Injunção, mormente, por constar o advérbio “sempre” no bojo do dispositivo estabelecedor do writ.

A exordial da ação injuncional deve ser de acordo com as determinações do artigo 282 e 283 do CPC, consoante previsão do artigo 6º[23] da Lei n.º 12.016/2009 do Mandado de Segurança.  Nesta petição, a parte autora precisa apontar o direito, liberdade ou prerrogativa com pretensão de exercício, bem assim a omissão normativa a obstá-lo.  Faz-se necessário também o endereçamento ao foro competente para dirimir o litígio.  A representação da parte autora por advogado.

Registre-se a indispensabilidade da oitiva do Ministério Público na injunção, arrimada no artigo 12 da Lei 12.016/2009[24], na condição de fiscal da lei.  No Regimento Interno do STF, embora não haja explícita referência à participação do Procurador Geral da República no Mandado de Injunção, entende-se, tacitamente, que terá vista dos autos por ser ação de controle de constitucionalidade[25] e por ser obrigatória sua participação em mandado de segurança.

Registre-se ser inadmissível a concessão de liminar e incabível o conhecimento de agravo regimental contra indeferimento de liminar.

Não há no texto constitucional referência à possível isenção, porém não há na Resolução n.º 389 do STF[26], de 20 de janeiro de 2009, qualquer alusão ao eventual valor da ação injuncional.  Ademais, o vigente Regimento Interno do Pretório Excelso, atualizado até dezembro de 2008, faz remissão ao artigo 5º, LXXVII[27], da CF ao tratar do instituto. Ocorre que o mencionado inciso constitucional remete à gratuidade apenas de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania.  E falta, sabe-se, ao Mandado de Injunção, lei reguladora para usufruir deste alcance. 

2.6. Os controvertidos efeitos da decisão em Mandado de Injunção

Os possíveis efeitos da decisão judicial favorável em Mandado de Injunção sempre se mostrou o ponto mais polêmico sobre a matéria.  Várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais surgiram para estabelecer as conseqüências apropriadas ao julgado, a partir da análise da real natureza jurídica do writ.  O exame de tais correntes tem por fito verificar qual delas mais se harmoniza com a interpretação sistemática das prescrições da Constituição. 

2.6.1. Decisão Declaratória

A tese não-concretista concede efeitos apenas declaratórios à decisão em ação injuncional, por entender que ao Judiciário apenas incumbe constatar a omissão legiferante a obstruir o exercício de um direito constitucionalmente arrolado. Dessa maneira, sustenta a ausência de conteúdo normativo ao pronunciamento judicial, o qual apenas resultaria na cientificação da mora ao órgão competente pela edição da norma faltante. 

Frise-se, por esta percepção de teor não concretista[28], somente haver uma recomendação ao legislativo, o qual não se vincula a ela[29], tornando a injunção assemelhada à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujos resultados se limitam ao reconhecimento da inação legislativa: 

Concluímos, pois, que não se pode dar ao Mandado de Injunção um alcance que não tem a inconstitucionalidade por omissão.  Esta, que é reservada a autoridades e a entes de alta representatividade, que apenas corre perante o mais alto Tribunal do País, tem repita-se, como conseqüência levar uma comunicação ao Poder competente para legislar, ou a infração de prazo para órgão administrativo, se for o caso.  O mesmo no máximo será o alcance do Mandado de Injunção.[30]

Tal concepção foi aceita majoritariamente por muitos anos pelo STF, a partir do julgamento da Questão de Ordem no Mandado de Injunção n.º 107/DF[31], fazendo do remédio constitucional um instrumento de resultados esvaziados e quase destinado ao ostracismo[32].

A teoria em epígrafe firmou-se no receio de usurpação judicial das atribuições legislativas por força do princípio da separação de poderes, disposto no artigo 2º[33] do Texto Maior.  Reputando-se o Judiciário incompetente para a concreção dos efeitos em ação injuncional, facultou-se, ainda, ao legitimado o ajuizamento de ação indenizatória, ulterior ao deferimento do writ, com a finalidade de compensar os danos sofridos com a não fruição do direito constitucional, por falta de lei integradora:

Por fim o terceiro caminho reside na impossibilidade do Judiciário satisfazer a pretensão do requerente, em vista de não ser detentor de função legiferante, mas de assegurar ao requerente, após a decisão do Mandado de Injunção, a possibilidade de ajuizar a reparação econômica, em virtude dos prejuízos sofridos em decorrência da não-existência de lei.[34]

Neste sentido, foram trilhados julgamentos no STF, em alguns casos pontuais: ação indenizatória posterior, fulcrada no art. 8º, §3, do ADCT.

2.6.2. Decisão Mandamental

Da decisão exclusivamente declaratória, desenvolveu-se um posicionamento de maior abrangência do instituto, com a outorga de efeito mandamental, inter partes[35], na fixação de prazo para a elaboração da norma regulamentadora aos entes legislativos.

2.6.3. Concretista Indireta

Outros doutrinadores, contudo, adeptos da tese da independência jurisdicional[36], prevêem, com a manutenção da lacuna normativa, após a ciência do Poder Legiferante, a permissão, por decisão constitutiva[37], para que o titular do direito impetre ação executória nas vias ordinárias para a concreção da norma pelo Judiciário, em sentença condenatória[38], de efeitos inter partes.

Advogam alguns teóricos, porém, ser desnecessária a propositura da renovação do pleito judicial.  Conhecido o Mandado de Injunção e declarada a mora legiferante, o órgão regulamentador seria comunicado para elaborar a norma faltante em um determinado prazo.  Transcorrido este lapso sem resposta efetiva do pólo passivo, bastaria o envio de reclamação ao STF pelo interessado para que os efeitos fossem constituídos pelo Judiciário no caso concreto[39].

2.6.4. Decisão Concretista Imediata

            Existe também a concepção resolutiva[40] firmada na defesa da imediata elaboração de regra concreta na decisão judicial, hábil a viabilizar o exercício dos direitos garantidos pelo writ, com efeitos a alcançar apenas os indivíduos integrantes da lide.  

Dessarte, constatada a omissão inconstitucional, prescinde-se da cientificação da mora ao ente legislativo, cabendo ao Judiciário implementar os direitos de eficácia limitada objeto da injunção, sem, contudo, criar a lei integradora ausente, através de sentença constitutiva. Busca-se, em verdade, dentro da ordem jurídica elementos gerais para suprirem a lacuna judicialmente.

Observa-se, assim, que a edição da norma regulamentadora pelo Legiferante não é uma simples faculdade, mas um dever.  O amparo jurisdicional é propiciado somente com o descumprimento desta função típica do legislador a impedir o exercício integral de direitos pelo cidadão.  Dessa forma, no Mandado de Injunção, os atos dos Poderes Estatais se compatibilizam para permitir a fruição dos direitos reclamados. 

Uma variante da teoria esposada considera tocar ao Tribunal a constituição da norma para o caso concreto, mas de cumprimento a ser analisado casuisticamente em sede de ação ordinária no Juízo Comum.

No âmbito do STF, esta posição resolutiva inter partes era sustentada apenas pela minoria dos Ministros[41], porém ganhou força recentemente, tendo por atuais partidários os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio[42].  Neste diapasão, convém registrar a ementa do Mandado de Injunção n.º 721, cujo conteúdo abraça esta corrente, para aplicar a lei de aposentadoria dos trabalhadores em geral à autora servidora pública.

Por seu turno, uma última diretriz, de feição igualmente concretista, conduz à supressão da lacuna legislativa, de plano, pela decisão judicial com efeitos paradigmáticos a todos os casos semelhantes, ainda que não tenham impetrado a ação.  De tal modo, o Judiciário editaria incontinenti o conteúdo normativo em abstrato alcançado pela injunção, provisoriamente, até a elaboração da lei regulamentadora pelo órgão competente.

Decerto, a implementação desta teoria de regulamentação judicial com efeitos erga omnes poderia evitar o aparecimento de decisões contraditórias[43], as quais poderiam violar o princípio constitucional da isonomia[44].   

Hodiernamente, o STF modificou o seu entendimento tradicional sobre o Mandado de Injunção ao aderir a esta derradeira teoria e proferir decisões de cunho aditivo com efeitos erga omnes, no sentido de aplicar a regra geral do direito de greve, qual seja, a Lei n.º 7.783/1989 própria dos empregados celetistas, aos servidores públicos estatutários, até a edição de norma específica pelo Poder Legislativo.[45]

Pelas óticas concretistas traçadas acima, percebe-se que a decisão em Mandado de Injunção diferencia-se da ação direta de inconstitucionalidade por omissão por não se resumir a reportar a inconstitucionalidade ao ente em mora. 

Convém detalhar, a seguir, o paralelo entre os dois institutos, posto que apesar de ambos combaterem a omissão contrária à Carta Magna, apresentam significativas peculiaridades a repercutir no alcance das suas decisões.

2.7. Diferenças entre Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 

Malgrado os dois institutos destoem em vários aspectos, alguns doutrinadores os consideram praticamente similares[46].  A jurisprudência tradicional do STF, por sua vez, equiparou-lhes os efeitos[47], fato que provocou o desvirtuamento do Mandado de Injunção, tornando-o, por anos, um instrumento praticamente inócuo. 

Quanto aos objetos, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, dá-se uma proteção mais ampla, por impugnar-se a ausência de medida aplicável a qualquer norma constitucional de eficácia limitada e pendente de regulamentação[48].  No MI restringe-se a direitos e liberdades e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, cidadania e soberania.

Tratando-se da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a inércia legislativa pode ser apenas em tese, sem vínculo com o caso prático, posto integrar o controle de constitucionalidade abstrato.  Para a interposição do Mandado de Injunção, ao contrário[49], a lesão ao direito tutelado deve ter se concretizado, por figurar no controle de constitucionalidade difuso. 

No que concerne às partes, no MI há ampla legitimidade ativa: toda pessoa impossibilitada de exercer os direitos subjetivos do artigo 5º, LXXI, da CF. Já a Adin por Omissão apresenta o rol taxativo do artigo 103, caput[50], da CF.

A competência para julgamento também é diferenciada. Enquanto na Adin por Omissão é exclusiva e originária do STF, no MI, por tratar-se de controle difuso, a competência depende do pólo passivo, podendo ser do STF, STJ, TSE, Justiça Militar, Federal e Laboral.

 Inobstante o MI possua objeto mais limitado, apresenta potencial maior eficácia que a Adin por Omissão.

Há aspectos a serem abordados no que tange à eficácia das decisões em epigrafe.  A ação direta de inconstitucionalidade por omissão apresenta incontroversos efeitos erga omnes, os quais são comuns do controle de constitucionalidade concentrado.  De tal forma, atingem todos os casos análogos, não só as partes litigantes.

Por seu turno, entendia-se ter a decisão em Mandado de Injunção efeitos exclusivamente inter partes, isto é, a alcançar somente os participantes da relação processual, em decorrência do controle difuso de constitucionalidade. 

No entanto, o posicionamento pertinente à matéria tem se modificado de acordo com as decisões proferidas nos mandados de injunção n.os 670, 712 e 708, os quais examinaram a questão do direito de greve do servidor público.  Os efeitos da decisão foram neles consignados como paradigmas para todas as situações que futuramente se identificassem com o narrado dos autos, in casu, servidor público com interesse em entrar em greve, enquanto sem regramento legislativo específico[51].  

Todavia, paralelamente, foi julgado o Mandado de Injunção n.º 721/RS, com efeitos claramente inter partes [52], para aplicar a lei de aposentadoria dos trabalhadores em geral à autora servidora pública.  Por esta razão, prematuro afirmar ter o STF adotado com exclusivismo a amplitude erga omnes dos efeitos concessivos injuncionais. 

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Sobre a autora
Ana Carolina de Araújo Dantas Loureiro

Advogada - Pós-Graduada em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo jurídico originariamente publicado na Edição nº 3, de março de 2010, da Revista BDA (Boletim de Direito Administrativo), da Editora NDJ Ltda. ISSN nº 1981-5522

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