CONCLUSÃO
O diálogo entre direito e antropologia não apenas é possível como, por várias razões, desejável[10]. O homem do direito e o pesquisador etnográfico possuem a semelhança de acabarem, muitas vezes, por se tornarem seres defensores das minorias, uma vez que facilmente identificam as dificuldades e os preconceitos por estes sofridos, cabendo a eles disseminarem seu conhecimento como forma de tentar ajudar no combate das desigualdades. Neste sentido:
“O objetivo precípuo do direito deve ser, então, a garantia da paz e do equilíbrio das relações sociais, evitando conflitos com fins de promover o desenvolvimento do grupo social (sociedade) com redução das desigualdades existentes.[11]”
Essa relação de interposição direta da etnografia com o direito, e sua importância em entender não só os fatos presentes, mas também os históricos, também ficou evidenciada no entendimento de Scheppele:
“A etnografia constitucional olha para a lógica de contextos particulares como meio de iluminar as inter-relações entre os elementos políticos, legais, históricos, sociais, econômicos e culturais. O seu objetivo é entender melhor como sistemas constitucionais operam, identificando os mecanismos da governabilidade e, as estratégias pelas quais se a tenta, experimenta, resiste e revisa. Para tanto, a etnografia constitucional leva em consideração a profundidade do contexto histórico e cultural. Enquanto uma configuração constitucional tem traços distintos e não generalizáveis, cada contexto constitucional possui igualmente uma lógica que liga várias das suas características em padrões cujos traços podem ser visíveis alhures, em manifestações diferentes e específicas[12]”
Neste sentido, acredito que a antropologia e a etnografia têm se revelado grandes aliadas do direito e do serviço social, contribuindo para reduzir as disparidades sociais no Brasil, valorizando o trabalho de contato através das pesquisas de campo, onde se torna possível o conhecimento ou ainda vivenciar o que se passa com determinado grupo social, buscando sempre entender e conhecer suas batalhas. Tal processo é importante pois permite levar à tona o que esse povo realmente está passando e o que pode ser feito para amenizar ou resolver seus problemas sociais e culturais.
Digo isso não somente no âmbito abordado no presente artigo, mas também em diversos outros grupos sociais discriminados, como o LGBT, o das prostitutas, dos encarcerados etc.
A superação das disparidades no Brasil certamente não é um caminho fácil, haja vista que temos uma das sociedades mais desiguais do mundo, resultado, principalmente, do nosso histórico e da impunidade que ocorre no país. Da análise deste breve artigo podemos concluir que nossa Nação está muito longe de alcançar a tão estimada cidadania para todos e a igualdade, que supostamente se constituem em direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
O primeiro passo em direção a uma sociedade mais equilibrada é compreender e aceitar que a desigualdade é o maior problema do nosso país, e que, tal desigualdade é fruto da explícita discriminação de certos grupos sociais.
Enquanto a classe pobre não tiver acesso a condições básicas sociais, como educação e saúde; enquanto as mulheres não forem igualmente aceitas no mundo profissional; enquanto for aceito que os salários sejam discriminatórios; enquanto seja permitido o racismo velado; entre tantos outros motivos, a estagnação que nos encontramos como sociedade irá permanecer.
Apesar de acreditar que o estudo de tais comportamentos sociais são uma ferramenta importantíssima para ultrapassarmos a marca da desigualdade no Brasil, acredito que ainda é importante ressaltar que as mudanças primárias vêm do próprio povo. Compreender o significado de empatia, ser capaz de se posicionar no lugar do próximo, aceitar que somos, de fato, iguais, é algo que se ensina desde o crescimento, em casa com a família, nas escolas, universidades. Acabar com o machismo, a intolerância, seja ela qual for (religiosa, sexual, racial) e o preconceito é um processo moroso e contínuo. Sabemos que não acontecerá de uma hora para a outra, mas aos poucos conseguir diminuir as discrepâncias e ajudar todos os cidadãos a conquistarem seu espaço é fundamental.
É certo que nos últimos anos houve significativa melhora no que diz respeito à proteção dos direitos das classes oprimidas, com medidas que visam maior inclusão social, mas o caminho a ser percorrido ainda é claramente longo.
Notas
[1] ABREU, AZEVEDO, MELO, MORAIS JÚNIOR, PEDROSA E VIEIRA. Os bastidores do Supremo e outras histórias curiosas, pg. 13. (2013)
[2] SPRADLEY, J. The ethnographic interview. Forth Worth: Hancourt Brace Jovanovich College, 1979.
[3] ABREU, AZEVEDO, MELO, MORAIS JÚNIOR, PEDROSA E VIEIRA. Os bastidores do Supremo e outras histórias curiosas, pg. 13. (2013)
[4] BIROLI, FLÁVIA. MIGUEL, LUIS FELIPE. Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades, pg. 29
[5] OLIVEIRA, ROBERTO CARDOSO DE. O trabalho do Antropólogo, pg 166.
[6] CARVALHO, JOSÉ MURILO DE. Cidadania no Brasil: o longo caminho, pg 08.
[7] BIROLI, FLÁVIA. MIGUEL, LUIS FELIPE. Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades, pg. 40/41
[8] BIROLI, FLÁVIA. MIGUEL, LUIS FELIPE. Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades, pg. 44
[9] CARVALHO, JOSÉ MURILO DE. Cidadania no Brasil: o longo caminho, pgs 228/229.
[10] ABREU, LUIZ EDUARDO. Etnografia constitucional: Quando direito encontra a antropologia, pg. 09.
[11] SANTOS, Marcos André Couto. O Direito como meio de pacificação social: em busca do equilíbrio das relações sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4732>. Acesso em: 4 jul. 2017.
[12] SCHEPPELE, K. L. Constitutional Ethnography: An Introduction. Law & Society Review, v. 38, n. 3, pg 390.