IV- A FISCALIZAÇÃO DOS RECURSOS PELO TRIBUNAL DE CONTAS
Em reportagem, publicada no dia 16 de julho de 2017, o jornal Folha de São Paulo assim noticiou:
“A maior parte do dinheiro recolhido pelas empresas para os cofres do Senai e do Sesi, duas das principais entidades do Sistema S, não é arrecadada pela União, o que dificulta o controle e a transparência sobre esses recursos e é alvo de controvérsia jurídica.
Esse dinheiro que sustenta o sistema -conhecido por contribuição compulsória ou contribuição social- tem amparo em legislação dos anos 1940, no Governo Vargas, e corresponde a um percentual da folha de pagamento de empresas de vários setores. Conforme o setor, o percentual varia de 0,2% a 2,5% sobre o montante da remuneração paga aos empregados. Criados com a função de qualificar trabalhadores da indústria (Sesi e Senai) e do comércio (Sesc e Senac) e lhes prover atividades de educação e cultura, os chamados serviços sociais autônomos são entidades de direito privado sem fins lucrativos, mas que administram bilhões em recursos semipúblicos -são tributos que têm de ser aplicados em favor da sociedade, mas não são incluídos no Orçamento da União. Ao longo dos anos, para atender a interesses de outras indústrias e setores que pleiteavam recursos do sistema, o escopo da contribuição cresceu, e hoje o Sistema S contempla transportes (Sest e Senat), micro e pequenas empresas (Sebrae), setor rural (Senar), cooperativismo (Sescoop), exportação (Apex) e desenvolvimento (ABDI). Por ano, os repasses rendem às entidades patronais cerca de R$ 20 bilhões.
Enquanto o imposto sindical, que beneficia sindicatos de trabalhadores e patronais, foi extinto pela reforma trabalhista -o governo estuda compensar de alguma forma parte da arrecadação-, a contribuição compulsória, cujo montante é bem maior, segue intocável. Cabe ao TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria Geral da União) fiscalizar as contas dos filiados ao sistema, mas os próprios órgãos apontam lacunas (a maioria das entidades não publica demonstrações contábeis consolidadas nem passa por auditoria externa, por exemplo). Dados problemas de transparência e controle, os críticos do sistema se referem a ele como uma "caixa-preta". Na maioria das entidades, essa contribuição é cobrada pela Receita Federal. Mas Senai (Serviço Nacional da Indústria) e Sesi (Serviço Social da Indústria) podem recolher a contribuição compulsória diretamente dos seus filiados, sem acompanhamento do Fisco. Embora a prática suscite questionamentos tanto pelo aspecto legal quanto pela transparência, a arrecadação direta vem crescendo a cada ano, e em 2016 chegou a R$ 4,2 bilhões, superando o valor recolhido via Receita, R$ 3,8 bilhões.”
A lei federal 11.457, que dispõe sobre a administração tributária federal, determina que a tarefa de cobrar tais contribuições cabe à Receita.
Em relatório de 2013 para embasar um processo sobre a legalidade da arrecadação direta, a Semag (Secretaria de Macroavaliação Governamental) do TCU considerou a modalidade ilegal à luz de várias normas vigentes no país (incluindo, além da lei 11.457, a Constituição e o Código Tributário Nacional) e recomendou ao tribunal a sua extinção.
Alguns falam que a União Federal deveria ficar com toda a verba do Sistema S. Mas, para isso, será necessário aprovar emenda constitucional. Sem que haja essa emenda constitucional, vindo a solução alardeada pelo Poder Executivo, por lei ordinária, há inconstitucionalidade flagrante.
São instituções reguladas por lei, estatutos aprovados, por decreto, fiscalização por parte do Poder Público; neles há participação de particulares, pessoas físicas ou jurídicas, na sua criação, manutenção, gestão e funcionamento. Essas entidades chamadas de entes de cooperação com a Administração Pública têm personalidade jurídica de direito privado; podem ser subvencionadas pelo Estado, arrecadando, a seu favor, contribuições parafiscais. Fala-se numa descentralização por cooperação.
A Constituição prevê tributo afetado a fins parafiscais destinado a entidades privadas. Tal é o caso do artigo 240, “Das Disposições Constitucionais Gerais”. As contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, SESC, têm natureza tributária, continuam, a ser tributárias e sujeitam-se às regras do Código Tributário Nacional(lei complementar material), de forma inteira, pouco importando estarem subsumidas como contribuições.
A teor do art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.
Na matéria, tem o Supremo Tribunal Federal o seguinte posicionamento:
“Os serviços sociais autônomos do denominado sistema ‘s’, embora compreendidos na expressão de entidade paraestatal, são pessoas jurídicas de direito privado, definidos como entes de colaboração, mas não integrantes da administração pública. Quando o produto das contribuições ingressa nos cofres dos serviços sociais autônomos perde o caráter de recurso público.” (ACO 1.953-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-12-2013, Plenário, DJE de 19-2-2014.)
"A atividade desempenhada por empresa prestadora de serviços com intuito lucrativo é compatível com o escopo de atuação do Sesc e do Senac, enquanto não for criada entidade sindical de grau superior com o objetivo de orientar, coordenar e defender todas as atividades econômicas relacionadas à prestação de serviços." (RE 509.624-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 1º-4-2011.)
“O art. 240 da Constituição expressamente recepcionou as contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical. (...) A alteração do sujeito ativo das Contribuições ao SESI/SENAI para o SEST/SENAT é compatível com o art. 240 da Constituição, pois a destinação do produto arrecadado é adequada ao objetivo da norma de recepção, que é manter a fonte de custeio preexistente do chamado ‘Sistema ´S´’.” (RE 412.368-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 1º-4-2011.)
A Constituição Federal do Brasil prevê, em seu artigo 149, três tipos de contribuições que podem ser instituídas exclusivamente pela União:
(I) contribuições sociais
(II) contribuição de intervenção no domínio econômico
(III) contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas
Com base nesta última hipótese de incidência é que tem a base legal para a existência de um conjunto de onze contribuições que convencionou-se chamar de Sistema S. As receitas arrecadadas pelas contribuições ao Sistema S são repassadas a entidades, na maior parte de direito privado, que devem aplicá-las conforme previsto na respectiva lei de instituição.
O sistema S é termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).
As empresas pagam suas contribuições para o sistema S com base nas seguintes alíquotas:
Instituição Alíquota
SSENAI 1,0%
SSESI 1,5%
SSENAC 1,0%
SSESC 1,5%
SSEBRAE variável no intervalo de 0,3% a 0,6%
SSENAR variável no intervalo de 0,2% a 2,5%
SSEST 1,5%
SSENAT 1,0%
SSESCOOP 2,5%
Segundo a lei de 1942, tal montante deveria ser investido na saúde e na formação do trabalhador. Por certo, cabem ao Ministério da Educação e ao Tribunal de Contas da União, uma constante vigilância com relação a esse repasse de recursos que deve ser feito em benefício do trabalhador.
O julgamento das contas das entidades em questão apesar do que já dispunha, na carta anterior (CF – Emenda Constitucional n. 1/69 , artigo 70, parágrafo primeiro) escapa muitas vezes do controle do Tribunal de Contas, face à disposição de lei ordinária que comete esse julgamento a outro órgão.
IV - DO CONCURSO PÚBLICO
No site do STF, de 17 de setembro de 2014, observa-se que as entidades do sistema S não estão obrigadas a realizar concurso para acesso de pessoal aos seus quadros:
"Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (17) que o Serviço Social do Transporte (Sest) não está obrigado a realizar concurso público para a contratação de pessoal. O relator do Recurso Extraordinário (RE) 789874, ministro Teori Zavascki, sustentou que as entidades que compõem os serviços sociais autônomos, por possuírem natureza jurídica de direito privado e não integrarem a administração indireta, não estão sujeitas à regra prevista no artigo 37, inciso II da Constituição Federal, mesmo que desempenhem atividades de interesse público em cooperação com o Estado. O recurso teve repercussão geral reconhecida e a decisão do STF vai impactar pelo menos 57 processos com o mesmo tema que estão sobrestados (suspensos).
O RE foi interposto pelo Ministério Público do Trabalho contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, sob a alegação de que os serviços sociais autônomos, integrantes do chamado “Sistema S”, deveriam realizar processo seletivo para contratação de empregados, com base em critérios objetivos e impessoais, pois se tratam de pessoas jurídicas de criação autorizada por lei que arrecadam contribuições parafiscais de recolhimento obrigatório, na forma do artigo 240 da Constituição Federal de 1988, caracterizadas como dinheiro público.
O relator lembrou que os primeiros entes do Sistema S – Sesi, Senai, Sesc e Senac – foram criados por lei na década de 1940, a partir de uma iniciativa estatal que conferiu às entidades sindicais patronais a responsabilidade de criar entidades com natureza jurídica de direito privado destinadas a executar serviços de amparo aos trabalhadores, tendo como fonte de financiamento uma contribuição compulsória sobre a folha salarial. O ministro observou que a configuração jurídica das entidades originais foi expressamente recepcionada pelo artigo 240 da Constituição de 1988, e que essas regras se aplicam às entidades criadas depois da Constituição.
O ministro observou que as entidades do Sistema S são patrocinadas por recursos recolhidos do setor produtivo beneficiado, tendo recebido inegável autonomia administrativa e, embora se submetam à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), ela se limita formalmente apenas ao controle finalístico da aplicação dos recursos recebidos. Argumentou, ainda, que essas entidades dedicam-se a atividades privadas de interesse coletivo, atuam em regime de colaboração com o poder público, possuem patrimônio e receitas próprias e têm prerrogativa de autogestão de seus recursos, inclusive na elaboração de orçamentos.
O relator destacou que as entidades do Sistema S não podem ser confundidas ou equiparadas com outras criadas a partir da Constituição de 1988, como a Associação das Pioneiras Sociais – responsável pela manutenção dos hospitais da Rede Sarah –, a Agência de Promoção de Exportações do Brasil e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Ele ressaltou que essas novas entidades foram criadas pelo poder Executivo e, além de não se destinarem à prestação de serviços sociais ou de formação profissional, são financiadas majoritariamente por dotação orçamentárias consignadas no Orçamento da União e estão obrigadas a gerir seus recursos de acordo com contrato de gestão com termos definidos pelo Executivo.
No entendimento do ministro, apesar de criado após a Constituição de 1988, a natureza das atividades desenvolvidas, a forma de financiamento e o regime de controle a que se sujeita o Sest permite enquadrar essa entidade no conceito original, serviço social autônomo, vinculado e financiado por um determinado segmento produtivo. Assinalou, ainda, que a jurisprudência do STF sempre fez a distinção entre os entes do serviço social autônomo e as entidades da administração pública e citou, entre outros precedentes, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1864, em que o Tribunal decidiu que a obrigação de obediência a procedimentos licitatórios pela administração pública não se estende às entidades privadas que atuam em colaboração com o Estado.
“Estabelecido que o Sest, assim como as demais entidades do Sistema S, tem natureza privada e não integra a administração pública, direta ou indireta, não se aplica a ele o inciso II do artigo 37 da Constituição”, concluiu o ministro."