A exploração sexual vista pela sociologia jurídica

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18/07/2017 às 04:18
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Este artigo tem por objetivo avaliar a exploração sexual ou sua facilitação, a partir do estudo de um caso concreto, na visão de diversos sociólogos renomados.

RESUMO: Este artigo tem por objetivo avaliar a exploração sexual ou sua facilitação, a partir do estudo de um caso concreto, na visão de alguns dos mais renomados sociólogos. Os sociólogos que embasarão as teses trazidas no decorrer deste trabalho são Rouland, Durkheim, Marx, Weber, Malinowski, Luhmann, Habermas, Beck, Foucault e Deleuze, à medida que suas teorias forem cabíveis ao caso. A visão de variados sociólogos propõe-se em razão de maior diversificação do tema.

Palavras-chave: caso, exploração, sexual, facilitação, sociólogos, teoria


I.            INTRODUÇÃO

O processo que será objeto de estudo, de número 0026884-38.2010.8.26.0577, foi julgado pelo Tribunal de Justiça do estado de São Paulo no foro de São José dos Campos pelo juiz Carlos Gutemberg de Santis Cunha. A ré é Nilde Aparecida Oliveira. Far-se-á um resumo da sentença e da pena estabelecida.

NILDE APARECIDA OLIVEIRA foi denunciada por manter, entre 2009 e 2010, casa em que ocorria exploração sexual.

Foi apurado que o estabelecimento era usado por três prostitutas, que pagavam duzentos reais por mês à acusada,com os quais ela mantinha a casa pagando água e luz e até uma funcionária.

No dia 26 de fevereiro de 2010, policiais civis foram ao local e surpreenderam uma das moças em trajes íntimos. Esperava um cliente que chegou logo em seguida.

No local foram encontrados vários objetos que remetiam à prática da prostituição, como remédios, vibradores, preservativos e roupas íntimas.

A acusada apresentou resposta à acusação. E a defesa pediu a absolvição por falta de provas.

Foram ouvidas cinco testemunhas de acusação e uma de defesa.

A ação procedeu.

Segundo a denúncia, a acusada mantinha, por conta própria, lugar destinado à exploração sexual, localizado na Rua José de Alencar, 266, Centro, na comarca do processo, sendo locatária do mesmo.

Aída Helena Marques Caetano, representante da imobiliária, afirmou que não havia nenhum tipo de sublocação no local. Assim,  acusada era, de fato, a possuidora direta do imóvel.

Também foi comprovado que o lugar era destinado à exploração sexual, tornando difícil crer que a acusada não sabia do que acontecia ali.

A acusada quando interrogada negou. Admitiu aluguel sem sublocação e disse que usava o local para guardar os pertences do restaurante que ficava ao lado.

Quanto à prática de exploração sexual, afirmou não ter conhecimento.

Quando interrogada pelo fato de uma moça em trajes íntimos ser surpreendida no local, disse que a moça estava lá enquanto resolvia alguns problemas com seu apartamento e que conheceu a moça por esta frequentar seu restaurante.

Em outras palavras, negou saber que ali se explorava o sexo e que mantinha o local.

A negativa, porém, não encontra apoio nas provas dos autos.

O inquérito policial já consta com depoimentos que atestavam a prática do sexo pago no local e os policiais civis Edimar da Silva Rufino e Rogério Eugênio da Silva, responsáveis pelas diligências, afirmaram ter feito campana no local para comprovação da prática ilícita.

No dia 26 de fevereiro de 2010 resolveram bater a porta e foram atendidos por Tatiana, que em trajes íntimos, pensou se tratar de clientes e ainda afirmou atender apenas um por vez.

Surpreendida por saber se tratar de policias, acabou franqueando a entrada. Foram apreendidos vários objetos como anúncio de prostituição, remédios, preservativos, dentre outros.

Pouco tempo depois ainda chegou o cliente que a moça esperava, Claudinei Ferro. Este afirmou ser casado e apenas ia conhecer a moça naquele dia.

Mas que homem casado vai apenas conhecer uma mulher, que estava a sua espera em trajes íntimos? Só alguém que procure por sexo pago, no local oferecido.

Tatiana ao ser interrogada tentou, com fracasso, defender a acusada. Devido às suas declarações pouco claras e contraditórias suas palavras foram pouco consideradas.

Não há dúvida que ela, junto de Graça e Glaucia, exploravam o sexo no dito imóvel e sob ciência da acusada, tanto que cada uma pagava duzentos reais, para que esta mantivesse o local, pagando água, luz e uma funcionária, Cida.

Não foi através da sentenciada que Tatiana, sob o pretexto de passar um tempo começou a exercer a prostituição naquele local, foi através de Graça, que pagava o aluguel diretamente à acusada.

Importante este friso, porque Nilde afirmou nem conhecer Graça.

Não é só.

Se Tatiana a pediu para ficar lá até resolver a questão do seu apartamento, por que não apresentou provas atestando isso? Porque isso não existe.

Luís Henrique da Cruz, única testemunha de defesa, em nada acrescentou, já que não trabalha mais para a acusada e, portanto, não sabe o que se passa.

Com os autos, a condenação da acusada mostra-se racional.

A sentenciada é primária.

Pena:

As circunstâncias do artigo 59 do Código Penal lhe são favoráveis. O dolo foi normal à espécie. Pena de dois anos de reclusão além da pecuniária de 10 (dez) dias - multa.

Foi estabelecido o regime aberto para o início do cumprimento da pena e autorizado o apelo em liberdade.

Por preenchidos os requisitos do artigo 44, incisos I, II e III, e parágrafo 2º, do Código Penal o juiz substitui a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: prestação de serviços, em entidade a ser determinada e prestação pecuniária em favor da APAE, no valor de cinco salários mínimos.

A partir da descrição do objeto de estudo vai-se analisar alguns aspectos de acordo com as teorias sociológicas dos estudiosos selecionados.


II.            “EXPLORAÇÃO SEXUAL” E A TEORIA DE NORBERT  ROULAND 

O autor frisa bastante a questão do direito das minorias, para ele a diferença cultural entre alguns grupos é recorrente e comum. Apesar dos homens serem vistos como unidade, também são heterogêneos. Por vezes, essa diferença torna certo grupo esquecido pelo direito tradicional. Assim, esses grupos passam a se utilizar de outras formas de direito, aquele intrínseco em cada cultura e não legislado.

Rouland, também, dá bastante atenção à questão da identidade:

Dois enfoques possíveis refletem o debate sobre a natureza da identidade: ou a identidade pode ser substancial e primordial, quando corresponde a um legado histórico de certos traços culturais objetivos que servem de referência obrigatória é a identidade tal como a vivem os militantes; ou a identidade pode ser instrumental e subjetiva, quando corresponde a reinterpretações do passado, às seleções de sequências cronológicas ocorridas na época presente em vista de objetivos futuros: é a identidade tal como a concebe a maioria dos cientistas. (Rouland, 2004, p.19)

Observando o caso jurídico em análise com base na teoria de Rouland, é atestada a diferença cultural existente entre as prostitutas e o restante da sociedade, pois o que para elas é um trabalho, para outros é uma atitude vergonhosa. A prostituição constituía, neste caso, sua forma de sobrevivência, já que o direito convencional não lhes assegurou isso. Frisando as prostitutas, não a ré Nilde Oliveira.

A natureza da identidade dessas prostitutas pode ser substancial e primordial ou instrumental e subjetiva. Se levarmos em consideração que já nasceram neste meio, considera-se a primeira opção. Uma boa referência a respeito do assunto é o livro “Beira Rio, beira vida”, do autor Assis Brasil. Nele, as filhas das prostitutas já nascem “condenadas” a seguir os passos da mãe, pois a sociedade não permitiria um enquadramento diferente a esta pessoa. Por outro lado, se levarmos em consideração o objetivo pelos quais se submetiam a esse exercício, que seria o lucrativo, se enquadrariam na segunda natureza de identidade.


III.            DURKHEIM E SUA APLICABILIDADE AO CASO DE “EXPLORAÇÃO SEXUAL” 

Segundo sua teoria, os moldes capitalistas acarretaram mudanças drásticas na sociedade. A primeira dessas mudanças, e base de tudo, foi a divisão do trabalho, onde cada indivíduo tem sua especialização em alguma atividade. O trabalho de um complementa o do outro, porém são independentes.

Essa divisão e liberdade de um indivíduo em relação ao outro forçou a mudança da solidariedade mecânica (onde os indivíduos tinham crenças parecidas e eram dependentes) para uma solidariedade orgânica (onde cada um pode ser como quiser, não infringindo a lei).

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Considerando essas proposições a partir do caso-exemplo, a divisão do trabalho seria a divisão entre as prostitutas e a ré, que era a facilitadora da prostituição. As primeiras trabalhavam e pagavam uma quantia para a segunda, que mantinha a casa utilizada como ambiente de trabalho. Assim, torna-se perceptível como as funções se complementam.

Essa prática só foi possível por certo tempo pelo fato da sociedade atual ser com base na solidariedade orgânica, onde cada um faz o que acha melhor para si. Porém, a partir do momento que causou um dano à sociedade o direito legal puniu a acusada.


 IV.            O MATERIALISMO DE MARX REFLETIDO NO CASO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL 

Para Marx, que considera o capitalismo o motor do mundo, a divisão do trabalho era essencial. O proletariado, que tinha seu trabalho explorado, e os donos dos meios de produção eram as classes sociais. Toda a sociedade passou a ser assim dividida e seus impasses e revoltas eram tidos como brigas de classe.

Assim, o Direito mudaria conforme essas condições de existência se transformavam. Novas normas eram criadas e outras modificadas para se enquadrarem às novas formas de produzir dos indivíduos.

No caso estudado podemos perceber, também, essa divisão de trabalho. As prostitutas seriam equivalentes ao proletariado, usando seus corpos como força de trabalho e a acusada como a dona dos meios que proporcionavam esse trabalho, no caso, o local usado para as práticas.

Segundo Marx, o Direito deveria mudar de acordo com as formas diferentes de produzir e isso não é observado no exemplo já que a ré foi declarada culpada. Percebemos, assim, a fragilidade dessa visão marxista do Direito.


 V.            AS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO DE WEBER NO CASO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL 

Para o autor, a dominação é resultado de uma relação social de poder desigual, onde um lado comanda (domina) e outro obedece. Em todos os lugares onde as pessoas se baseiam por regras e hierarquia haverá relações de dominação. Essa se dá por formas diferentes e objetivando interesses também diferentes, de acordo com cada caso.

No caso jurídico em estudo podemos observar uma relação de dominação: a acusada Nilde Oliveira exercia certa relação de dominação sobre as prostitutas, que tinham o dever de pagar um valor mensal para utilizar sua casa de prostituição.

Weber critica, também, o formalismo, já que este é muitas vezes irracional. Para ele, existem alguns formalismos no Direito que são dispensáveis, já que são meramente estéticos. A sentença do nosso caso-exemplo é repleta desses formalismos estéticos.


VI.            REFLEXOS DA LEI PRIMITIVA DE MALINOWSKI 

Na lei primitiva, a obrigação não se dava como atualmente, era advinda da reciprocidade. O primitivo cumpria suas obrigações em troca de algo, que poderia ser mesmo o reconhecimento da tribo, ser visto como fiel ás suas obrigações, ou algum outro bem. A punição existia para não permitir que alguém não cumprisse suas obrigações e saísse ileso. Um exemplo de punição seria perder a credibilidade.

A lei tinha um caráter elástico, não era avaliado apenas o caso, mas quem fez, por qual motivo, quais foram as intenções. Assim, cada caso era diferente e avaliado como tal. Para Malinowski, essa individualização de cada caso era de extrema importância, pois evitava os disparates de julgar todos por apenas um, de criar uma norma geral que valha para todos os casos.

Analisando o caso pesquisado a partir dessas proposições é possível obrservar uma relação que tinha por base a reciprocidade: as prostitutas pagavam um valor à acusada, que em troca mantinha seu ambiente de trabalho. A punição, diferentemente das tribos primitivas, veio por parte do Estado e não por parte das envolvidas.

Segundo Malinowski dever-se-ia avaliar o caso em minúcias e não aplicar uma norma geral. Porém, isso se torna impossível graças ao grande volume de processos no país e, assim, a pena foi estipulada de acordo com a lei vigente que trata do agenciamento de prostituição.


VII.            A TEORIA DE LUHMANN APLICADA AO CASO DE EXPLORAÇÃO SEXUAL 

Luhmann baseia sua teoria na relação ambiente-sistema. O ambiente é o sistema predecessor de outro sistema. Esses sistemas são complexos e contingentes, segundo ele. Essa complexidade se refere às relações sempre crescentes entre os indivíduos. Já a contingência faz referência às inúmeras possibilidades de resolver um mesmo problema.

Esses sistemas podem se diferenciar por duas maneiras: a diferenciação segmentária e a funcional. Na primeira, são formados subsistemas semelhantes ou iguais. Por exemplo, quando um filho sai do núcleo de sua família para gerar outra. Já na diferenciação funcional surgem núcleos distintos e com funções específicas. Quão maior é essa diferenciação, maior é o número de possibilidades (contingência) e quanto mais contingente, mais complexa.

No caso apresentado, tem-se um sistema complexo, com inúmeras relações entre a ré, Nilde, e as prostitutas ou mesmo entre as prostitutas.

A diferenciação não é segmentária, mas sim, funcional. As prostitutas tem suas funções e a agenciadora tem as delas. Essas funções, coordenadamente, mantiveram, por cerca de um ano, a casa em funcionamento.

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