História e humanização das penas no Direito brasileiro à luz das Leis nº 9099/95 e nº 9.714/98

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Examina-se a humanização das penas, ao longo dos tempos, em especial no Direito Brasileiro, visto que as penas desde os tempos mais remotos da história da Humanidade, eram de uma crueldade incalculável.

Introdução

                   A gênese das penas[1] é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a História da Humanidade. Por isso é muito difícil situá-la em suas origens. Quem quer que se proponha a aprofundar-se na História da pena corre o risco de equivocar-se a cada passo.

                   Segundo o ilustre mestre Leonardo Sicca,[2] as penas encontram-se nas mais remotas e incipientes formas de sociedades organizadas e arranjamentos estatais.

                   Têm-se notícias de que as primeiras manifestações da pena remontam ao período Paleolítico, quando embora houvesse apenas um rudimentar traço de organização social, havia a distinção entre ações permitidas e ou aceitas e ações proibidas e a previsão da punição. No Neolítico, já se vislumbrava estrutura comunitária similar a uma Justiça Criminal, manifesta na reação punitiva, organizada grupalmente, no sentido de reprimir as condutas desviadas.

                   As penas tiveram como finalidade precípua na história da humanidade regular a vida em sociedade, vez que os seres humanos não tinham a mínima sociabilidade, então ela era o meio e condição essencial para socializá-lo.

                   Mas por não existir um Direito sistematizado, ou seja, códigos formais, nessa época as práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por princípios familiares e revelações sagradas e divinas. 

                   Esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções rigorosas e repressoras, permitiu que os sacerdotes-legisladores fossem os primeiros intérpretes e executores das leis. Então para aplacar a ira dos deuses, aos sacerdotes era atribuído o poder-dever de castigar. A pena era, portanto, expiação religiosa, e o direito nada mais que um dos aspectos da religião.

                   Sendo assim, o homem pela sua selvageria e ignorância aplicava meios crueis e desumanos para regular essa obediência. Sabe-se que os meios utilizados eram através de vinganças, que se dividiam em: privada, de sangue, divina e pública. 

                   A vingança privada consistia no direito do próprio homem fazer justiça, era de forma ilimitada e demasiada, sem nenhuma proporção. Muitas vezes a ação era tão violenta e excessiva que a ofensa a um indivíduo passava a ser relativo à comunidade que ele pertencia, caso em que travavam lutas e guerras sangrentas em que dizimavam uma das tribos.

                   A vingança divina funcionava como uma norma primitiva de comportamento, que na ofensa à qualquer divindade o infrator era sacrificado para aplacar a ira dos deuses.

                   A vingança do sangue, por sua vez, tinha por fundamento apenas a mitigação da dor da vítima ou da revolta coletiva, suscitada pela prática do ato reprovável, situando-se na esfera privada, diferente da vingança divina que tinha por escopo aplacar tão só a ira dos deuses.  

                   A vingança pública consistia na punição sacral e expiatória feita pelo Estado, visto que os particulares entregaram o seu poder de punir, tentando refrear a violência desmedida e, acima de tudo, racionalizar os ímpetos naturais de vingança do ser humano. 

                   Com o passar dos tempos e com o surgimento das sociedades politicamente organizadas, surge o Direito sistematizado, que legalizou a aplicação das penas, para proteger os interesses comuns.

                   Têm-se notícia que o direito sistematizado ocorreu com o surgimento das primeiras leis escritas, pelos sumérios, na antiga Mesopotâmia, lugar onde nasceu quase tudo que consideramos “civilizados”. [3]

                   A mestra e doutora em história do direito, Flávia Lages,[4] afirma que o corpo de leis mais antigo que se conhece é o de Ur-Nammu fundador da terceira dinastia Ur (2111-2094 a.C.), o de Urukagina e Lipit-Ishtar (1875-1865 a.C.)

                   O chamado Código de Hammurabi (1728-1688 a.C.), [5] na verdade foi uma consolidação das leis escritas, pelos reis Ur-Nammu, Lipit - Ishtar e Urukagina. Além disso, o Código Hammurabi não é o documento legal reformador mais antigo, como acreditam ser.

                   As consolidações feitas pelo Monarca Hammurab ficaram famosas por preconizar o princípio da pena do talião[6], sintetizado na expressão “olho por olho, dente por dente”, e pelo qual se aplicava ao faltoso um castigo rigorosamente proporcional ao dano que causou. Sendo, por isso, considerada como o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando de certa forma, a primeira tentativa de humanização das sanções penais. 

                   Contudo, a pena de talião foi mitigada no iluminismo, uma vez que provocava grandes deformações na sociedade, tendo em vista a perda de membros, sentidos ou funções que ela causava.

                   Então, na Idade Média a pena ainda com seu caráter sacral juntou-se com a pena privativa de liberdade, tortura, galés, trabalhos forçados, banimento, confisco e muitas outras.

                   Já na Baixa Idade Média, com o surgimento do capitalismo e do mercantilismo, criaram as penas de composição, sistema através do qual o infrator comprava sua liberdade, livrando-se do castigo. A composição foi largamente aceita na sua época. E foi considerada como antecedentes da moderna reparação de danos prevista no nosso Direito Civil e das penas pecuniárias no Direito Penal.

                   Na Idade Moderna e juntamente com todas as novas ideologias advindas do iluminismo, e com obras preconizadas de idéias liberais e humanizadoras como a de Beccaria, Benthan, Rosseau, Hobbes, Locke, Montesquieu, Voltaire e outros, a pena assumiu um fim utilitário, abandonando a fundamentação teológica e o Estado (Leviatã) passou a ser o detentor do direito de punir.

                   Por fim, veremos que nos dias hodiernos, com o surgimento da nova defesa social, fundada no princípio da humanidade, as penas cruéis foram abolidas e que as penas permitidas em nosso ordenamento jurídico são: privativas de liberdade em última ratio; restritivas de direitos; e o novo modelo consensual de justiça, com a composição, transação penal e suspensão condicional do processo, que foram instituídos pela Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais Criminais.


Capítulo I- Das Penas Cruéis

                   Para o mestre Adel El Tasse,[7] a crueldade traduz a ideia de infligir à vítima desnecessário padecimento físico ou moral, pouco importando a extensão do dano. O fato é que no emprego do apenamento cruel há o abandono do sentimento de piedade.

                   Mas, com o advento da Revolução Francesa, com seu movimento reformador, foi o início da extinção da desumanidade no Direito Penal. Os iluministas e humanistas realizaram severas críticas, em relação aos excessos imperantes na legislação penal, propondo que o fim das penas não deviam consistir em atormentar a um ser sensível. Mas, que a mesma devia ser proporcional ao crime, todavia, levando em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinquente. Nesse aspectos, sábios são os dizeres de Beccaria[8]. Observe:

“Um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade das penas, mas  a infalibilidade delas,e, em consequência, a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável, a qual para ser uma virtude útil, deve vir acompanhada de uma legislação suave, a certeza de um castigo, ainda que moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo (...). Tudo o mais é supérfluo e, portanto, tirânico.”

                   Assim também pensava o ilustre filósofo iluminista e humanistas Montesquieu. Vejamos [9].:

“A severidade das penas convém melhor  ao governo despótico cujo princípio é o terror (...). Um bom legislador dedicar-se-á menos em punir os crimes que em prevení-los, aplicar-se-á mais em fortalecer os costumes que em infligir suplícios (...). A experiência tem feito notar que nos países em que as penas são mais brandas, o espírito do cidadão é atingido por elas, como também o é pelas leis severas.”     

                   Então esses postulados consagrados pelo iluminismo influenciou incisivamente as reformas nos sistemas punitivos em toda Europa, estendendo por diversos países, bem como no Brasil.

                   Em face disso surgiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1789, que reconhecia a dignidade humana, proibindo qualquer meio de tratamento desumano. Com efeito, em 10.12.1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas, seguindo os mesmos postulados,  proclamou, pela Resolução 217-A, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, à qual na mesma data, aderiu o Brasil. Ficando portanto,  estabelecido em seu art.V, que: “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.[10]

                   A luta pela inexistência de qualquer tipo de apenamento cruel passa a ser a bandeira de todo indivíduo, de todo órgão da sociedade, inclusive no Brasil que consagrou na Constituição da República Federativa do Brasil que não serão admissíveis as penas cruéis. O direito brasileiro passou a adotar os princípios da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988, adaptada ao pensamento moderno em matéria penal, expressamente excluiu em seu artigo 5º, inciso XLVII, as penas ditas: a) de morte,  salvo em caso de guerra declarada nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) trabalhos forçados; d) banimento; e) cruéis.[11]

                   Além disso, é previsto nosso no Código Penal de 1940, art.32 as espécies de penas permitidas, no  nosso ordenamento, quais sejam: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. E sobretudo,  existe uma legislação própria (Lei 9.455), de 07.04.1997, que não só reforça o comando constitucional da inadmissibilidade do apenamento  cruel, como também para apenar aqueles que, deixando de lado os comandos jurídicos, incidirem, ainda que na clandestinidade, a crueldade a pessoa humana.

                   Como se vê, a evolução dos povos não aceita a desmedida crueldade na execução dos comandos penais. Mas, é lamentável que mesmo havendo a vedação constitucional e existindo uma legislação própria, vedando aplicação e punindo aqueles que adotarem meios cruéis para punir, existe ainda nos dias hodiernos algumas práticas desumanas pelas autoridades.

1.1     Pena capital

                   A pena capital, segundo o jurista e filósofo Jeremy Benthan, [12] consiste na ausência absoluta de todos os bens; mas também é o fim de todos os males da vida. O citado jurista tem toda razão, visto que a pena de morte priva o indivíduo do seu bem maior que é a sua vida.

                   Essa modalidade de pena foi à sanção mais utilizada em tempos antigos, onde sua função primordial era da de materializar, ou melhor, externar a força do rei, tendo como finalidade a prevenção geral. A execução da pena de morte, precedia um grande espetáculo público que servia como uma demonstração aos demais súditos. Todo aquele aparato e a publicidade empregada na execução do condenado pretendiam coibir a prática criminosa, ou seja, intimidar mediante uma clara afirmação de poder e força.

                  

                   A pena capital variava em freqüência e em modos de execução nas diferentes sociedades. Tínhamos execuções com requintes de crueldade como o ferver em óleo, a fogueira, o suplício da roda, o afogamento, a empalação, estrangulamento, crucificação e muitos outros.                              

                       

                   Temos como exemplo de pena capital, seguida de vários suplícios, a condenação de Jesus de Nazaré (O Cristo), acusado de sedição e desobediência a Lei Mosaica.         Os suplícios que antecederam sua morte foram: Vergastação, que consiste em Chicotear, perfurações para ser crucificado, exposição pública, para servir de espetáculo, o carregamento da cruz, fome e sede.

      Sendo que, tais suplícios podem ser verificados na sua própria sentença aplicada por Pôncio Pilatos. Vejamos a cópia fiel da peça do processo de Jesus Cristo, transcrita pelo autor Augusto Cury, no seu livro A Análise da Inteligência de Cristo, e que segundo ele tal peça encontra-se no Museu da Espanha:

“No ano dezenove de TIBÉRIO CÉSAR, Imperador Romano de todo mundo. Monarca invencível na olimpíada cento e vinte... sob o regimento e governador da cidade de Jerusalém, Presidente Gratíssimo, PÔNCIO PILATOS. Regente na baixa Galiléia, HERODES ANTIPAS, pontífice sumo sacerdote, CAIFÁS, magnos do Templo, ALIS ALMAEL, ROBAS ACASEL, FRANCHINO CENTAURO. Cônsules romanos da cidade de Jerusalém, QUINTO CORNÉLIO SUBLIME E SIXTO RUSTO, no mês de março e dia XXV do ano presente.

- EU, PÔNCIO PILATOS, aqui presidente do Império Romano, dentro do palácio e arqui-residente julgo, condeno e sentencio à morte, Jesus, chamado pela plebe – CRISTO NAZARENO - e Galileu de nação homem sedicioso, contra a Lei Mosaica – contrário ao grande Imperador TIBÉRIO CÉSAR. Determino e ordeno por esta, que se lhe dê morte na cruz sendo pregado com cravos como todos os réus, porque congregando e ajuntando homens, ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos por toda Galiléia, dizendo-se filho de DEUS E REI DE ISRAEL, ameaçando com a ruína de Jerusalém e do Sacro Templo, negando os tributos a César, tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos e em triunfo, com grande parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém. Que seja ligado e açoitado, e que seja vestido de púrpura e coroado de alguns espinhos, com a própria cruz nos ombros, para que sirva de exemplo a todos os malfeitores e que juntamente com ele, sejam conduzidos dois ladrões homicidas; saindo logo pela porta sagrada, hoje ANTONIANA, e que se conduza JESUS ao Monte Público da justiça chamado de CALVÁRIO, onde, crucificado e morto, ficará seu corpo na cruz, como espetáculo para todos os malfeitores e que sobre a cruz se ponha, em diversas línguas, este titulo: JESUS NAZARENUS, REX JUDEORUN. Mando também, que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição se atreva, temerariamente, a impedir a justiça por mim mandada, administrada e executada com todo rigor, segundo os Decretos e Leis Romanas, sob pena de rebelião contra o Imperador Romano. Testemunhas da nossa sentença: Pelas doze tribos de Israel: RABAIM DANIEL, RABAIM JOAQUIM BANICAR, BANBASU, LARÉ PETUCULANI. Pelos fariseus: BULLIENIEL, SIMEÃO, RANOL, BABBINE, MANDOANI, BANCUR FOSSI. Pelo Império Romano: LUCIO EXTILO E AMACIO CHILCIO”.  [13]

E depois de Cristo, ou seja, no decorrer da era Cristã temos como exemplos de penas capitais com diversos suplícios a de seus apóstolos e demais seguidores, que eram apedrejados, chicoteados e açoitados até a morte.  

                       

                   A pena capital na Antigüidade como se sabe sempre se atrelou a um caráter religioso e vingativo, mas na Idade Média ela passou a ter um caráter extremamente religioso, com o liame Estado-religião.

                   A Igreja Católica usando de seu poder instituiu o Tribunal da Santa Inquisição como veremos a seguir.  Sendo que essa época ficou marcada como uma das maiores barbáries já praticadas contra a Humanidade, tudo para manter o Poder da Igreja e do Estado.

1.1.1   Pena capital e a santa inquisição

                   A pena capital também foi muito utilizada em razão de crimes religiosos, como nos casos de heresias, até meados dos séculos XVII e XVIII. Sendo que, a inquisição foi instituída na Europa por volta dos séculos XII e XIII, ano de (1229 – 1230), pelo Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233 através da bulas "Licet ad capiendos", era dirigida aos dominicanos inquisidores. Em 1252 o Papa Inocêncio IV editou a bula “ad extirpanda”, a qual institucionalizou o Tribunal do Santo Ofício, autorizando o uso da tortura.      

                   Temos como exemplo de pena religiosa a condenação da Santa Joana D’arc. (1412 – 1431), na fogueira.  Sendo a mesma beatificada pela Igreja Católica em 1909, pelo Papa São Pio X, e canonizada por Bento XV em 1920[14]. 

                   Outros exemplos marcantes foram às condenações pelo Tribunal da inquisição, dos filósofos e astrônomos Giordano Filippo Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642). Giordano foi queimado por ordem do Papa Clemente VIII, por acreditar na reencarnação, apoiar a convivência de todas as religiões pacificamente, e a liberdade de religião.  Galileu foi queimado, pelas suas descobertas de que a Terra movia-se em torno do Sol, e que o Sol é o centro do mundo e imóvel. [15]

                   A par disso, cabe lembrar que apesar de a inquisição já existir na Europa desde o século XII, em Portugal o Tribunal do Santo Ofício só se instalou por volta do século XV e XVI, com aplicação em solo brasileiro.   

                   No Brasil o período compreendido entre o descobrimento em 1500 e a proclamação da independência em 1822, unissonamente chamados de período colonial, é o momento em que tem início à história do Direito penal e noticias da inquisição no Brasil.                     

                   A primeira Ordenação a viger no Brasil foi as Afonsinas, editada em (1446-1447), nesta a pena de morte eclesiástica era prevista largamente, pois o Direito Canônico já exercia forte influência no Direito Português. As Ordenações Manuelinas (1521), por sua vez não chegou a viger no Brasil. Já as Ordenações Filipinas (1603), vigeu no Brasil, e a pena de morte por heresias, também era profusa, e em diversas modalidades, muitas vezes precedida de vários tormentos.[16]

                   O Brasil não chegou a conhecer a institucionalização definitiva da inquisição em seu solo, contando apenas com uma estrutura burocrática permanente a serviço do Santo Ofício Português.

                   A pena de morte eclesiástica no Brasil colônia, era aplicada pelos Tribunais de Santo Ofício que atuava, precisamente em Lisboa, Coimbra e em Évora, uma vez que esses Tribunais eram competentes para julgar os hereges portugueses, e também os brasileiros, onde havia grande número de cristão-novos.

                   A atuação da inquisição no Brasil se deu por meio de visitas e missões específicas, desempenhadas por funcionários do Santo oficio de Portugal, As razões da não-instalação de um Tribunal permanente no Brasil são desconhecidas, mas o fato é que não deixou de marcar sua atuação em solo brasileiro.            

1.1.2   Abolição da pena capital e da santa inquisição

                   A pena de morte a partir do século XVII e XVIII, deixou de ser infligida em razões de crimes religiosos, como acontecia freqüentemente, passando a ser imposta principalmente nos crimes contra propriedade e muitas delas por crimes triviais, era o fervilhar da “Revolução Industrial” numa época de padrões em rápida mudança em que os proprietários exigiam penas severas como meio de proteção.

                   Com efeito, a pena capital no Brasil, por crimes religiosos foi afastada pela primeira vez na Constituição de 1824, outorgada por D.Pedro I, visto que com a Revolução Francesa, ocorreu a liberdade de religião, portanto não era mais possível para um rei basear-se na teoria do direito divino. Era preciso identificar o governo com uma monarquia constitucional e assim o fez na Constituição de 1824 no seu art.179, § 25. “Ficam abolidas as corporações de ofícios, seus juizes, escrivães e mestres”. [17]

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                   Segundo os mestres Sérgio Schecaira e Alceu Corrêa Junior, [18] a pena de morte para outros crimes não foi afastada da Constituição de 1824. O silêncio quanto a sua aplicação pode ser confirmada no próprio artigo 179, § 19. Veja: “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente”. [19]

                                O Código Penal de 1830, por sua vez previa a pena de morte no artigo 38, dispondo da seguinte forma: “A pena de morte será dada na forca”.  [20]

                   Têm-se notícias de que, a última ocorrência de aplicação da pena capital no Brasil, foi à execução do fazendeiro Manuel Mota Coqueiro, no Município de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, em 1885, por ter sido acusado de ter chacinado em 1852, em sua estância em Macabu, o colono Francisco Benedito e toda a sua família.

                   Embora, Moto Coqueiro tenha alegado inocência, O Imperador Dom Pedro II, negou-lhe a graça, para comutar-lhe a pena de morte em prisão perpétua, a sentença foi executada na forca em 1885. Posteriormente, mediante uma confissão no leito de morte, do mestiço de nome Herculano, ao seu filho de que era o autor do crime juntamente com outro escravo, a mando da esposa de Moto Coqueiro, vez que esta sentia ciúme exagerado da filha do colono Francisco Benedito. [21]                  

                   Tal confissão gerou um clima de remorso na sociedade que tanto repudiaram Mota Coqueiro. E Dom Pedro II, ao ficar sabendo do erro irreparável, ficou indignado e muito abalado. Então a partir daí em diante passou a conceder clemência a todos os condenados à forca, comutando a pena capital em galés perpétuas.

                   Obstante isto, o Código Penal editado em 1890, não adotou a pena capital, como podemos ver através do seu elenco de penas no art.43, que previa as seguintes penas: a) prisão celular; b) reclusão; c) prisão com trabalho obrigatório; d) prisão disciplinar; e) banimento; f) interdição; g) suspensão de emprego público e perda de emprego público; h) pena de multa. [22]

                           A pena capital foi vedada na Constituição de 1891, para diversos crimes, exceto em casos de guerras, sendo que tal disposição verifica-se no art.172, § 21, que dizia: “Fica igualmente abolida a pena de morte, reservada as disposições da legislação militar em tempo de guerra”. [23]

                   E assim também procederam as Constituições de 1934 (art.113, § 29); a de 1946 (art.141, § 31); a de 1967 (art.150, §11) e a de 1969 (art.153, § 11). Cabe lembrar aqui que em 1969 no auge do autoritarismo da ditadura militar, a EC nº. 01/69, estabeleceu a possibilidade da incidência da pena capital; bem como o decreto lei n. 898/69, que estabeleceu pena de morte para os crimes contra a Segurança Nacional. Após isso, a EC nº. 11/78, aboliu a pena de morte, restringido sua incidência somente nos casos de guerra.

                   Notadamente, a Constituição de 1937, previu largamente a aplicação da pena de morte em seu art. 122, nº. 13. E, além disso, Getúlio acrescentou o rol de crimes que deveriam aplicar à pena de morte, através da Lei Institucional nº.1, de 16 de maio de 1938 que incluía além dos constitucionalmente indicados muitos outros. Senão vejamos:

“Art.122. §13. (...). Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte, para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para exprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra; d) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição; e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; f) o homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade”.  [24]

                   Ademais, o nosso Código Penal de 1940, não previu a pena de morte, ao contrário da Constituição vigente à época, que previa largamente. As penas previstas no referido Código eram as seguintes: a) reclusão; b) detenção; c) multa; d) acessórias; e) perda da função pública, eletiva ou de nomeação; f) interdições de direitos; g) publicação da sentença.

                         Hoje, a nossa Constituição Federal de1988, proíbe de forma expressa a pena capital no seu artigo 5º, XLVII, que diz: “Não Haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX”. A exceção constitucional em comento diz respeito, tão-somente à guerra declarada, contra outro Estado soberano, não engloba a guerra não declarada, o estado de preparação para a guerra, ou mesmo a guerra civil, onde inexiste formal declaração.[25]

                   Sendo assim, o nosso Código Penal Militar Decreto Lei nº. 1001/69, prevê a pena de morte nos casos de guerra declarada. Da seguinte forma:

“Art.55. As penas principais são: a) Morte.

Art.56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

Art.57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada depois de sete dias após a comunicação. Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militar”. [26]

                   Como ficou demonstrado, a pena de morte é considerada como pena principal, ou seja, pode ser substituída por outra, e a sua forma de execução se dá pelo fuzilamento, isto é, através de arma de fogo; após o prazo de sete dias da comunicação ao Presidente da República, do trânsito em julgado da decisão condenatória para que este, se quiser, conceda o direito da graça ou indulto ao condenado.

                   A pena Capital, mesmo diante de tanta crítica, resta ainda presente em alguns países democráticos e não-democráticos. Mas, todavia sofrem pesadas críticas dos grupos de direitos humanos da comunidade internacional.

                   Temos Portanto, alguns países que aboliram a pena de morte, para todos os crimes, bem como: Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Timor Leste, França, Alemanha, São Tomé e Príncipe.

                   Por outro lado, temos aqueles que não aboliram a pena capital nem mesmo para crimes comuns. Mas, existem alguns que mesmo tendo a pena de morte legalizada não aplicam, quais sejam: Benin, Argélia, Burkina, Congo, Madagascar, Marrocos Mauritânia Negar Birmânia Rússia, República Centro-Africana, Quênia, Suriname, Papua, Nova Guiné e Peru.

                   Sendo que os países que possuem a pena de morte legalizada e que aplicam são: Afeganistão, Burundi, Egito, Arábia Saudita, Camarões, Etiópia, Bangladesh, Cazaquistão, Belarus, Cingapura, Botsuana, Gâmbia, Guatemala, Gana, Guiana, Leme, Índia, Indonésia, Irã, Libéria, Kuwait, Jordânia, Iraque Japão, Líbia, Malai, Mongólia, Nigéria, Omã, Paquistão, Turcomenia, Tadjiquistão, Tungo, Tanzânia, Tailândia, Síria, Ruanda, Vietnã, Uzbequistão, Uganda, Somália, China (exceto Hong-Kong), Sudão, Zimbábue, Estados Unidos (alguns estados), Suazilânia, Emirados Árabes Unidos, Zâmbia e Zaire. [27]

                   Por fim, a pena de morte é uma sanção que a sociedade moderna ainda luta para que ela desapareça, pois somente quando ocorrer sua abolição em todo o mundo, é que poderemos dizer que realmente progredimos, e que somos realmente civilizados, que o amor e a paz  está entre os povos.  

                   Porquanto, pode-se dizer que a moral dos fariseus ainda reina sobre o mundo.  Pois assim disse Jesus Cristo[28]:

“Enquanto uma gota de sangue humano corre sobre a Terra pela mãos dos homens, o verdadeiro reino de Deus não terá ainda chegado, este reino de pacificação e de amor que deve banir para todo o sempre do vosso globo a animosidade, a discórdia e a guerra. Então a palavra duelo não existirá mais em vossa língua senão como uma longígua e vaga lembrança de um passado que se foi; os homens não conhecerão entre eles outros antagonismos senão a nobre rivalidade do bem (ADOLFHO, bispo de Argel, Marmande, 1861)”.

1.2       Pena de tortura e a santa inquisição

                   A convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes, aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, aos 10 de dezembro de 1984, define a tortura da seguinte forma:

“Qualquer ato através do qual se inflige intencionalmente dor ou sofrimentos severos, seja fisico ou mental, sobre uma pessoa com propósitos tais como obter dela ou de uma terceira pessoa informação ou uma confissão, punindo-a por um ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou é suspeita de ter cometido, ou intimidando ou constrangendo a pessoa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer razão baseada em qualquer forma de descriminação, sentimento ou aprovação de uma autoridade pública ou outra pessoa agindo em uma capacidade oficial.”[29]                     

                   A história da pena de tortura pode ser divida, em três fases: a primeira é a das atrocidades tribais da dita babárie pré-clássica, que funcionava como ritual de inciação à vida adulta e à religião ou de vingança contra os inimigos capturados; a segunda é a tortura institucionalizada com a santa inquisição, para investigação de crimes de heresias; a terceira é a tortura, quase sempre clandestina, das Repúblicas e das Ditaduras contemporâneas.    

                   A pena de tortura, de acordo com o mestre Eduardo Bittar,[30] está muito atrelada à idéia de produção de provas, pois a rigor, trata-se de um instrumento inquisitivo para a obtenção da confissão, de uso autorizado desde a bula de Inocêncio IV, Ad extirpandia, datada de 1252. Após sua autorização, desenvolve-se, além de uma tecnologia específica, uma ampla cultura da tortura, e ela se torna um instrumento importante e presente em muitos dos processos inquisitoriais.           

                   Desso modo, durante o período medieval europeu as ordálias e as provas de fogo foram métodos e técnicas desenvolvidas para colocar à prova a capacidadade do acusado ou do réu de resistir a sofrimento físico que o habilitavam à remissão de seus pecados e expiações perante Deus. Sendo que aquele que resistisse às provas era considerado isento de culpa, pois a própria divindade o haveria ungido pela proteção celestial.

                   Todavia, não se trata de um meio de prova, mas de uma forma de se obterem provas, pois, mesmo que o depoimento do acusado fosse de inocência, ou de negação de autoria, ou da ocorrência, a tortura entrava no procedimento como meio de chamar o acusado à consciência de si.

                    Contudo, não havia regra para se saber quando se aplicava a tortura e quando não se aplicava, basicamente, estava ao juízo da autoridade, determinar sua necessidade, ou mesmo de sua conveniência e oportunidade, sendo que assim era estabelecido no manual do inquisidor de Nicolau Emérico. Então vejamos:

 “ ‘O inquisidor e o bispo podem expor qualquer pessoa a interrogatório e torturas? Em casos afirmativos, em que condições? Eles podem torturar, em conformidade com as decretais de Clemente V (Concilio de Viene), sob a condição de que decidam isto juntos. Não existem regras muito claras para determinar em que situações se pode proceder à tortura.(...)’ “ . [31]

                   É importante salientar que a a tortura não foi tão somente utilizada pela igreja, uma vez que ainda na Idade Média, os Estados incorporaram a torturas como sistema  probatório e ou punitivo, para punir diversos crimes.  A pena de tortura teve também  uma importância fundamentalmente política, visto que o suplício, entra num sistema punitivo, em que o soberano, de maneira direta ou indireta, exige, resolve e manda executar os castigos, na medida em que ele se sentia atingido ou afrontado em sua soberania, assim era previsto nas constituições e  leis esparsas.

                   No Brasil temos como exemplo de pena tortura, seguida de morte,  com importância política, a execução de Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), no ano de 1792, que foi acusado pelo crime de lesa-majestade, por alta traição e rebelião, contra a Real Soberania. Tiradentes foi levado as ruas públicas, foi enforcado, esquartejado e teve seus bens confiscados e arrazados.[32]

                   A tortura por parte do governo em tempos mais modernos ocorreu de forma exacerbada no ano de 1937, no governo de Getúlio Vargas e no golpe de 1964 com os militares no poder.

1.2.1    Abolição da pena de tortura e  da  santa inquisição

               Com a superação do liame pena-religião consolidada em fins do século XVIII e inicio do XIX, as funestas cerimônias de punições são abandonadas, já que pouco a pouco a execução dos suplícios perdeu sua teatralidade, e tudo que tendesse ao tom de espetáculo passou a ser considerado negativo. [33]

                   Entretanto, a rejeição chegou a tal ponto que, mesmo quando os tribunais impunham a sentença, o clamor público impedia-lhes a execução. De acordo com o Mestre Eduardo Bittar,[34] o movimento para abolir a pena de tortura iniciou-se no século XVI, com filósofos e humanistas como: Montaigne, Benthan, Grevius, Van Espen, Montesquieu, Voltaire, Beccaria.

                   Sendo que, a primeira proibição legal da tortura, foi na suécia (1734); a última na suíça (cantão de Glarus, 1851). No Brasil as penas de torturas estiveram presentes nas Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas(1603). Em 1823, o Brasil já independente, revalidou, por meio da lei de 20 de outubro deste mesmo ano, as penas do Livro V das Ordenações Filipinas, incluindo as de tortura e muitas  outras, bem como: açoites, com ou sem baraço e pregão pela cidade ou vila e mutilação.

                   A Carta constitucional do Império, outorgada em 1824, estabelecia, particularmente em relação ao Direito Penal, diversas inovações de caráter eminentemente liberal, mas também de cunho humanístico, visto que aboliu diversas penas cruéis no seu art. 179, § 19, que assim rezava: “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”. [35]

                   O Código Criminal do império (1830), foi considerado um código inovador,  por ter eliminado por completo, a crueldade nas condenações. Mas bem se vê, que não foi tão inovador, visto que não suprimiu as penas de açoites, pois  ainda era aplicada  aos escravos, como se verifica no art.60, que assim dispunha:

“se o réo foi escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés será condenado a de açoutes, e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneria que o juiz o designar. O número de açoutes será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta.” [36]

      Contudo, o referido Código Criminal,  recebeu pesadas criticas, por prever tal pena, posto que, desrespeitava à Constituição de 1824, a qual bania, por completo, tal espécie de castigo.

                   Decididamente, o código Penal de 1890 não adotou a pena de tortura como sanção. E assim também manteve afastada a pena de tortura as  Constituições de 1891 e a  de 1934.

                   Em 1937 com surgimento do Estado Novo, tendo em vista o regime autoritário imposto por Getúlio Vargas à tortura foi novamente institucionalizada. Temos como exemplo do uso da tortura nesse cenário político, e de forma exacerbada pelas autoridades militares, quando do inquérito, julgamento e condenação dos irmãos naves.

                   O “drama dos irmãos Sebastião e Joaquim Naves”, moradores de Araguari, em Minas Gerais, que foram injustamente condenados por roubo e homicídio sem que o corpo e a quantia em dinheiro fossem sequer encontrados, ou seja, sem nenhuma prova concreta contra os dois.            

                   Mesmo assim, eles foram acusados, torturados e condenados pela Justiça. E só o tempo provou que eram inocentes, isto é, 15 anos de sofrimento. Este episódio é considerado um dos mais aterrorizantes erros judiciários do Brasil. [37]

                   Em 31 de dezembro de 1940, é promulgado o novo código penal, através do Dec.2848, de 07.12.1940, que entrou em vigor em 07.de dezembro de 1942, vigorando até os dias de hoje com algumas alterações sofridas em 07 de setembro de 1984, através da Lei 7.209/84, contudo, o referido código manteve afastada a pena de  tortura.

                   Em que pese, a Constituição de  1946, por sua vez não previa legalmente a pena de tortura, mas de fato era usada largamente. Os períodos compreendidos entre 1964, 1967, 1969 e 1985, foram maculados com o regime instaurado pelo golpe de Estado, que se estendeu até a abertura política em 1985. Nesses períodos as penas cruéis e todo o tipo de tortura  foram utilizadas demasiadamente.

                   Com efeito, a  Constituição Federal de 1988,[38] consagrou de forma incisiva a inadmissibilidade das penas cruéis e ainda criou uma Lei própria a (9.455/97) para punir os que utilizam essa prática como meios de confissão e  sanção.

                   Lamentavelmente, mesmo havendo a vedação constitucional e existindo uma legislação própria  para a punição daqueles que adotam, na clandestinidade, a tortura, muito raras têm sido as hipóteses de efetiva punição, uma vez que quem é torturado sente-se quase sempre intimidado para entregar os culpados, não tão-somente uma questão de falta de coragem, mas sobretudo de medo das represálias por parte dos torturadores ou de membros das organizações e corporações das quais estes úlltimos, normalmente fazem parte.

1.3       Pena de degredo social

                   O degredo social, para Beccaria consistia na infâmia, ou pública desaprovação que privava o réu de reconhecimento coletivo, da confiança da pátria e daquela quase fraternidade que a sociedade inspira.[39] 

                   A pena de degredo,  tinha a finalidade de impor vergonha e  humilhação, sendo assim foram castigos destinados a atingir o “status social” do apenado, algumas vezes temporariamente, outras permanente.

                   Têm-se notícias, que a pena de degredo foi utilizada,  entre o começo do século XVI e o fim do século XVII, sendo certo que eram aplicadas nos crimes menores como roubo, mendicância, rixa, embriaguez, furto, agitação, falsificação e blasfêmia, dentre outros.

                   O abandono das práticas de degradação ocorreu em virtude da sua inutilidade, pois quem sofria tal penalidade em nada se emendava, vez que não inibia o cometimento de novos crimes, ao contrário, já que os condenados a tais castigos não conseguiam um serviço ou emprego para voltarem à vida honesta, o que só lhes aumentavam a revolta e a propensão para a ociosidade e comentimento de novos delitos.

                   A degradação no Brasil, só foram previstas nas Ordenações Afonsinas (1146-1447), Manuelinas (1447-1521) e Filipinas (1521-1603), e no Código Criminal de 1830, no art.51. Portanto, as Constituições Brasileiras não adotaram essa modalidade de pena.  

1.4       Pena de Banimento

                   Para o mestre Sérgio Shecaira,[40] o banimento, consistia na expulsão de uma nacional de seu país, negava ao cidadão a possibilidade de conviver entre os seus e em sua terra de origem.

                   A pena de banimento teve sua origem na criação da humanidade, onde Deus expulsa Caim de seu grupo por ter matado Abel (Gênesis 1: 9). [41]

                   Na antigüidade, o banimento era utilizado largamente, e recebia nomes diversos de acordo com a civilização em que incidia. Assim  entre os gregos chamava-se “ostracismo”; em Roma o  chamavam de “exílio”. No Brasil, dividia-se em três categorias: o banimento propriamente dito, o degredo e o desterro, conforme previsão dos artigos 50, 51 e 52 do Código Criminal do Império de 1830.

                   O banimento, foi primeiramente legalizado na Inglaterra, em 1597 e se aplicava aos “velhacos”, vagabundos e falsos mendigos, posteriormente, a partir de 1671, este país passou a enviar condenados para suas colônias norte-americanas,  até a Revolução Americana e, em seguida para a Austrália.

                   Entretanto, os réus que escapavam à sentença de morte eram freqüentemente condenados ao degredo, que, em casos de infrações leves, eram apenas expulsados da comarca. Era comum, o exílio para as colônias que se constituía num recurso auxiliar para o povoamento e conquista de novos territórios. O degredo podia ser perdoado, em caso de guerra, se o condenado aceitasse lutar e o fizesse bravamente.

                   Outros países que utilizaram largamente o sistema do banimento foram Portugal, para suas colônias no Brasil e Angola; Rússia, para a Sibéria, Itália, para as Ilhas ao longo de sua Costa; França; Espanha. E muitos outros  países que  não tinham possessões, e que pudiam ser utlizadas como colônias penais também serviam da pena de exílio.

                   O exílio foi vedado no  Brasil, na Constituição de 1891 no seu art.172, § 20, que rezava: “ fica abolida a pena de galés e a de  banimento judicial”.[42] Contrariamente, o Código Penal de 1890 no art.43, previa  tal pena, nas Constituições de 1934, 1946 (aplicava de fato).

                   Notadamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, no seu art.9, poibiu expressamente a pena de exílio, Veja: “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”. E no seu art. 15, prevê ainda o direito de nacionalidade, nos seguintes termos: “§ 1º. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. “§ 2º. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.[43]

                   Mesmo com tal previsão, o Brasil no  regime militar, institucionalizou o banimento, através do  (AI-9), caso em que todo e qualquer opositor ao golpe de 1964 era considerado inimigo de Estado e passava a ser considerado criminoso, em suma quem era contra o regime militar era inimigo do Estado. Algumas personalidades políticas de destaque na vida nacional, foram exilados, quais sejam: Janio Quadros (ex-presidente 1954-1961), João Goulart (ex-presidente 1961-1964), Luiz Carlos Prestes e  Leonel Brizola. [44]

                   Em 1969, foi aprovado o Ato Institucional de n.14, que previa a pena de banimento para inibir as manifestações de esquerda, como por exemplo,  a  que envolveu o sequestro do embaixador norte-americano Elbrick, arquitetado e executado, pelo grupo de esquerda  com dúplice finalidade: chamar a atenção da população para o movimento de base, contrário ao poder dominante naquele tempo, e negociar a libertação de 15 (Quinze) presos políticos, que tinha sido mandados para o México. Contudo, a hipótese de banimento foi suprimida pela EC 11/78.

                   Hodiernamente, a nossa Constituição Federal de 1988 proibi a pena de banimento de forma expressa no artigo 5º, XLVI, alínea ”d”, por ser uma medida contraproducente, visto que não possui nenhuma preocupação com a regeneração do apenado. Além disso possui alguns incovenientes  para os países recepetores dos criminosos, tendo em vista o aumento em seus registros de delinqüentes, e por outro lado o banimento ataca o nacionalismo do apenado que, embora tenha cometido um fato delituosos, não abandonou, o seu sentimento  de amor pela Pátria-Mãe.

                   No Brasil, observe que, o Hino Nacional, em notas geniais do mais belo cântico realça o sentimento de amor do” filho” pela “Pátria-Mãe”. Vejamos :

“Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve! Brasil, de um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança (...). Terra adorada entre outras mil, és tu, Brasil, Ó Pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil! Deitado eternamente em berço esplêndido(...). Nossa vida em teio seio mais amores. Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve! Brasil, de amor eterno seja símbolo”.[45]

                   Como se vê tamanha era a crueldade dessa pena, uma vez que tirava o filho do seio da sua mãe amada, por ter cometido um delito. Mas felizmente essa pena não mais existe em nosso ordenamento, o que existe é a extradição, que não se confunde com o banimento, a primeira visa satisfazer o pedido de um país estrangeiro de transladação do indivíduo, enquanto a segunda impõe a saída de um condenado de seu país de origem.

1.5       Pena de tabalhos forçados

                   O filósofo Jeremy Benthan,[46] afirma que a pena de trabalhos forçados consistia na obrigação imposta ao réu de fazer uma coisa, ou muitas, para que tivesse repugnância. Este modo de punir era diferente de todos os demais por uma circunstância notável. O castigo não era dado pelos outros; o réu é que se castigava a si mesmo, era preciso o concurso da sua vontade; mas o que determinava esta vontade era uma pena maior, com que o ameaçavam.

                   Temos como registro marcante na história da humanidade, os trabalhos forçados do povo hebreu,[47] sob o jugo egípcio, até a libertação, por determinação divina, pela mãos de Moisés, o profeta do Sinai.  Outro exemplo são a dos Africanos (escravidão) e a dos índios, que sofreram no mundo inteiro, e a eles rendam-se justas homenagens, visto que  padeceram  da dor dos trabalhos forçados, sem perspectivas de vida, sem sonhos, sofrendo diariamente com os duros golpes do açoite no período escravagista, quando o trabalho forçado era a regra imposta à raça negra e aos índios.

                   No Brasil, a abolição dos trabalhos forçados, sofreu a influência da Revolução Francesa em 1789, que rezava em seu art. IV: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escarvidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.[48]

                   Sendo que esta declaração foi ratificada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Mas a probição se concretizou de forma incisiva no Brasil, com a promulgação da Lei Àurea, pela Princesa Isabel em 13 de Maio de 1888, que rezava no seu art.1º: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”.[49]       

                   Ademais, o nosso Código Penal Dec.2848/40, Parte Especial, artigo 149, caput, condena a prática de reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Vejamos:

“Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restrigindo, por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.” [50]

                   Com efeito, a primeira constituição a tratar do direito do Trabalho no Brasil foi a de 1934, e somente em 1943 por haver várias normas trabalhistas esparsas, Getúlio Vargas, resolveu consolidar as regras trabalhistas através do Dec. 5452 de 1º de maio de 1943.

                   Contudo, a Constituição de 1946 art.157, IV, VI, XII e  art.158, a de 1967, recepcionaram os direitos trabalhistas que foram estabelecidos nas anteriores. Ademais, EC nº1/69 repetiu o mesmos direitos, no art.165, e finalmente a Constituição de 1988, assegura os direitos trabalhistas nos artigos 7º a 11, Capítulo II Dos Direitos Sociais, do Titulo II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais.  

                   A luta para acabar com o trabalho desumano, refletiu incisivamente no trabalho do apenado, haja vista que o trabalho do condenado foi e é muito explorado nas prisões, mas no Brasil,  o trabalho do preso, tem previsão na nossa Constituição  de 1988 no art art.5º, inc. XLVII “c” e art.6º, caput, e ainda no nosso  Código Penal Brasileiro Dec. 2848/40 art.39 e 40, bem como na Lei de Execução Penal de nº 7210/84, alterada pela 10.792/03, nos seus arts. 28 a 41 e arts.126 a 130. É importante salientar que, no trabalho do preso dentro do presídio não se aplica as Leis trabalhistas, mas se o trabalho do preso for externo aplica-se a CLT.

                   Como se vê, a realidade atual não permite a  desumanidade do açoite e do cabresto sobre os  condenados, pois não tardaria e os presídios tornar-se-iam em senzalas, ou seja, em fábricas de mão-de-obras baratas.

                   O trabalho na prisão é indispensável, uma vez que o  isolamento completo enlouquece,  caso em que  o detento ocupando-se, são-lhe dados hábitos de ordem e de obediência; tornando-o diligente e ativo, de preguiçoso que era, com o tempo, ele encontra no movimento regular da casa nos trabalhos manuais a que foi submetido, um remédio certo contra os desvios de sua imaginação. Assim dizia Michael  Foucault:

“O trabalho devia ser a religião das prisões(...). Quando o homem possui apenas os braços como bens, só poderá viver do produto do seu trabalho, pelo exercício de uma profissão, ou do produto do roubo, ora se a prisão não obrigasse os malfeitores ao trabalho, ela reproduziria em sua própria instituição, essa vantagem de uns sobre o trabalho de outros.”[51] 

                   Destarte, nos dias hodiernos, não há que se falar em pena de trabalhos forçados para os delinqüentes, hoje o que existe é a pena de prestação de serviço a comunidade, prevista na Constituição Federal de 1988,  art.5º, LXVI, e no nosso Código Penal art.43, IV, sendo regulada pela Lei 9.714/98.  

                   Ademais, a pena de prestação de serviço a comunidade, não pode ser considerada de trabalho forçado, uma vez que possui um natureza substitutiva descacerizadora e humanitária, visando tão-só educá-los. Além do mais na pena privativa de liberdade, o trabalho também é obrigatório para o condenado, mas com uma diferença, afastado do meio social.

                   Enfim, podemos dizer que progredimos e muito no que tange ao reconhecimento do trabalho do apenado, tanto quanto aos seus meios e modos de execução. E sobretudo é elogiável a fórmula construída na Lei de Excuções Penais, Lei 7.210/84, segundo a qual, a cada três dias de trabalho, o apenado abate um dia de sua pena. Assim, o trabalho atua na mente do indivíduo, conduzindo-o à correção e passa esse a demonstrar interesse pela atividade laborativa, posto que será beneficiado, pois a cada dia de trabalho a realização de seus sonho de liberdade mais se aproxima.

 1.6      Pena de Caráter perpétuo

                   Francesco Carnelutti,[52] preceitua a pena perpétua de ergástulo, quer dizer, segundo ele, que dura por toda a vida do condenado.

                   De acordo com o autor supracitado, tal pena deve ser cumprida em casas de reclusão. E de acordo com ele essa pena suprime a esperança do condenado de sobreviver, vez que a sua única esperança está limitada ao campo exíguo da concessão da graça ou indulto.

                   A pena de privação  da sociedade e, sobretudo, das pessoas  e das coisas queridas, pode acarretar no condenado uma disposição de ânimo que, oportunamente cultivada, transforma a pena em penitência, conduzindo-o ao arrependimento .

                   Mas, o erro ou absurdo dessa penalidade está na continuidade, da segregação do condenado da sociedade, mesmo tendo o mesmo se arrependido e regenerado. Este absurdo se reduz à negação do valor penitencial da pena; a condenação ao ergástulo implica, com efeito, a exclusão de toda a possibilidade de redenção do réu, já que, quando ele está redimido a pena deve continuar. O erro não é idêntico mais análogo à pena de morte, esta impede o réu de se redimir; aquela não leva em conta sua redenção.

                   A pena perpétua, pode ser considerada, mais grave do que a pena de morte; sentimentalmente, visto que no lugar de “matar” “sepulta vivo”, a única diferença é que a pena de morte suprime a possibilidade de redenção; enquanto na pena perpétua existe a possibilidade de redenção, mas o réu continua preso. É isso que aumenta a injustiça nessa modalidade de pena, a impossibilidade de poder mostrar a sua cura, a sua regeneração.

                   Segundo Sérgio Shecaira,[53] a pena perpétua foi adotada primeiramente na Itália, e teve influência nos demais ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil.  Portanto, as  Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937,  previam essa modalidade de pena. Mas as Constituições de 1946, art.141 § 31 , e na de 1967, art. 150, § 11, e a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º XLVII, “b”, vedaram expressamente  a aplicação de qualquer pena com caráter perpétuo.

                   Ademais, o Brasil além das vedações constitucionais, assinou a Convenção Americana de Direito Humanos, que impede o Estado signatário de estabelecer essas espécies de penas aos condenados.

                   Tais vedações são lováveis, uma vez que a  pena de caráter perpétuo tem um aspecto negativo, isto é, seu fator criminógeno. Evidentemente, o indivíduo apenado com lapso temporal permanente sabe que nada que faça modificará o cunho da sanção a que foi submetido, atuando então, em contraposição à punição que lhe foi aplicada, que deixa de atuar na melhora da sociabilidade do apenado. Nesse sentido sábios são os dizeres do ilustre mestre  El Tasse. Vejamos:

“Imagine-se o condenado, em caráter perpétuo, ao cárcere. É possível afirmar que, sabedor de que sua condução de vida futura honesta, de acordo com os padrões sociais, nada modificará na pena que lhe foi imposta, estando fadado a perecer na cela, trará como única alternativa a fuga, posto que não existe outra possibilidade de retorno a sociedade. Todos os seus esforços serão, assim, para atingir a fuga do aprisionamento perpétuo que lhe foi imposto e, uma vez atingido tal objetivo, não podendo o foragido assumir emprego lícito e viver com normalidade, passa a existir na clandestinidade e a viver da prática delituosa, como única forma de garantia de sua subsistência”.[54]

                    O ordenamento jurídico penal brasileiro, prevê um prazo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade que não pode ser superior  a  30 (trinta ) anos, conforme disposição do  (art.75 do CPB).

                   Ressalte-se ainda que, a proibição constitucional diz respeito ao caráter perpétuo de qualquer pena, e não somente no que concerne a privação da liberdade.         

                   É importante registrar também que, uma vez aplicada a pena perpétua, pode o apenado cometer centenas de crimes, e nenhum acréscimo poderá ser estabelecido em sua punição, de maneira que há inevitável incentivo para reincidência do condenado, quer dentro do próprio sistema prisional, quer fora do mesmo quando logra êxito e suas tentativas de fuga e sempre há possibilidade do cometimento de outros delitos com absoluta tranqüilidade e certeza de impunibilidade, pois sequer em um dia sua pena poderá ser aumentada.

1.7       Pena de Galés

                   As penas de Galés, de acordo com o Mestre Sérgio Shecaira,[55] consistia em sujeitar o réu a andar com uma corrente nos pés, juntos ou separados, e a empregarem-se em trabalhos públicos à disposição do governo provinciano.

                   Para o douto jurista Cezar Bitencourt,[56] as penas de galés foram uma das mais duras modalidades de penas aplicadas no século XVI, e também uma das mais cruéis, visto que os condenados às penas graves e prisioneiros de guerra eram destinados como escravos ao serviço das galés militares, onde eram acorrentados a um banco e ficavam, sob ameaça de um chicote, sendo obrigado a remar...remar ...remar.                      

                   No Brasil essa modalidade de pena estava prevista nas ordenações do reino, sendo que a Constituição de 1824, no seu art. 179, § 19 rezava que: “desde já ficam abolidas (...) todas as mais penas cruéis”[57]. Mas tem-se notícias de que as galés naõ foram vedadas.

                   O Código Criminal de 1830, reduziu bastante as penas cruéis, mas também continuava grande o seu elenco de penas, incluindo como forma de execução as galés, no seu artigo 44, que preconizava: “a pena de Galés sujeitará os réos a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem nos trabalhos públicos da província onde  tiver sido cometido  o delicto, à disposição do governo”.[58] E o art.53 do mesmo Código, dispunha o seguinte: “ os condenados à Galés (...) ficarão privados do exercício do direitos políticos  de cidadão brasileiro, enquanto durarem os efeitos da condenação”. [59]

                   Conseguintemente, a Proclamação da República trouxe como corolário a edição do Código Penal de 1890, Decreto nº.774/1890, este por sua vez  aboliu as penas de galés. Sendo que a Constituição de 1891, assim também determinou, no seu artigo 72 § 20. Observe: “fica abolida a pena de galés (...).” [60] 

                   O Código Penal de 1940, vigente até os dias de hoje, também manteve afastada tal modalidade de pena, bem como as Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969,  e sobretudo a Constituição de 1988  no seu art.5º, inc. XLVII, “e”.

1.8       Penas Financeiras

            Para a doutíssima Franciele Cardoso[61] as penas financeiras consistiam em atingir o patrimônio do condenado, eram aplicadas sob a forma de confisco geral da propriedade ou ainda de multa.

                   De acordo com o mestre Cezar Bitencourt[62] a imposição da penas pecuniárias remonta à mais distante antiguidade, tendo seus primeiros registros na Bíblia sagrada e, mais precisamente, na Lei de Moisés (Êxodo, XXI e XXII; e Levítico, XXIV). Tais cominações na época revelavm um caráter eminentemente retributivo e indenizatório, tendo em vista que o ofendido podia exigir indenização por parte do agressor na medida do prejuízo causado, levando-se em conta a posição social da parte lesada e a medida da sua perda.

                   Era, portanto, uma tentativa de se restabelecer a situação de antes do cometimento do ato reprovável, pelo menos no aspecto material, ou seja, quanto aos bens que a vítima possuía. Contudo, uma das peculiaridades dessa penalidade é que a mesma era imposta  no juízo civel, e não no criminal, ainda que sua natureza fosse de pena, diferentemente do que ocorre hoje, uma vez que é aplicada no juízo criminal.

                   Têm-se notícias de que as penas financeiras também foram utilizadas, no século (27 a.C.), pelos Romanos, tanto no direito público e no direito privado.  Nessa época, a pena de multa, que consistia no  pagamento de uma soma em dinheiro, era aplicada frequentemente na hipótese de crimes comuns.[63]

                        De acordo com Franciele Cardoso,[64] o desenvolvimento das penas pecuniárias ocorreu no sentido de o rei também se beneficiar  com a imposição dessas sanções, uma vez que da quantia que outrora só favorecia a vítima, com o escopo de ressarcir os danos que lhe foram causados, passou a ser descontada uma parcela em favor da coroa ou ainda a imposição de um pagamento complementar pela participação do Estado no julgamento  e pela perturbação da paz.  Como bem salientou  Cesare Beccaria:

“Os delitos dos homens eram o patrimônio do príncipe (...). O objeto das penas era, pois, um litígio entre o fisco (o exator, o cobrador dessas penas) e o réu; era um negócio civil, contencioso, antes privado do que público, que dava ao fisco outros direitos além dos conferidos pela defesa pública e ao réu outras culpas além daquelas em que havia incorrido, dada a necessidade do exemplo. Logo, o juiz era um advogado do fisco, mais que um investigador da verdade, um agente do erário fiscal mais que um protetor e ministro das leis”.  [65]

                   Sendo que, a partir do século (12 a.C.), as exações do réu aumentaram consideravelmente, a ponto de superarem a quantia que beneficiava o ofendido e, com o passar do tempo, todas as prestações pecuniárias que tivessem a natureza de pena foram totalmente revertida para o Estado, perdendo assim seu caráter de indenização em favor da vítima na medida dos prejuízos por ela sofridos.

                   Contudo, as penas financeiras, de larga aplicação na Abtigüidade,  ressurgiu com grande intensidade na alta Idade Média e depois foi gradualmente sendo substituída por severos sistemas de penas corporais e capitais, as quais, por sua vez, cederam terreno, por volta do século XVII, às penas privativas de liberdade.

                   As penas financeiras ressurgiram, no século XIX, como consequência da luta contra as penas privativas de liberdade de curta duração. No ordenamento jurídico Brasileiro as penas de valores, como:  pena pecuniária, perda de bens e multa, estão previstas no art.5º, LXVI, da Constituição Federal de 1988, e no  Código Penal Brasileiro (art.43, I, II, e art.49), e são reguladas pela Lei 9.714/98.

                   Sendo que, a pena de multa e perda de bens e valores, são destinadas ao Estado,  e a chamada prestação pecuniária, é destinada à vítima, para reparar os danos causados em função do delito. No Brasil tais penalidades são reguladas pela Lei 9.714/98.

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Sobre a autora
Neudimair Vilela Miranda Carvalho

Advogada há 8 anos, especialista em Direito Civil, Trabalho e Previdenciário pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Exercendo as atividades de correspondente jurídico, consultoria Jurídica, atendimento ao cliente, elaboração e revisão de contratos, interposição de ações, requerimentos, pareceres, recursos, defesas, impugnações, audiências de conciliação de instrução, instrução de testemunhas, prepostos, perícias em geral, acompanhamento de processos judicias e administrativos em primeiro e segundo grau, diligências em geral em órgãos públicos, mediação, conciliação, homologação de acordos, reuniões sindicais, procedimentos administrativos junto ao MPT, DRT, INSS, Prefeitura e órgãos públicos em geral, orientação e acompanhamento de estagiários.

Informações sobre o texto

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