A responsabilidade civil pela perda de uma chance

09/08/2017 às 10:25
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O instituto da responsabilidade civil, que visa à reparação de danos injustos vivenciados nas relações sociais, presenta constante evolução, tal qual a sociedade. A título de exemplo, tem-se, como conseqüência da revolução industrial.

HISTÓRICO, FUNÇÃO E CONCEITO 

A convivência dos homens em sociedade tem como conseqüência natural o surgimento de conflitos, por vezes deixando um dos sujeitos desamparado em razão de eventual dano injusto que venha a sofrer. A necessidade de impor a reparação do prejuízo suportado pela vítima sempre foi sentida por todas as civilizações que nos precederam. Entretanto, inicialmente, a busca pela recomposição era realizada com vistas à punição do responsável, o que ocorria desde a consagração do talião. Especialmente com o surgimento da responsabilidade civil objetiva, após a revolução industrial, passou-se a abandonar-se o elemento subjetivo e moral da responsabilidade civil, antes voltada para a averiguação da culpa do ofensor em todas as situações.

Alvino Lima expõe claramente os motivos que contribuíram para tal evolução: Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornara, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica, do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência [...]. O fim por atingir é exterior, objetivo, de simples reparação e não interior e subjetivo, como na imposição da pena.

No direito contemporâneo, pode-se afirmar que o sistema da responsabilidade civil não possui mais, como fim primordial, a responsabilização de um culpado e a sua retaliação. Atualmente, o foco deste instituto é a tutela da vítima, buscando sempre que possível a reparação do dano injusto por ela suportado. Relativamente no direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana como basilar da República Federativa no art. 1º, inciso II, reforçou a transladação do foco do culpado para a vítima. Nesse sentido, aduz Maria Celina Bondin de Moraes ao analisar as conseqüências da constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil: o princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente, gerou, no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável.

Tal extensão, neste âmbito, desdobrou-se em dois efeitos principais: de um lado, no expressivo aumento das hipóteses de dano ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora tida como um dos aspectos nucleares do instituto. Além de estar norteado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, hodiernamente, no direito brasileiro, o sistema da responsabilidade civil orienta-se pelos princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, em conformidade com os preceitos constitucionais. De tal sorte que se pode atribuir um paradigma solidarista à responsabilidade civil, que tem como escopo não a punição de quem causou o dano, mas a reparação à vítima, na tentativa de retornar-se ao statu quo ante. Neste contexto, Savatier define o conceito de responsabilidade civil com clareza e precisão, nos seguintes termos: “é a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele dependam.”

1.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Para que ocorra a obrigação da reparação de danos, é necessária a presença de alguns requisitos, que determinarão a responsabilidade objetiva ou subjetiva do agente. O Código Civil Brasileiro de 2002, ao contrário do de 1916, consagrou a responsabilidade objetiva, até então regulamentada por meio de leis especiais. Todavia, subsiste a responsabilidade subjetiva, que terá aplicação sempre que não houver disposição legal expressa impondo a aplicação da teoria objetiva. O artigo 186, cumulado com o artigo 927 do CCB, prevêem a cláusula geral da responsabilidade com culpa. 

Por outro lado, cláusulas gerais de responsabilidade objetiva no CCB estão previstas no parágrafo único do art. 927, bem como nos artigos 187 e 931. Dos dispositivos supramencionados, inferem-se alguns pressupostos basilares da obrigação de reparação de danos. Sílvio Rodrigues apresenta como pressupostos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, a relação de causalidade e o danoSergio Cavalieri Filho entende que a responsabilidade civil requer a existência de uma conduta culposa, um nexo causal e um dano, dispensando o elemento culpa quando se tratar de responsabilidade objetiva.

De outra banda, Fernando Noronha identifica a existência de cinco pressupostos: fato antijurídico, nexo de imputação, dano, nexo de causalidade e lesão de bem protegido. A despeito da parcial divergência doutrinária acerca dos pressupostos da responsabilidade civil, podemos destacar como sendo essenciais à obrigação da reparação de danos os seguintes elementos: a conduta, comissiva ou omissiva, o dano, o nexo de causalidade e o nexo de imputação. Não consideramos a culpa do agente como um pressuposto genérico porquanto na responsabilidade civil objetiva este elemento é dispensável. Ela é, assim, considerada como um dos critérios incluídos no nexo de imputação, juntamente com a idéia de risco e a de garantia. Outrossim, a lesão de bem protegido é representada pelo próprio dano.

Por sua vez, o ato antijurídico é aferido na análise da conduta, que, para gerar a obrigação da reparação de danos, pode se apresentar por um ato ilícito como também por um ato lícito, como é o caso da responsabilidade civil decorrente de um dano causado pelo agente em estado de necessidade. Daí por que preferimos classificar tão-somente como conduta, a fim de não causar confusão com relação à necessidade da ilicitude. Conduta é o ato humano, comissivo ou omissivo, que para o direito adquire relevância quando dela surtirem efeitos jurídicos. Pode ela exteriorizar-se por um ato comissivo, isto é, a prática de um ato que, em princípio, não poderia ter se efetivado; ou omissivo, que consiste na inexecução de uma ação que deveria ter sido efetivada. Os atos comissivos são mais comuns na responsabilidade civil, porquanto, “fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer”.

Na conduta comissiva, tem-se uma ação positiva do agente que infringe algum bem jurídico tutelado, tais como o patrimônio alheio, a incolumidade física, a dignidade da pessoa humana, entre outros. Por sua vez, a responsabilização por atos omissivos exsurge quando o agente não realiza a conduta que dele se espera, decorrendo danos a outrem dessa sua omissão. Prevê o Código Civil, na combinação dos artigos 927 e 186, a responsabilização pela conduta omissiva. No entanto, carece este diploma legal de definição do que vem ser a conduta omissiva juridicamente relevante para os efeitos da responsabilização civil. Definição mais precisa é encontrada no Código Penal, onde a conduta omissiva nas situações determinadas é passível de responsabilização criminal. Os parâmetros definidos neste diploma legal são compatíveis com o pretendido no domínio da responsabilidade civil, podendo ser aqui aproveitados.

Dispõe o § 2º do art. 13 do Código Penal: [...] Relevância da omissão § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Destarte, a responsabilidade do ofensor decorre de determinação legal, contratual ou ainda da conduta anterior do omitente, que criou o risco da ocorrência do resultado. Dano é o prejuízo causado à vítima em razão da conduta comissiva ou omissiva praticada pelo ofensor. Trata-se de elemento imprescindível para que ocorra a obrigação de indenizar, porquanto o objetivo da responsabilidade civil é justamente a sua reparação. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010.p. 24 14 BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasilia, DF. Disponível em:  Acesso em: 10.05.2010.

Com efeito, sem dano não há responsabilidade civil, ainda que se tenha verificado um comportamento contrário ao direito. A indenização, se ausente um prejuízo, implicaria em locupletamento indevido àquele que a recebesse. O dano pode ser patrimonial, causando prejuízos à vítima de cunho econômico, ou extrapatrimonial, que consiste em uma lesão experimentada pela vítima de interesse não suscetível de valor econômico, em contraposição àquele. Concernente ao primeiro, o gravame suportado pela vítima pode ser caracterizado por uma perda imediata no seu patrimônio, que constituem os danos emergentes, como também por aquilo que ele deixou de auferir, os denominados lucros cessantes. Os danos emergentes representam a efetiva diminuição dos bens da vítima à época do evento danoso, ao passo que os lucros cessantes caracterizam-se pela expectativa de um ganho futuro, considerando um prosseguimento normal de suas atividades, sem a interferência de fatores aleatórios.

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De outra banda, a possibilidade de concessão de indenização pelos danos extrapatrimoniais – notoriamente pelos morais - já fora negada pela doutrina e pela jurisprudência. Somente o prejuízo estimável economicamente poderia ser objeto de reparação, sob a ótica de que o abalo sofrido é inestimável, não podendo ser substituído por uma reparação pecuniária. A possibilidade de se indenizar os danos extrapatrimoniais pacificou-se na doutrina e na jurisprudência, pois se verificou que, em verdade, ao quantificar-se o montante de uma indenização por tais danos, não se está a reparar o prejuízo, mas a compensá-lo, de forma a amenizar o abalo sofrido. A Constituição Federal de 1988, dirimindo quaisquer dúvidas ainda remanescentes acerca da admissibilidade dos danos extrapatrimoniais em nosso ordenamento jurídico, consagrou o direito à indenização por dano moral como sendo um direito fundamental das pessoas, inserindo-o no rol do art. 5º, nos incisos V e X.

Posteriormente, o Código Civil de 15Sérgio Severo, ao definir dano extrapatrimonial como sendo “a lesão de interesse sem expressão econômica”, ressalta que não se justifica a busca de uma definição substancial, “uma vez que tal concepção constituir-se-ia numa limitação desnecessária ao instituto”. (SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 43.). De maneira exemplificativa: Lacerda de Almeida, Obrigações; Lafayette, Direito das coisas. apud CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.43. 17 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. ( BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: . acesso em 30.04.2010. ) 8 2002 adotou tal forma de ressarcimento, na regra do art. 186.18 Atualmente, a tendência doutrinária é no sentido de considerar os danos morais como uma subespécie de dano extrapatrimonial, dentro dos quais se inserem também os danos estéticos, danos à honra, à imagem, à reputação, ao nome, entre outros, não mais se classificando os danos na dicotomia relativa aos “patrimoniais” e “morais”. A jurisprudência brasileira tem admitido, inclusive, a cumulação de espécies distintas de danos extrapatrimoniais, como por exemplo, danos morais com estéticos, conforme preceitua a Súmula n.387 do STJ. A dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1º, inc. III da CF/88 como princípio basilar da República Federativa, é o maior fundamento para a reparação dos danos extrapatrimoniais. Qualquer ser humano possui um valor que é inerente a essa qualidade existencial, o qual deve ser por todos respeitado, rechaçando-se os constrangimentos que possam causar-lhe um sofrimento íntimo, bem assim aqueles que degradem a sua imagem externamente. Ao este princípio deve ser conferido o máximo de efetividade, restando inexorável a necessidade da devida reparação aos constrangimentos suportados em razão da conduta de outrem. 1.2.3 Nexo de Causalidade Para a configuração do dever de indenizar não bastam o dano e uma conduta. É preciso que esta conduta tenha dado causa ao dano. Dificuldades na averiguação do liame de causalidade exsurgem ao buscar-se o que efetivamente deu causa ao evento danoso, especialmente em situações nas quais concorrerem causas. Daí o surgimento de algumas teorias que se dedicaram à solução do problema. Pela teoria da causalidade adequada, desenvolvida na Alemanha no final do século XIX e de grande influência na doutrina 20 e jurisprudência nacional, 21 a condição deve ser adequada e determinante na ocorrência do dano para adquirir relevância. 22 18 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm.acesso em 30.04.2010.) 19 Súmula 387: É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 387, publicada em 01/09/2009). 20 Veja-se: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 78; CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49,50,51. 21 De maneira exemplificativa: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70024667305. Apelante: Lurdes Markevir Sabio. Apelado: Massa Falida de Frigirífico Rost S.A. e Novo Hamburgo Companhia de Seguros Gerais. julgado em 23.02.2010. Dsiponível em: . Acesso em 30.04.2010; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 669.258/RJ. Recorrente: Sylvio Nunes Rodrigues. Recorrido: Cláudio Acizo Dutra. julgado em 27.02.2007.Disponível em:< www.stj.jus.br>. Acesso em 30.04.2010. 22 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49. 9 Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, A idéia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida.23 Outra teoria de grande destaque é a do dano direto e imediato, constante do Código de Napoleão. De acordo com esta teoria, constitui causa para a produção do dano o acontecimento que tenha uma relação de causa e efeito direta e imediata, devendo esta também ser considerada conditio sine qua non. Rafael Peteffi da Silva, reconhecendo que o exame da causa direta e imediata guarda estreita relação com o exame da adequação causal, afirma que: Com efeito, acreditamos que a teoria da causa direta e imediata se ocupa, com maior profundidade, em estabelecer as hipóteses de incidência das ‘causas estranhas’ à ação ou omissão do agente, constituídas pelos fatos de terceiro, fatos da vítima e pelas categorias de caso fortuito e força maior.24 Alguns doutrinadores reputam ter sido a teoria adotada pelo Código Civil de 1916, 25 por força do contido no art. 1.060, repetido no art. 403 do Código Civil de 2002.26 De outra banda, em situações nas quais é cediço que um grupo determinado de pessoas causou o dano, mas não é possível identificar quem dentre estes, tem-se utilizado da teoria da causalidade alternativa, como ocorre na responsabilização do habitante do prédio pelas coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. Desconhecendo-se a unidade da qual caiu a coisa, responde o condomínio. 27 A teoria da causalidade alternativa difere de todas já analisadas, pois nesta o evento considerado como causa não constitui uma contitio sine qua non, “supondo-se uma causalidade”.28 Cumpre ressaltar, ainda, que o liame de causalidade pode ser interrompido pela ocorrência de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro, os quais afastam a responsabilização.29 23 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49 e 50. 24 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.40-42. 25 Nesse sentido: ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 346; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2007., p. 583; RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 76. 26Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 27 Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 30.04.2010.) 28 COUTO E SILVA, Clóvis. Responsabilidad alternativa e acumulativa, in O direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. FRADERA, Vera Maria(org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.236. 10 1.2.4. Nexo de Imputação Verificada a presença de uma conduta, de um dano e de um nexo de causalidade, devese, em seguida, indagar a quem deve ser imputada a responsabilidade pela reparação. O nexo de imputação é a justificação jurídica pela qual se atribui a alguém o dever de reparar o dano sofrido por outrem, ainda que não o tenha diretamente causado. Substancialmente três são os critérios: o mais tradicional e antigo é a culpa, mas ao lado dela a modernidade acrescentou também a idéia de risco e a de garantia. Via de regra, pelo Código Civil, impõe-se a obrigação de reparar o prejuízo a um culpado, em razão de um ato ilícito. Daí pela qual a culpa é tradicionalmente o elemento que mais chama a atenção da doutrina e da jurisprudência. A culpa, lato sensu, é definida por Sérgio Cavalieri Filho como “toda espécie de comportamento contrário ao Direito, seja intencional, como no caso de dolo, ou tencional, como na culpa”. 30 O ato ilícito, fundamento da culpa aquiliana, caracteriza-se sempre com a sua presença. É o que se infere da regra contida no art. 186: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Vale dizer, a “ação ou omissão voluntária” denotam o dolo, ao passo que a “negligência ou imprudência”, a culpa stricto sensu. Destarte, na responsabilidade subjetiva sempre o agente opera com uma conduta culposa que, exteriorizada, gera o ato ilícito. Outrossim, consoante já exposto neste trabalho quando da análise da evolução da responsabilidade civil, houve um momento na história deste instituto, sobretudo após a revolução industrial, em que se fez necessário abandonar o elemento subjetivo culpa, para que vítimas de danos injustos não ficassem desamparadas. E a tendência do direito moderno é de, cada vez mais, afastar-se o elemento culpa no sistema da responsabilidade civil, expandindo os danos ressarcíveis. Sobre esta questão, pertinente transcrever a abordagem realizada por Eugênio Facchini Neto: É necessário que se desembarace da imprescindibilidade da noção da culpa, adotando critérios objetivos da responsabilização civil, pois sua função não é a de punir o ofensor (para o que seria exigível a culpa), mas sim procurar garantir o ressarcimento da vítima. Daí o desenvolvimento de uma teoria geral de responsabilidade objetiva, com base em critérios de risco-criado, risco-proveito, 29 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010.p. 66 30 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.30 11 idéia de garantia, risco-profissional, etc. Afinal, se o agente não agiu com culpa, a vítima muitas vezes também não. A solidariedade social, nesta hipótese, parece impor que quem causou o dano suporte as suas conseqüências.31 Pode-se dizer que uma das mais nítidas características do novo Código Civil foi o de ampliar notavelmente os casos de responsabilização objetiva. Tal opção do legislador, que nesse aspecto acompanha as tendências universais, manifesta-se através da adoção de três cláusulas gerais de responsabilidade objetiva, ao lado de inúmeras regras pontuais que igualmente estabelecem casos de responsabilidade objetiva. As cláusulas gerais são aquelas relacionadas com o abuso de direito (art. 187); o exercício da atividade de risco (art. 927, parágrafo único); danos causados por produtos (art. 931). Já as regras pontuais são aquelas referentes à responsabilidade pelo fato de outrem (art. 932 cumulado com o art. 933); responsabilidade pelo fato da coisa (arts. 937 e 938), do animal (arts. 936); responsabilidade dos incapazes (928), dentre outras esparsas no código. Concernente à teoria do risco, vários são os seus desdobramentos. A mais antiga formulação doutrinária a respeito é a teoria do risco-proveito, pela qual se pretende responsabilizar alguém que se beneficia da atividade alheia, caso alguém venha a sofrer dano em razão dessa atividade (é o que justifica, por exemplo, a responsabilidade do empregador ou preponente pelos atos danosos praticados por seus empregados ou prepostos). Um outro desdobramento seria a do risco-criado, pela qual quem cria um risco deve suportar as eventuais conseqüências danosas que tal atividade de risco venha a concretizar. O CCB adotou tal teoria no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, a qual se baseia na idéia de que, “se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos”.32 Na teoria do risco criado, não é necessário ser o dano relacionado a um proveito ou a uma vantagem para o agente, não se subordinando o dever de reparar à pressuposta vantagem. Trata-se de uma ampliação do risco proveito, sendo a mais eqüitativa para a vítima, que não tem que provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano.33 Por derradeiro, a idéia de garantia diz com a responsabilidade sem culpa prescindindo do plano do risco. Uma adaptação de tal idéia é a que fundamenta, por exemplo, a responsabilidade dos pais, tutores e curadores pelos atos danosos praticados por seus filhos, pupilos e curatelados. 31 FACCHINI NETO, Eugênio.A função social do direito privado. In: Revista Jurídica, ano 54, nº 349, novembro de 2006, p. 90 e 91. 32 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.173 e 144. 33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 283. 12 Na vigência do Código Civil de 1916, parte da doutrina sustentava que a responsabilidade por ato de outrem era subjetiva, com culpa presumida.34 No entanto, o fundamento de tal responsabilidade era singelo: os pais, tutores e curadores respondem por serem os naturais garantes de seus filhos, pulilos e curatelados, já que esses normalmente não possuem patrimônio próprio. Não por outra razão, o Código Civil de 2002 dispõe, no art. 933,35 que as pessoas indicadas no art. 932 36 responderão, ainda que não haja culpa de sua parte, pelos atos daqueles também mencionados no art.932. 

Bibliografia:

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010.p. 66.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.30;

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49 e 50.

 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.40-42.

 Nesse sentido: ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 346; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10. ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2007., p. 583; RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 76.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

 Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 30.04.2010.)

 COUTO E SILVA, Clóvis. Responsabilidad alternativa e acumulativa, in O direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. FRADERA, Vera Maria(org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.236. 

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