Negócios Jurídicos Processuais e o novo CPC

09/08/2017 às 14:56

Resumo:


  • A cláusula geral dos negócios processuais, prevista no art. 190 do CPC, permite que as partes estabeleçam acordos sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, desde que o direito discutido admita autocomposição.

  • Os negócios processuais podem ser típicos ou atípicos, sendo os primeiros expressamente previstos no CPC e os segundos resultantes da autonomia das partes, respeitando os limites legais.

  • O controle judicial é necessário para assegurar a validade dos negócios processuais, evitando abusos e protegendo partes vulneráveis, sendo que certos negócios dependem de homologação e o descumprimento pode acarretar consequências previstas no acordo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo aborda de maneira objetiva as principais questões que envolvem o negócio jurídico processual, desde os requisitos para sua realização até o controle da convenção que é realizado pelo magistrado.

A cláusula geral dos negócios processuais está disposta no art. 190 do Código de Processo Civil (CPC). Trata-se da genérica afirmação da possibilidade de que as partes, dentro de certos limites estabelecidos pela própria lei, celebrem negócios através dos quais dispõem de suas posições processuais. (Câmara 2016:144)

O CPC prevê, portanto, a possibilidade de as partes convencionarem sobre qual procedimento pretendem adotar para a solução da demanda proposta, sendo possível a criação de um rito especial para atender aos litigantes.

Não há na legislação exigência específica acerca de um momento para realização do negócio processual, pelo contrário, o art. 190 do CPC deixa bem claro que tal negócio pode ser feito antes ou durante o processo.

Imagine o caso de um casal que resolva contrair matrimônio, mas antes da celebração firma o chamado pacto antenupcial, em que estabelecem, por exemplo, pacto para estabelecer a utilização apenas de prova documental. O Enunciado 492 do FPPC (Fórum Permanente de Processualistas Civis) aborda tal hipótese.

Esse é um caso típico de negócio processual realizado antes do processo.

Theodoro Júnior elucida que a ideia dos negócios processuais se coaduna com o princípio da cooperação, que está presente no Código atual, devendo nortear a conduta das partes e do próprio juiz, com o objetivo de, mediante esforço comum, solucionar o litígio, alcançando uma decisão justa.

Afinal, como as partes são os destinatários da atividade jurisdicional, é perfeitamente plausível reconhecer a possibilidade de influírem no processo a fim de buscarem a solução para o litígio da melhor maneira possível.


Requisitos

O CPC estabelece em seu art. 190 os requisitos para a conclusão desse negócios:

- Partes plenamente capazes

- A convenção deve limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes

- Direito discutido deve admitir autocomposição

Quanto a este último requisito, Câmara (2016:144) faz uma observação importante:

Não fala a lei, corretamente, em “direitos indisponíveis”, mas em direitos que admitem autocomposição. É que há casos em que, não obstante a indisponibilidade do direito material, há aspectos que admitem autocomposição, como se dá em matéria de alimentos, por exemplo.

O enunciado 135 do FPPC corrobora o entendimento acima exposto ao determinar que a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.


Negócios Típicos e Atípicos

Existem negócios processuais típicos, ou seja, previstos expressamente no CPC (como a eleição de foro) e atípicos (como seria, por exemplo, um negócio processual através do qual as partes convencionassem que só se admitirá o depoimento de testemunhas que jamais tenham sido empregadas de qualquer das empresas celebrantes do negócio). Câmara (2016).

Exemplos de negócios típicos:

- Eleição negocial do foro (art. 63 CPC)

- Renúncia ao prazo (art. 225 CPC)

- Acordo para suspensão do Processo (art. 313, II CPC)

- Convenção sobre ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º CPC)

- Calendário processual (art. 191, §§1º e 2º CPC)

Aqui cabe uma pequena observação, o calendário processual é a definição de prazos e datas para realização dos atos processuais. A partir dessa definição, as partes não precisam ser intimadas para comparecer aos atos ou executá-los.

Quando há a estipulação de um calendário processual, o juiz também deve participar da negociação, afinal, dentre os atos previstos no calendário, alguns cabem ao juiz. O art. 191, que dispõe acerca desse tipo de negócio, deixa claro, em seu parágrafo primeiro, que o calendário vincula as partes e o juiz.

O enunciado 19 do FPPC enumera alguns negócios processuais atípicos: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação, inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.


Controle Judicial

Apesar da ampla liberdade para a negociação processual, o juiz deve zelar pela utilização adequada dessa faculdade legal. Cabe ao magistrado controlar a validade das convenções estabelecidas no negócio.

O parágrafo único do art. 190 ratifica tal questão, esclarecendo que o juiz deve recusar aplicação do negócio firmado, caso verifique nulidade ou a inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Esse controle judicial não tem o objetivo de tolher a atividade negocial das partes, mas, sim, proteger aqueles que se encontrem em situação de hipossuficiência na relação jurídica.

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Ex: Contrato de adesão firmado por pessoa física com um grande banco em que se estabelecem regras processuais altamente protetivas e vantajosas ao agente financeiro.

O enunciado 20 do FPPC traz algumas questões que não suportam negociação processual: acordo para modificação da competência absoluta e acordo para supressão da primeira instância. Justifica-se tal vedação por estarmos diante de normas cogentes.

Outros enunciados do FPPC alertam quanto às hipóteses não alcançadas pela liberdade negocial dentro do processo:

Enunciado 6: O negócio processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação.

Enunciado 254: É inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica.

Enunciado 392: As partes não podem estabelecer, em convenção processual, a vedação da participação do amicus curiae.

Existem outras vedações à negociação processual: (Didier Jr. 2015)

- Quando a matéria for de reserva legal. Exemplo disso são os recursos que seguem o princípio da taxatividade.

- Que tenha por objeto afastar regra processual que sirva à proteção de direito indisponível. Ex: Afastar a intimação do Ministério Público nas causas em que deva atuar por força de disposição legal (art. 178 CPC).


Homologação Judicial

Didier Jr. (2015) esclarece que há negócios processuais que dependem de homologação judicial, como a desistência da demanda (art. 200 parágrafo único CPC) e a organização consensual do processo (art. 357, §2º CPC).

Nos casos que dependem de homologação judicial, o negócio apenas produzirá efeitos após o pronunciamento judicial.

Os negócios processuais atípicos, previstos no art. 190 do CPC, por outro lado, produzem efeitos imediatamente, salvo convenção das partes em contrário.


Descumprimento do Negócio Jurídico Processual

O inadimplemento do pacto firmado gera consequências previstas no próprio negócio processual. Contudo, trata-se de matéria que, via de regra, não pode ser conhecida de ofício pelo juiz. A parte prejudicada deverá alegar o descumprimento na primeira oportunidade.

Caso a parte não o faça, o entendimento prevalente é de que houve uma resilição do pacto firmado, ou seja, as partes simplesmente abriram mão do negócio e passaram a se submeter ao procedimento comum.

De acordo com o enunciado 115 do FPPC, os negócios processuais vinculam não só as partes que o tenham celebrado, mas também seus sucessores.

Grande abraço a todos!

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Referências bibliográficas:

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2016

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. – Salvador: JusPodivm, 2015

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015

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Sobre o autor
Edmar Oliveira da Silva

Advogado e Professor Advogado especialista em Direito Público, consultor em Licitações e Contratos Administrativos, Mestre em Gestão Social; Professor e Coordenador do Curso de Direito do UNEC Nanuque. Acesse o nosso Blog: www.direitonarede.com

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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