Representação judicial dos tribunais de contas e posicionamento do STF

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Os tribunais de contas são órgãos não personalizados, inseridos na estrutura da unidade federada que controlam. Mesmo não possuindo personalidade jurídica própria, podem demandar e ser demandados em juízo.

Os tribunais de contas são órgãos não personalizados, inseridos na estrutura da unidade federada que controlam. Mesmo não possuindo personalidade jurídica própria, podem demandar e ser demandados em juízo. A Constituição brasileira definiu que compete à Advocacia-Geral da União – AGU representar a União e, unificando terminologia e competências não uniformes até 1988, definiu que compete às procuradorias dos estados e do Distrito Federal representar as respectivas unidades federadas.

Desse modo, em sendo demandados ou na condição de demandantes, os tribunais de contas são representados em juízo pela mesma instituição encarregada da representação judicial da pessoa jurídica em cuja estrutura se inserem: o Tribunal de Contas da União é representado pela AGU; os tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, pelas respectivas procuradorias do estado e do Distrito Federal; os tribunais de contas dos municípios, órgãos estaduais, pelas respectivas procuradorias dos estados; o tribunal de contas do município, órgão municipal, pela procuradoria do município, no caso do TCM do Rio de Janeiro e do TCM de São Paulo.

Situação muito peculiar ocorre quando ambos os polos da relação processual são representados em juízo pelo mesmo órgão. Nessa situação, a jurisprudência vem admitindo que o Tribunal de Contas seja representado por assessor jurídico, devidamente habilitado, ou por advogado contratado especialmente para esse fim. Diversas situações podem levar a conflito entre órgãos da mesma pessoa jurídica: o Poder Executivo não efetua o repasse de recursos ou, ao contrário, o Tribunal de Contas realiza ato implicando dano ao erário da unidade federada em que se insere, como aposentar servidor do seu quadro sem amparo legal.

Alguns tribunais de contas, porém, buscaram um caminho diverso para garantir a sua representação judicial. É o caso, por exemplo, do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia – TCE/RO. Por meio de Lei Complementar estadual, foi criada e organizada a Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado. O art. 1º da Lei Complementar nº 399/2007 dispõe: “fica instituída a Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, integrada por 5 Procuradores, administrativamente subordinada à Presidência, competindo-lhe a representação judicial e extrajudicial, assim como as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Tribunal de Contas”.

Ainda de acordo com a lei rondoniense, os procuradores serão nomeados pelo presidente do Tribunal de Contas entre brasileiros inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, aprovados em concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as suas fases, observada a ordem de classificação. A norma foi questionada judicialmente1 junto ao Supremo Tribunal Federal – STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.070.

Durante o julgamento da Adin, a ministra Carmem Lúcia, relatora da ação, destacou, em seu voto, que o que se põe em foco na ação é a compatibilidade entre as competências da Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e aquelas outorgadas à Procuradoria-Geral do Estado pelo art. 132 da Constituição da República.

O STF, assim, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas não afastou a hipótese de instituição da Procuradoria nos Tribunais de Contas. Para a ministra Cármem Lúcia, que foi acompanhada pelos demais ministros, a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 399/2007 está no art. 3º, inc. V, que prevê:

Art. 3º À Procuradoria-Geral, na defesa dos interesses do Tribunal de Contas, incluídos os de natureza financeira e orçamentária, compete:

[...]

V – cobrar judicialmente as multas aplicadas em decisão definitiva do Tribunal de Contas e não saldadas em tempo devido.

Para a decisão, a ministra destacou julgamento do Recurso Extraordinário nº 223.037/SE, relatado pelo então ministro Maurício Corrêa, quando o Plenário fixou: “as decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto”.

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, acompanhando o voto da ministra Cármem Lúcia, sugeriu a seguinte proposição para resumir o julgado: “é constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de tribunais de contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal”.

1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4070/RO. Relatora: ministra Carmem Lúcia. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 ago. 2017. Seção 1, p. 03.

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Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Informações sobre o texto

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