A abordagem da Filosofia Constitucional ganhou destaque, tanto nas questões políticas quanto nas jurídicas, nos últimos duzentos e cinquenta anos, principalmente por conta do papel desempenhado pelos ideais burgueses e Iluministas levados a efeito no advento da Revolução Gloriosa Inglesa, no século XVII, da luta pela Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, ambas no século XVIII.
Desse modo, a Filosofia Constitucional, em linhas gerais, propõe a análise do constitucionalismo, a constituição e o direito constitucional, tendo em vista a equação de dois elementos fundamentais em constante tensão, a saber, o exercício do poder pelo ente político, no caso, o Estado, e o projeto de felicidade, individual e coletivo, do governados.
Ou seja, o uso excessivo, ilimitado, irresponsável, violento e autoritário ao longo da história do mundo ocidental desaguou nos modelos de Estado de Direito constitucionais da modernidade.
Em outras palavras, os métodos abusivos dos detentores do poder sempre estiveram em desarmonia com os anseios de felicidade e de vida boa idealizados pelos súditos. Neste contexto, a Filosofia Constitucional tenta traçar uma fronteira bem definida para que esse exercício de poder não ultrapasse os limites do razoável e, assim, macule os projetos pessoais e coletivos de felicidade.
Aliás, tais projetos de busca da felicidade, na contemporaneidade, podem ser contemplados a partir de três perspectivas, as quais, até os dias de hoje, ainda se submetem à arena do embate ético, político, ideológico, social, econômico e jurídico.
O primeiro, sustentáculo do pensamento burguês, de cariz racionalista-individualista, dominou o cenário europeu desde os estertores do século XVIII até meados do dezenove, quando, propugnando pelo absenteísmo do Estado nas relações sociais, deixou a cargo do indivíduo a liberdade de escolha para a própria felicidade. A liberdade, neste sentido, é a condição de possibilidade para se atingir tal desiderato.
No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, uma nova visão de mundo, insuflada pelas desigualdades sociais cada vez mais crescentes, geradas pela Revolução Industrial e pela acentuação do modelo econômico capitalista, bem como pela forte influência da doutrina socialista-marxista, muda o eixo em torno do qual a questão da felicidade orbitava, cujos ideais sofreram considerável modificação, na medida em que a missão do Estado, de mero assistente passivo das relações individuais, passou a ter nelas uma maior inflexão, de modo que interferiu sensivelmente no mundo do trabalho e na implementação de direitos sociais básicos, como saúde, educação e previdência social.
A felicidade, portanto, começou a ser tratada também sob o ponto de vista coletivo. Neste ponto, a igualdade representa o princípio soberano – conforme epitetou Ronald Dworkin –, por meio do qual se atinge então esta felicidade coletiva.
Em um terceiro momento, em especial após o fim da Segunda Grande Guerra, não obstante o fortalecimento do Estado do bem-estar social, designadamente na Europa Ocidental, outros desafios foram colocados na agenda global: temas relativos a paz, a ambiente saudável e equilibrado, à cidadania, à democracia, à dignidade, a direito à diferença e à informação formam, agora, o ambicioso cardápio de reivindicações tendentes a efetivar o conceito de felicidade, cujo mote, a partir de então, se ancoraria na noção de culturalismo.
Neste patamar, a solidariedade é alçada a valor constitucional, conseguindo importante proeminência nos debates envolvendo o constitucionalismo, a constituição e o direito constitucional, em outras palavras, a própria Filosofia Constitucional, portanto.
Outrossim, a evolução neste particular apresentada, é dizer, do liberalismo clássico ao culturalismo atual, passando pelo coletivismo do Estado de bem-estar social, não teve o condão de eliminar, de sobrepujar, de aniquilar, de dar primazia de um sobre o outro. Pelo contrário, essas três vertentes coexistem e coabitam sobre o mesmo teto constitucional, convivendo em constante atrito, mediados todos, porém, por um sistema que, ao que parece, se mostrou muito eficaz na solução de conflitos políticos e ideológicos: a democracia.
Na verdade, dentro da nossa realidade política, a democracia é – ou deveria ser logicamente – o espaço público em que as diferentes concepções de mundo são debatidas, discutidas, enfrentadas e, dentro de um processo dialógico e dialético, decididas em favor da paz e da vida boa, com respeito e tolerância às instituições e aos demais participantes do conflito argumentativo.
Em síntese, a democracia não seria um fim em si mesmo, na medida em que o conceito apresentado por ela é variável e flexível no tempo e no espaço, assumindo formas muito peculiares, de acordo com os objetivos desenhados pelos participantes de uma comunidade política em especial. Ou melhor, a democracia é instrumento relevantíssimo para que se concretize certos ideais de felicidade e de vida boa propostos por um grupamento social determinado.
Em resumo, os ideais democráticos, obviamente, sofreram variações no decorrer do processo histórico, razão pela qual se deveria então indagar se ainda se confundem com a vontade da maioria. Muitas vezes, decisões razoáveis e justas, em favor, por exemplo, da proteção dos direitos fundamentais de grupos minoritários são tomadas em detrimento da maioria, sem que haja violação aos pressupostos democráticos mais comezinhos, sendo elas baseadas, enfim, no discurso favorável ao pluralismo, em perfeita sintonia, diga-se, com os postulados da solidariedade ou da fraternidade, mediante os quais tais decisões se tornam perfeitamente legítimas, do ponto de vista jurídico, político e filosófico.