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Da não incidência do ISS sobre locação de bens móveis

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01/12/2004 às 00:00
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VII – DO RECONHECIMENTO LEGISLATIVO

Se já não bastasse toda fundamentação acima esposada para concluir pela não incidência do ISS sobre locações de bens móveis, atualmente, não há qualquer razão para se pretender tributar tal atividade, porquanto a recente Lei Complementar 116 de 31 de julho de 2003 não mais a contempla como hipótese de incidência deste imposto.

Cumpre-se registrar que a locação de bens móveis estava inserta no texto original do citado diploma, porém, em virtude do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de sua inconstitucionalidade e, ainda, da ampla repercussão que teve tal julgado nos Tribunais de todo o Brasil, o Presidente da República, através da Mensagem de Veto n.° 362 de 31 de julho de 2003, afastou da redação aprovada pelo Legislativo o item que assim dispunha, nos seguintes termos:

"Razões do veto

‘Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:

O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes, em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão ‘locação de bens móveis’ constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional (noticiado no Informativo do STF nº 207). O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a ‘terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável.’ Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis." (grifos nossos)

Desta forma, a Lei Complementar 116-2003, com redação clara e precisa, entrará em vigor no primeiro dia do exercício de 2004 com a seguinte redação:

"3 – Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres.

3.01 – (VETADO)

3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.

3.03 – Exploração de salões de festas, centro de convenções, escritórios virtuais, stands, quadras esportivas, estádios, ginásios, auditórios, casas de espetáculos, parques de diversões, canchas e congêneres, para realização de eventos ou negócios de qualquer natureza.

3.04 – Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza.

3.05 – Cessão de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário".

É certo que o legislador complementar perdeu uma ótima oportunidade de proscrever de uma vez por todas a locação, seja de que natureza for, da incidência do ISS, posto que, conforme acima sufragado, tal exação colide frontalmente com a ordem constitucional em vigor.

No entanto, o avanço sobre o tema já foi bastante significativo, merecendo aplausos o Poder Legiferante pelo respeito ao entendimento do órgão de cúpula do Poder Judiciário e, sobretudo, à Constituição Federal de 1988, a qual todo o ordenamento nacional se subordina, conforme já dizia Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito.

Acreditando na coerência do presidente eleito, não restam dúvidas de que, se alguma manobra legislativa no sentido engendrar a reinclusão da locatio conductio rerum no Ordenamento Jurídico for efetivada, barrada será sua sanção pela atenta Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, como já o fez oportunamente.


VIII – DAS MEDIDAS JUDICIAIS E SEUS EFEITOS

Diante de tais necessários esclarecimentos, passemos à exposição dos meios jurídicos adequados para que os locatários de bens móveis busquem um provimento jurisdicional hábil a suspender imediatamente a exigibilidade do tributo pelo Município, bem como seja restituído de todos os valores até então cobrados nos últimos 10 exercícios financeiros.

Com efeito, à luz da urgência que se afigura em obstar que a municipalidade continue perpetrando uma exação tributária manifestamente inconstitucional, duas medidas judiciais revelam-se adequadas para tutelar os interesses dos locadores:

a) a impetração de Mandado de Segurança, requerendo liminarmente, nos termos do art. 151, IV, do CTN, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, para, ao final do processo, ser reconhecida a inexistência de relação jurídica tributária entre o Impetrante e o Fisco;

b) o ajuizamento de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária cumulada com a Ação de Repetição de Indébito, requerendo-se, liminarmente, com fulcro no art. 151, V, do CTN, a concessão de tutela antecipada para suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

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Vale consignar que as demandas ajuizadas após 31 de dezembro de 1999, consoante dispõe o art. 78 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, não estão sujeitas ao parcelamento de 10 anos instituído pela Emenda Constitucional n.º 30/2000. Assim, respeitada a ordem dos precatórios, terão as empresas locadoras a restituição de todas as quantias pagas a título de ISS de uma só vez.


IX – DA CONCLUSÃO

À luz do exposto, verifica-se com clareza a inconstitucionalidade em que vêm incorrendo os municípios ao realizar uma exação tributária em absoluto confronto com a ordem vigente. No intuito de arrecadar, os ilustres procuradores elaboram as mais mirabolantes teses para ilidir a sólida fundamentação aqui esposada, orientando seus prepostos a continuarem procedendo à arrecadação e punição daqueles que contra ela se insurgem.

Ocorre, porém, que, em um legítimo Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que garantias individuais sucumbam diante daqueles considerados mais "fortes", mesmo sendo este o próprio Estado, devendo todos, sem exceção, se submeter à ordem normativa em vigor. Quanto ao Estado, avulta-se ainda mais tal dever, visto que deve conduzir seu atuar nos estritos limites da legalidade, vinculando sempre sua postura à ética e à moralidade.

Sendo assim, tendo em vista não ser aconselhável aos locadores que simplesmente deixem de arrecadar o ISS, ante a possibilidade de terem contra si alavancado um procedimento administrativo fiscal com todos os inconvenientes que lhe são próprios, imperioso se torna o ajuizamento de adequadas medidas a fim de obstar os atos ilícitos que vêm sendo praticados pelo Estado, ficando resguardado o prosseguimento regular de suas atividades, conferindo, enfim, a necessária segurança e tranqüilidade no que tange às relações com o Fisco.


NOTA

1 VENOSA, Silvio de Salvo; Direito Civil, Contratos em Espécie; 3ª ed.; São Paulo: Atlas, 2003, p. 135 e 136.

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Sobre o autor
Paulo Mendes de Oliveira

Pós-Graduando em Direito Processual Civil pelo convênio Jus Podivm / Faculdades Jorge Amado; Professor de Prática Cível da Universidade Federal da Bahia e Advogado militante

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Paulo Mendes. Da não incidência do ISS sobre locação de bens móveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 512, 1 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5994. Acesso em: 24 abr. 2024.

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