A inversão do ônus da prova de acordo com o artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor

25/08/2017 às 11:01
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1 INTRODUCÃO

No direito, quando se busca a solução de um conflito através do poder judiciário, para que seja possível uma tutela positiva do órgão jurisdicional tanto para o autor quanto para o réu, é necessário que estes demonstrem a veracidade dos fatos alegados e, é através da produção de provas que o órgão julgador decidirá quem terá uma tutela positiva, leia-se, quem tem razão na lide.     

Embora exista a regra no direito processual civil de que quem alega deve provar, nem sempre será possível que aquele que alega consiga produzir as provas necessárias para comprovação do seu direito.

Nas relações de consumo, fica visível a dificuldade do consumidor conseguir produzir prova adequada para comprovação dos seus direitos. É por isso que a presente pesquisa buscou analisar a possibilidade da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6 do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, analisou-se juridicamente o conceito de prova, o ônus da prova e, por fim, a possibilidade de inversão do ônus da prova de acordo com os requisitos legais.


2 CONCEITO DE PROVA

No mundo jurídico, a prova trata-se de um instrumento pelo qual as partes litigantes em um processo, buscam demonstrar a verdade sobre os fatos que alegam. De outro lado, para que haja uma tutela jurisdicional justa e efetiva por parte do órgão jurisdicional, é necessário que este possa averiguar a veracidade dos fatos alegados pelos litigantes do processo, e é através das provas produzidas no processo que o órgão jurisdicional fará esta verificação.

Para Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 381-2), provar "é conduzir o destinatário do ato (o juiz, no caso dos litígios sobre negócios jurídicos) a se convencer da verdade acerca de um fato. Provar é conduzir a inteligência a descobrir a verdade".

Nesse sentido, é após a análise das provas que o órgão julgador poderá proferir julgamento com maior segurança e, estando o mais próximo possível da verdade, julgando em favor daquele que realmente tem direito.


3 O ÔNUS DA PROVA

A palavra ônus é sinônimo de encargo, dever, compromisso, incumbência. Assim, no âmbito do direito é dever das partes provarem aquilo que alegarem.

O artigo 373 do Código de Processo Civil dispõe expressamente a quem incumbirá o dever provar:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Desse modo, o autor da demanda tem o dever de provar os fatos que constituem o direito pleiteado por ele. Por consequência, o réu deverá provar fatos que impeçam, modifiquem ou que extingam o direito do autor.


4 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Como demonstrado no item anterior, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.

No entanto, nas relações de consumo, que são tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor esta regra pode ser modificada, já que o referido código é a lei supra dos consumidores, aplicando-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária.

Assim, é possível que nas relações de consumo haja a inversão do ônus da prova, como prevê o art. 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

O artigo 6º dispõe que é direito do consumidor que haja a facilitação da sua defesa. É por isso que é possível a inversão do ônus da prova a seu favor, quando o órgão julgador verificar que a alegação do autor consumidor é verossímil ou se for o consumidor hipossuficiente.

Nesse passo, observamos que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor não decorre de maneira automática, mas tem que se enquadrar nos requisitos legais dispostos no art. 6º, o que veremos a seguir.

O primeiro requisito legal, é que, ao passo que a inversão do ônus da prova não deve ocorrer de forma automática, e deve preencher os requisitos da verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor, somente ocorrerá a inversão do ônus da prova caso o juiz verifique o preenchimento de um ou de ambos os requisitos. Portanto, quando o art. 6 dispõe que a inversão se dará a critério do juiz (primeiro requisito), quer dizer que, uma vez que o juiz entenda que estão presentes os requisitos autorizadores da aplicação da inversão, ele deverá concede-la. Caso contrário, ou seja, se verificar que os requisitos legais não estão preenchidos, o juiz, obviamente, não deverá conceder a inversão.

O segundo requisito para a concessão da inversão do ônus da prova trata-se da verossimilhança da alegação do consumidor.

Para o doutrinador José Eduardo Carreira Alvim (1995, p. 145), a “verossimilhança somente se configurará quando a prova apontar para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações do litigante”.

Assim, verossimilhança não se trata de uma certeza, até porque esta ainda não é possível antes de produzidas todas as provas necessárias.

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Desse modo, a verossimilhança de que trata o dispositivo legal baseia-se em um juízo de probabilidade, de presunção, de modo que, para verificar a presença ou não dela, o juízo da causa deve basear-se no postulado da razoabilidade.

O terceiro requisito a ser demonstrado é a hipossuficiência do consumidor, que, no entanto, não se trata de hipossuficiência econômica (ainda que esta também possa existir), mas, sim, de hipótese de hipossuficiência técnica derivada da vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, já que há um grande desequilíbrio nas relações de consumo, pois o fornecedor possui a técnica, já que é ele quem confecciona o objeto e não o consumidor.

Segundo o doutrinador Flávio Tartuce:

“(...) o conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento (..)”. (TARTUCE, 2013)

Desse modo, o órgão julgador deverá analisar o caso concreto, verificando, assim, se há desproporcionalidade técnica entre fornecedor e consumidor.

Em havendo desequilíbrio na relação de consumo, caso o ônus da prova fosse do consumidor, este, na maioria das vezes teria pouquíssimas chances de conseguir provar os fatos constitutivos do seu direito, de modo que o fornecedor sempre estaria em vantagem e, em remotas chances, seria condenado a reparar os vícios do produto e/ou os danos causados por este.


5 CONCLUSÃO

O presente estudo pretendeu demonstrar a possibilidade da inversão do ônus da prova nas relações de consumo, segundo o art. 6 do Código de Defesa do Consumidor, ante o desequilíbrio existente nas relações de consumo entre fornecedor e consumidor.

Concluímos que a inversão do ônus da prova, de acordo com o art. 6 do Código de Defesa do Consumidor, não decorre de maneira automática, já que, para a sua concessão, é necessário o cumprimento dos requisitos elencados no dispositivo supramencionado, quais sejam, a critério do juiz, verificando a verossimilhança da alegação do consumidor ou a hipossuficiência técnica (os dois últimos de forma não cumulativa), deverá conceder a inversão do ônus da prova.

Assim, a inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, pretende equilibrar a relação entre o consumidor e fornecedor, dando a este último o ônus da prova, por possuir muito mais condições técnicas de produção de provas, sempre que forem preenchidos os requisitos legais, observando o contraditório e a ampla defesa, trazendo uma tutela jurídica mais justa e efetiva para a lide.


6 REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS

ANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 15 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de marco de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2017.

Código de Processo Civil Reformado, Belo Horizonte, Editora Del REY, 1995.

Theodoro Júnior, Humberto, 1938-. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo do conhecimento. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 1.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. “Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual”. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

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