1 INTRODUÇÃO
Melhorar a legislação do País é sempre providência salutar e bem-vinda, pois a todos interessa a existência de leis constitucionais e adequadas à realidade brasileira e, no caso específico do processo civil, que atendam às garantias constitucionais da celeridade processual e da razoável duração do processo (CF 5º LXXVIII). As mudanças na legislação ocorrem sempre com o intuito de melhorar a vida em sociedade, sendo que as alterações no decorrer do tempo, sobre, um prisma histórico, visam contribuir com o processo de evolução se adequando às necessidades atuais da coletividade.
No entanto, todos que recorrem ao Judiciário esperam uma prestação jurisdicional rápida, mas a morosidade judicial, por vezes, gera o acúmulo excessivo de processos em tramitação, o que pode ocasionar a perda do bem ou direito que é alvo do litígio entre as partes, revelando a importância de uma reforma processual. Na órbita do Processo Civil, o novel diploma almeja alcançar tal desafogamento, principalmente por meio da reformulação de alguns institutos, a exemplo da antecipação de tutela.
Sem dúvida, o disciplinamento do uso do instituto da antecipação da tutela, como medida para ordenar o uso do até então poder geral de cautela, foi um grande avanço trazido pelo atual CPC, passando-se então, a partir de 1994, a ser adotado de forma disciplinada nos mais diversos procedimentos, desde que presentes seus requisitos autorizadores, fundando-se ora na urgência, ora no abuso de direito de defesa do requerido (tutela de evidência). Tal instituto visa proteger aquele que possui direito incontroverso no processo, do ônus do tempo que poderia levar a depender do caso a perda do próprio objeto da ação.
A tutela antecipada, instituto previsto no artigo 273 do atual Código de Processo Civil, é uma tutela de urgência, fundada no periculum in mora, ou seja, o perigo da demora da prestação jurisdicional, onde, diante do preenchimento de determinados requisitos legais, o juiz, por meio de decisão interlocutória, antecipa os efeitos da tutela requerida pelo autor na inicial, evitando danos irreparáveis ou de difícil reparação ao requerente.
Além dos requisitos legais do referido artigo, a antecipação dos efeitos da tutela baseia-se nos princípios da celeridade, tempestividade e efetividade, garantindo, assim, o acesso à jurisdição, que é uma garantia fundamental básica, devendo ser prestada em acordo com os princípios que a fundamentam. Na seara das tutelas antecipadas, o estrito cumprindo destes princípios tornam-se indispensável, uma vez que, na falta da celeridade o resultado do processo corre o risco de não ser efetivo.
Faz-se necessário ainda destacar o art.5º, inciso XXXV da nossa carta magma, que assim dispõe, “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Como se pode observar, no ordenamento não deverá existir apenas a tutela reparatória, devendo se fazer presente também o direito fundamental a proteção por parte do judiciário (quando provocado) de toda e qualquer ameaça a direito, que possa ser de difícil ou impossível reparação, por exemplo.
Por esta razão, o legislador, bem como o poder judiciário, deverão estar sempre empenhados na busca por uma melhor prestação jurisdicional, em cumprimento ao texto constitucional.
O presente trabalho visa apresentar, de forma sucinta, alguns avanços e retrocessos acerca das modificações a serem implementadas no processo cautelar após a vigência do Novo Código de Processo Civil, cujo Projeto (PL nº 8.046/2010) encontra-se em curso no processo legislativo federal e que inaugura modificações ao instituto da tutela antecipada.
2 PRINCIPAIS MUDANÇAS PROPOSTAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
O Projeto do novo CPC apresenta varias modificações, no que tange à organicidade do processo e à tutela antecipada, sendo tais mudanças, em sua maioria, no aspecto formal. Dentre elas, abordar-se-á o tratamento de tutela antecipada e tutela cautelar
2.1. Simplificação no Tratamento das Tutelas de Urgência
O Projeto retomou a expressão “tutela antecipada”, entretanto atribuindo-lhe sentido diferente e mais amplo do que aquele que possuía. Assim, a anterior tutela antecipada, tutela provisória a partir de uma cognição sumária (Livro V – artigos 295 e seguintes) receberá agora o nome genérico de “Tutela Antecipada” e englobará a tutela de urgência (satisfativa ou cautelar) e a tutela da evidência, em substituição ao livro III “Processo Cautelar”.
Assim, conforme Holanda Júnior, o projeto do novo CPC visa unificar o tratamento das tutelas de urgência, sejam elas satisfativas ou assecuratórias, objetivando a maior celeridade e efetividade no procedimento das medidas de urgência. A principal novidade é a apresentação do instituto da tutela da evidência como espécie de tutela antecipada. A tutela antecipada agora figurará como gênero, tendo como suas espécies: a) satisfativa e cautelar; b) antecedente ou incidental; e c) de urgência ou de evidência. A previsão é que haja a fungibilidade entre as tutelas de urgência, fato já consolidado no Projeto. Tanto a tutela satisfativa como a tutela assecuratória serão portanto disciplinadas conjuntamente.
No Projeto, apesar de ter sido extinto o Livro sobre medidas cautelares, há previsão de dois tipos de procedimentos para as tutelas de urgência, sendo o das medidas requeridas em caráter antecedente - semelhante ao processo cautelar preparatório, mas com algumas modificações relativas à estabilização dos efeitos da medida de urgência concedida -, e o das medidas requeridas em caráter incidental.
A tutela antecipada no novo CPC passa, portanto, a ser um gênero, que contempla duas espécies distintas, a satisfativa e a cautelar, o que, aliada à extinção dos procedimentos cautelares específicos, encerra os debates que, ate então, eram travados acerca da incompatibilidade na aplicação da antecipação da tutela, nos casos em que o direito do requerente é satisfeito, e não apenas acautelado, porquanto, uma visasse assegurar o resultado útil do processo, e a outra, satisfazer, de imediato, o direito incontroverso do requerente. Louvável, portanto, esta iniciativa do novo CPC de dar tratamento sistemático e técnico adequado para estas duas espécies de tutela antecipada.
Ademais, a sistemática adotada pelo novo CPC deverá evitar o uso equivocado de nomenclaturas, como, por exemplo, da chamada cautelar satisfativa, uma vez que o que a cautelar, não tem o condão de satisfazer, ficando claro o equivoco do uso deste tipo de nomenclatura, presente inclusive em ações no STJ. Tal erro técnico tem origem na falta de uma sistemática coerente do atual CPC, que acabou por colocar hipóteses de tutelas antecipadas satisfativas, no capitulo destinado as cautelares.
Buscou-se também no novo texto processual, aperfeiçoar mecanismos já existentes, bem como inovar com a criação de novos institutos, que, até então, não possuíam previsão legal técnica clara, como as tutelas satisfativas.
Observa-se que a adoção da simplicidade procedimental, eliminando-se processos cautelares específicos, é uma via de mão dupla, uma vez que, para atender a instrumentalidade processual característica deste novo Código, que se pauta na celeridade e prestação jurisdicional justa, acabou-se por extinguir o livro do processo cautelar, tornando todas as hipóteses cautelares inominadas, a partir de agora e transferindo-se para o magistrado o poder de adequação do poder geral de cautela ao procedimento que devera ser adotado no caso concreto. Em outras palavras, competirá ao juiz no gozo de sua discricionariedade, definir no caso em análise quais medidas cautelares devem ser adotadas, o que pode dar margem a arbítrios por parte do mesmo, ainda que presente os aspectos constitucionais. Neste sentido, Machado entende que está se trata de das piores inovações trazidas pelo novo CPC:
Dentre as piores propostas do Projeto ora analisado, figuram a eliminação dos procedimentos cautelares específicos - ante a insegurança jurídica que a imprevisibilidade dos procedimentos poderia causar – e a ampliação dos poderes conferidos ao juiz. [1]
Esta excessiva concentração de poder na figura do magistrado, confere ao mesmo uma margem de discricionária muito ampla, deixando a seu critério os caminhos que o processo deverá seguir, o que pode resultar em uma possível lesão ao devido processo legal.
2.2. Concessão ex ofício
Outro ponto positivo que merece destaque diz respeito à possibilidade do juiz ex oficio, conceder uma tutela antecipada cautelar, visando evitar o perecimento do direito. O novo CPC visa dar efetividade ao principio constitucional da razoável duração do processo, aliando a ideia de celeridade com simplicidade deste para alcançar tal objetivo. Entretanto, tal modificação processual, em nome da simplicidade almejada, suprimiu determinados institutos, como as várias espécies de medidas cautelares (sequestro, arresto etc.), que eram utilizadas para assegurar o resultado útil do processo, protegendo o aparente direito do requerente, para ao fim do processo entregar ao mesmo.
O art. 295 do PLC n° 8.046/2010 não definiu bem os requisitos para obtenção de uma tutela antecipada de urgência, pois o dispositivo fala apenas em probabilidade aliada a periculum in mora. Nessa sistemática, não há diferença com relação ao modelo atual, a divisão entre a tutela antecipada satisfativa e a tutela antecipada cautelar acaba por conservar cada qual o seu requisito. O magistrado estaria autorizado a determinar medidas de urgência ex oficio, entretanto, há omissão no texto sobre essa exceção, pois não identifica bem suas condições, o que pode significar “um grande retrocesso a uma compreensão adequada do princípio do contraditório e de um modelo processual participativo”.
2.3. Concessão de Tutela Satisfativa Preparatória
Outra disposição inovadora do novo CPC diz respeito à possibilidade de concessão de tutela antecipada satisfativa preparatória, o que, nos termos do art. 796 do CPC em vigor, somente é possível no caso de medida cautelar. Acerca do tema, dispõe o art. 269 do novo CPC:
Art. 269. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do processo, sejam essas medidas de natureza satisfativa ou cautelar.
Diante da nova sistemática, o autor poderá antecipar os efeitos da demanda de maneira preparatória, o que, no código em vigor, somente é possível para resguardar direito que posteriormente poderá ser reconhecido. Em termos práticos, a nova codificação pôs termo a uma antiga discussão a respeito da possibilidade da concessão de tutela antecipada preparatória.
2.4. Simplicidade Procedimental X Devido Processo Legal
Como já lecionava definia Norberto Bobbio, os princípios são mandados de otimização de um sistema jurídico e deles emanam as soluções para os chamados Hard Cases, bem como atuam como fundamentação e parâmetros para toda a produção normativa do ordenamento jurídico em que estão inseridos, não existindo hierarquia entre os princípios, em razão de sua importância, já que da colisão deles não resulta a extinção de um, devendo ser adotada a técnica da ponderação (poder que será conferido de forma discricionária aos magistrados).
Com relação ao Processo Civil, um princípio faz-se importante, qual seja, o devido processo legal. Com efeito, apresenta-se o ensinamento do doutrinador Elpidio Donizetti:
O devido processo legal é o postulado fundamental do processo, preceito do qual se originam e para o qual, ao mesmo tempo, convergem todos os demais princípios e garantias fundamentais processuais. O devido processo legal é, ao mesmo tempo, preceito originário e norma de encerramento do processo, portador, inclusive, de garantias não previstas em texto legal, mas igualmente associada à ideia democrática que deve prevalecer na ordem processual.[2]
Como dito, pela eliminação de processos cautelares específicos, aliada á possibilidade de concessão de ofício pelo juiz, acabou-se por se transferir para o magistrado vasta margem discricionária para os rumos que o processo deverá seguir. Acabando por aparentemente ferir o principio constitucional do devido processo legal, com previsão legal no art. 5º, LIV da CRFB/88: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Como se mencionou, no caso de colisão de princípios, em razão da falta de hierarquia entre eles, deve-se adotar a técnica da ponderação, bem como a adoção de forma mitigada do referido principio. Em razão desta maior celeridade trazida pelo novo CPC, que acabou por ocasionar a supressão das cautelares nominadas, mitigou-se de certo modo o princípio do devido processo legal nestes casos. Porém, deve-se atentar para a presença de um segundo principio que serve de fundamento para todas essas inovações, qual seja, o principio da celeridade. No projeto do novo CPC, tem certa medida, esses dois princípios foram colocados em rota de colisão, devendo-se adotar a técnica da ponderação, frente ao caso concreto.
2.5. Unificação dos Requisitos para a Concessão
A tutela antecipada de urgência, nos termos do art. 301 do projeto, será concedida quando presentes a probabilidade do direito e o perigo na demora da prestação jurisdicional, de forma que restou unificado o sistema de requisitos de concessão das tutelas antecipadas, satisfativas ou cautelares, tornando inócua a discussão acerca do maior ou menor grau de intensidade do direito (fumus boni iuris), quando diante de tutela satisfativa ou cautelar.
Isso porque, no dicionário, verossímil será tudo o que tem aparência de verdade e provável, aquilo que tem aspecto de verdade, o que coloca as expressões como praticamente sinônimas, como sempre foram.
Não significa dizer, portanto, que tenha sido reduzida essa mesma aferição, ao trocar o vocábulo verossimilhança por probabilidade, mas apenas que, como sempre, a prova pré-constituída oferecida ao juízo deverá ser convincente o suficiente do direito e da situação de risco, para ordenar a sua imediata execução, em desfavor da situação contrária.
2.6. Estabilização dos Efeitos da Tutela
O projeto do novo CPC impede a concessão de tutela antecipada de urgência, caso não seja passível de reversibilidade, acompanhando a lógica atual. Em contrapartida, traz mudanças quanto aos requisitos para a sua concessão. A concessão, pelo novo texto, requer elementos que evidenciem “probabilidade do direito” e “perigo na demora”. Pelo CPC atual, para as cautelares, o requisito é o “fumus boni juris”, enquanto que, para as tutelas satisfativas, requer-se “prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação”, o que nos leva a crer que a definição de tais critérios, a partir do agrupamento de requisitos, deixará o trabalho de tal verificação nas mãos do magistrado, conforme o caso concreto.
O projeto do novo Código de Processo Civil, visa ainda à duração razoável e o maior rendimento possível do processo, inspirado nos sistemas italiano e francês e pretende revisar todo o regramento da tutela de urgência, a fim de positivar, entre outros mecanismos, a estabilização da tutela, permitindo, assim, a manutenção da eficácia da medida de urgência até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária.
O projeto prevê a estabilização dos efeitos da tutela deferida em procedimento antecedente, tendo como objetivo principal evitar o ajuizamento desnecessário de ações principais quando a pretensão autoral já tiver sido atendida por liminar. No entanto, diante da não manifestação do reclamado sobre a liminar, poderá o reclamante insistir na apresentação do seu pedido principal, especialmente para que a decisão temporariamente “estabilizada” venha a formar coisa julgada material. Assim, na hipótese em análise, não é vedada a apresentação de pedido principal, tratando esse ato facultado do autor da ação, mesmo já beneficiado pela liminar.
Quanto a não aplicabilidade da estabilização dos efeitos da tutela, o projeto apresenta o caso da tutela antecipada incidental e também das concedidas posteriormente, como tutela de evidência, por falta de previsão no projeto. Além delas, a doutrina também aponta os casos das ações declaratórias e constitutivas, por ser indispensável a produção da coisa julgada, sendo de todo incompatível com a regra que induz a precariedade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acompanhando o pensamento da professora Teresa Arruda Alvin Wambier, nota-se que o novo Código de Processo Civil, em tramitação no Congresso Nacional, objetiva processos mais simplificados, seguros e mais adequados á realidade verificada em cada caso concreto, através de uma estrutura melhor organizada e da redução de trâmites processuais.
No que cabe às tutelas de natureza antecipativa, em geral, pode-se considerar como positivas as mudança proclamadas no novo texto. A unificação do tratamento das tutelas de urgência, sejam elas satisfativas ou assecuratórias e seu agrupamento, reduzirão o número de ações específicas e permitindo que as consequências de sua aplicabilidade sejam mais efetivas em razão de sua natureza jurídica, bem como se eliminará as discussões em torno da fungibilidade em meio ao recebimento de ações dados os equívocos de nomenclatura.
REFERENCIAS
MACHADO. Costa. Inovações trazidas pelo novo CPC. Artigo Publicado em seu Blog Pessoal. Disponível em:<http://www.professorcostamach adocom>. Acesso em 05 de dezembro de 2014.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
HOLANDA JUNIOR, Carlos Eduardo de Oliveira. Breves considerações sobre a tutela
antecipada na atual sistemática processual e no projeto do novo CPC. Disponível em: <
http://www.mpce.mp.br/esmp/publicacoes/edi001_2012/artigos/03_Carlos.Eduardo.Holanda.pdf>. Acesso em 05 de dezembro de 2014.
[1]MACHADO. Costa. Inovações trazidas pelo novo CPC. Artigo Publicado em seu Blog Pessoal. Disponível em: http://www.professorcostamachado.com>.
[2] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.82.