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O controle de armas e desarmamento e o Direito Internacional Público:

uma reflexão crítica

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13/12/2004 às 00:00
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Notas

(1)Em 1922 o então governo social-democrático da Alemanha assinou secretamente com a então recém criada URSS o Tratado de Ropallo, mediante o qual determinado número de oficiais alemães, previamente indicados pelo alto comando militar teutônico, seriam enviados anualmente à URSS para estagiar nas forças armadas soviéticas, com amplo acesso à armamentos e táticas de guerra que estavam vedadas aos alemães.

Por outro lado, a proibição, pelo Tratado de Versalhes, de fabricação de determinados armamentos (submarinos, canhões de grosso calibre, etc.) foi facilmente "driblada" pelos fabricantes alemães ao longo da década de 1920 e início da década seguinte mediante o singelo expediente de criação de empresas subsidiárias, ou então meras empresas de fachada, em alguns países da Europa (Holanda, Suécia, etc.) encarregadas de projetar e/ou construir as armas em tela, quer para as forças armadas desses países, quer para a exportação para outros países. Muitos engenheiros e cientistas alemães, impedidos de trabalhar na Alemanha, foram "incentivados" à se empregarem em tais empresas, garantindo, desta maneira, que uma mão-de-obra qualificada estivesse disponível para quando fosse necessário.

Por via de conseqüência, com a subida de Hitler ao poder em janeiro de 1933 e o início do rearmamento alemão no final de 1934, a Alemanha contava com técnicos e o know-how industrial próprio para criar e produzir as armas que bem entendesse e de acordo com as necessidades das suas forças armadas.

Por fim, importa destacar que em 1935 a Alemanha Nazista firmou um tratado bilateral com o Reino Unido pelo qual este último país facultava a Alemanha a construção de uma frota de guerra correspondente a 35% da tonelagem total da Royal Navy (a Marinha de Guerra britânica). Tal acordo foi, em essência, o golpe de misericórdia do Tratado de Versalhes, menos de 15 anos após a sua assinatura.

(2)Um exemplo histórico notável e recente da relativa ineficácia da atitude em tela é o Estado de Israel.

Logo após a Guerra dos Seis Dias em 1967 a França, sob o pretexto de procurar não atiçar uma escalada armamentista naquela região conturbada, embargou, e depois reteve permanentemente, 50 aviões de caça Mirage que tinham sido encomendados e já parcialmente pagos pelo Estado de Israel.

A conseqüência imediata de tal ato do governo francês foi a adoção, por parte do governo judeu, da implementação de uma política de desenvolvimento e produção de armamentos autóctones (isto é, genuinamente israelenses), a fim de livrar Israel, tanto quanto possível, da dependência externa no tocante à armamentos.

Hoje, no alvorecer do século XXI, Israel projeta, produz e moderniza uma significativa gama de armas, desde modernos fuzis até aviões de caça, passando por tanques e mísseis de curto e médio alcance. De fato, o moderno complexo industrial-militar israelense rivaliza com a indústria bélica das grandes potências do Primeiro Mundo, em especial no tocante a qualidade do armamento produzido em Israel.

(3)A título de mera ilustração histórica, a Agência de Controle de Armas e Desarmamento dos EUA (órgão norte-americano vinculado ao Departamento de Estado - o equivalente estado-unidense ao nosso Ministério das Relações Exteriores -, mas não diretamente subordinado a este) nos anos de 1970 e 1980 se mostrou impotente em impedir o vertiginoso crescimento de venda de armas americanas para outros países, sobretudo para os países do Oriente Médio, vendas essas ocorridas sobretudo após a primeira Crise do Petróleo em 1973.

Paradoxalmente, o próprio Departamento de Estado norte-americano, muitas vezes com o incentivo velado do Departamento de Defesa dos EUA, freqüentemente apoiou, e ainda apoia, a venda de armas à outros países, via de regra sob o pretexto de incentivar ou preservar a economia norte-americana, em especial garantir os empregos existentes na indústria militar ianque.

(4)Apesar da Guerra Fria ter tido uma abrangência geográfica global, o continente europeu foi o centro nevrálgico daquele embate entre as duas superpotências então existentes. Foi na Europa que os EUA e a ex-URSS estacionaram milhares de armas nucleares e convencionais, bem como as suas melhores tropas e os seus equipamentos militares mais sofisticados.

(5)Na antiga URSS, em nome da segurança da mãe-pátria (Norodina), o setor da economia voltado para o sustento do complexo militar hipertrofiou-se ao ponto da economia como um todo não ter condições de sustentar de maneira condizente a população, ao ponto de se produzirem em abundância aviões militares e mísseis nucleares de alta qualidade tecnológica e televisores e geladeiras de baixíssima qualidade e em pequena quantidade.

(6)Marquezi, Dagomir e Gomes, Lu: Guerra Nuclear. pág. 25.

Vale lembrar que o custo financeiro da manutenção da corrida armamentista foi gigantesco. Somente os EUA gastaram cerca de US$ 13 trilhões, em valores atualizados, no desenvolvimento e compra de armamentos ao longo das quase cinco décadas que durou a Guerra Fria.

(7)Tal acordo foi firmado, após um longo período de conversações, com o escopo primordial de fixar as fronteiras dos países da Europa Centro-Oriental oriundas da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, algumas cláusulas do tratado em tela relativas aos direitos humanos e liberdades civis fundamentais acabaram por se revelar, ao longo do tempo, uma verdadeira bomba-relógio para a URSS e seus países satélites da Cortina de Ferro, sobretudo no tocante ao fato de darem suporte ou legitimidade legal e moral aos dissidentes soviéticos na sua luta por reformas e respeito aos direitos individuais fundamentais, bem como aos movimentos dissidentes dos países da Cortina de Ferro por liberdade e reformas nos seus respectivos países.

(8)Hobbs, David: Guerra no Espaço. pág. 8.

Atualmente, além dos EUA, da Rússia, China, Reino Unido, França e Itália outros países desenvolveram a tecnologia de construção e operação de satélites-espiões e de comunicação militar. Dentre tais países, podemos destacar Israel e a Índia, sendo que esta última nação é também uma potência nuclear declarada.

(9)Talvez o exemplo atual mais contundente da situação em tela seja a do Iraque que chegou a ter o quarto exército mais bem equipado do planeta no final da década de 1980, incluindo aí armas químicas e biológicas.

Longe de garantir a segurança nacional daquele país do Oriente Médio, a grande quantidade de armas adquirida pelos iraquianos foi, sem qualquer sombra de dúvida, um elemento de agravamento da desestabilização geopolítica e militar daquela região do nosso planeta nos últimos quinze anos.

A ex-URSS e mesmo alguns países ocidentais (incluindo aí o nosso Brasil) entregaram ao Sr. Saddam Hussein um arsenal digno de um país de Primeiro Mundo, arsenal esse que foi utilizado no conflito contra o Irã, para invadir o Kuwait na década de 1990 e que atualmente ainda causa muitas dores de cabeça aos EUA.


Cronologia Sumária

1945: Ataques nucleares americanos nas cidades japoneses de Hiroshima e Nakasaqui à fim da Segunda Guerra Mundial.

1948: Bloqueio soviético de Berlim Ocidental à Primeira Crise de Berlim.

1949:

-a URSS explode sua primeira bomba nuclear à fim do monopólio nuclear americano;

-os comunistas tomam o poder na China Continental.

1950-1953-Guerra da Coréia.

1952: os EUA explodem a bomba "H".

1953: a URSS explode a sua bomba "H".

1957: lançamento do Sputinik I pela URSS, provando que aquele país tinha a capacidade de lançar um ataque ao território norte-americano por meio de mísseis intercontinentais dotados de ogivas nucleares à acirramento da corrida armamentista entre as duas superpotências.

1960: os EUA lançam ao espaço o primeiro satélite de reconhecimento militar.

1961: construção do Muro de Berlim à Segunda Crise de Berlim.

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1962: a então URSS coloca em órbita o seu primeiro "satélite-espião".

1963: acordo americano-soviético banindo a realização de testes nucleares de superfície pelos dois países signatários à a partir desse tratado os dois países signatários passam a fazer testes nucleares subterrâneos.

1964: a China entra para o "clube atômico" com a sua explosão de seu primeiro artefato nuclear.

1967:

-a Guerra dos Seis Dias entre judeus e árabes;

-a China explode a sua bomba "H".

1972: assinatura do SALT 1 entre os EUA e a URSS à primeiro tratado internacional de redução e controle parcial de armamentos estratégicos nucleares.

1973: a Guerra do Yon Kippur entre Israel e os países árabes (Egito e Síria) à as superpotências chegam a um passo do holocausto nuclear global.

1974:

-a Índia explode a sua primeira bomba atômica.

-Acordo de Vladivostok (Rússia) entre os EUA e a ex-URSS à limitação do número de lançadores estratégicos (bombardeiros de longo alcance mais mísseis de alcance intercontinental) em 2.400 para cada signatário.

1979: assinatura do SALT2 entre os EUA e a ex-URSS à o tratado em tela nunca foi ratificado pelo Congresso Norte-americano em represália à invasão soviética do Afeganistão levada a cabo naquele mesmo ano. Entretanto, os sucessivos governos dos EUA observaram, de maneira parcial, as prescrições do acordo em tela, em especial quanto ao número máximo de armas estratégicas estabelecidas para os EUA.

1980: a China testa o seu primeiro míssil de alcance intercontinental operacional à a partir desse ano aquele país tornou-se o terceiro parceiro de facto, ao lado dos EUA e a URSS, no perigoso jogo nuclear global.

1982: Guerra entre o Reino Unido e a Argentina tendo como causa a posse das Ilhas Malvinas e Geórgia do Sul à foi o primeiro conflito militar de grandes proporções ocorrido na América do Sul envolvendo uma potência européia em mais de cem anos.

1983: o presidente norte-americano Ronald Reagan lança o programa denominado de Iniciativa de Defesa Estratégica - IDE (popularmente conhecido como "Guerra nas Estrelas") que visava tornar o EUA imunes a um ataque nuclear maciço. Tal programa foi posteriormente abandonado para ser devidamente ressuscitado pelo presidente George W. Bush Jr. em 2001.

1989: Queda do Muro de Berlim.

1991: Extinção da URSS à fim da Guerra Fria.

1998/1999: Índia e Paquistão realizam, cada um, uma série de testes nucleares subterrâneos.


Referências Bibliográficas

ALMANAQUE ABRIL de 1989. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1989.

HOBBS, David: Guerra no Espaço. 2 volumes. São Paulo: Ed. Nova Cultural Ltda., 1986.

KISSINGER, Henry: A Diplomacia das Grandes Potências. 3ª. ed. Tradução de Saul S. Gefter e Ann Mary F. Perpétuo. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves; UniverCidade Editora, 2001.

MARQUEZI, Dagomir e GOMES, Lu: Guerra Nuclear. Rio de Janeiro: Editora Três, 1984.

SAMPSON, Anthony: Os Vendedores de Armas. Rio de Janeiro: Ed. Record, sem data.

SAPOLSKY, Harvey et all: Lições da Guerra Fria. In: Revista Foreign Affairs; edição brasileira. 13.08.1999. págs. 12-16.

WESSON, Robert G.: A Nova Política Externa dos Estados Unidos. Tradução de Antônio José da Silva e Souza. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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Sobre o autor
Ricardo Luiz Alves

licenciado em História pela PUC/RJ, bacharel em Direito pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), servidor da Justiça do Trabalho em Manaus (AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ricardo Luiz. O controle de armas e desarmamento e o Direito Internacional Público:: uma reflexão crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 524, 13 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6040. Acesso em: 24 abr. 2024.

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