O formato de uma cidade é dado por suas comunidades. Não raro, dentre elas, encontramos comunidades tradicionais, grupos culturalmente diferenciados com organização e forma de vida peculiares. Índios, quilombolas, açorianos, pescadores artesanais, faxinalenses, são alguns exemplos desta espécie de grupamento social que, via de regra, depende da ocupação de territórios e do uso de recursos naturais para sua reprodução cultural, social e econômica.
Por ser flagrante a importância como elemento da cultura e pela necessidade de garantir o acesso de seus integrantes ao espaço público, dispensa comentários o interesse dessas comunidades para uma política de diversidade franca e perceptível. Assumem, porém, envergadura, dois de seus aspectos: o primeiro, os conhecimentos tradicionais, de valor ignorado pelo mainstream, mas que, em sede internacional, dão azo a controvérsias sofisticadas envolvendo, por exemplo, propriedade intelectual e patrimônio genético, e o segundo, com ainda menor visibilidade, portanto, militando precedência, a sua justificativa como base espontânea para a exploração sustentável de recursos naturais. Este último ponto aguça a percepção quando apreciado no contexto do estudo de impacto ambiental (EIA) – instrumento técnico-científico, de caráter multidisciplinar, utilizado no processo de licenciamento de empreendimentos.
Comparadas a outros segmentos da sociedade civil, em empreendimentos de impacto de maior potência, são raras as ocasiões em que comunidades tradicionais não são abordadas no EIA. A razão para tanto é a economia destes povos depender, em muito, da atividade extrativista e, por conseguinte, da exploração de seus territórios (e.v. da floresta pelo indígena, do mar pelo pescador artesanal). O território é condição para a existência destas comunidades, assumindo tamanha importância frente aos seus elementos a ponto de cumprir legítima função existencial.
Seguindo esta lógica, a Organização Internacional do Trabalho, por intermédio da Convenção 169, traça prerrogativas aplicáveis às comunidades tradicionais dando precedência à defesa dos seus direitos, sobretudo, ao direito de territorialidade. Vale destacar que a OIT 169 é uma importante ferramenta de descolonização, afirmando não existir uma homogeneidade nos povos em qualquer país. A despeito dos padrões da sociedade industrial, a convenção reconhece que não há um estilo de vida hegemônico; pelo contrário, que há outras vias e que devem ser preservadas.
Para o direito ambiental, a questão toma profundidade. A observância de princípios como o do desenvolvimento sustentável e da prevenção, não se esgota naquilo que é ou não, em sede de meio ambiente, adequado ao modo de vida contemporâneo, sendo necessário observar as opções que as comunidades tradicionais nos trazem, levando em consideração o que representa a “tradição” e a “memória” destes grupos.
Por fim, alinhadas em breviário a importância das comunidades tradicionais, permite-se reafirmar aquilo em que nosso país representa ainda uma fronteira a ser desbravada, sem intenção, no entanto, de com isso fazer referência às suas riquezas naturais ou à exuberante estética, mas o que persiste em potencial e que compõe o maior patrimônio de qualquer nação:
- O povo!