De acordo com a Lei da Propriedade Industrial – Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos e as obrigações relativas a propriedade industrial, exponho breves comentários sobre a registrabilidade da MARCA junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI com a extensão ".com", caso o titular, pessoa jurídica ou pessoa física, venha a possuir ou não endereço eletrônico na rede mundial de computadores – Internet.
DA MARCA
Conforme disposto no Título III, Capítulo I, Seção I, da Lei 9.279/96, em seu artigo 122, que diz: "São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.", em seguida temos o artigo 123 que considera o que seja uma marca:
Art. 123. – Para os efeitos desta lei, considera-se:
I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produtos ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; (grifamos)
Sendo a MARCA todo sinal distintivo e visualmente perceptível no qual determinada pessoa jurídica ou pessoa física se utiliza para distinguir determinados produtos ou serviços de outros idênticos ou semelhantes, afim de que possa diferenciá-lo dos demais, temos que a MARCA tem o objetivo de diferenciar, não causando confusão ou mesmo dúvida quanto ao produto ou serviço que esteja sendo utilizado, como p.ex.: Fabricantes de cigarros que comercializam o mesmo produto, porém com marcas diferentes: Marlboro, Free, Carlton, Camel, etc. O mesmo com prestadores de serviços, p.ex.: D’Paschoal e Bandag, são prestadoras de serviços em automóveis e caminhões.
A MARCA deve ser um sinal distintivo, capaz de diferenciar um produto do outro, um serviço do outro, não podendo causar confusão com marca alheia. Neste sentido a Lei 9.279/96, prescreve em seu artigo 124, incisos XIX e XXIII, transcrito abaixo:
"Art. 124. – Não são registráveis como marca: (...)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; (...)
XXIII – sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão da atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional (...) se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia." (grifamos)
Neste sentido a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXIX, prescreve que:
"XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;" (grifamos)
Cabe então a pergunta de onde surgiu a questão da registrabilidade do domínio junto à Internet, independentemente do registro da marca junto ao INPI?
A Internet é regulada e organizada em nosso país pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, com a sigla CG, órgão criado pela portaria interministerial MC/MCT nº 147, de 31 de maio de 1995, e responsável pela edição da Resolução nº 001/98 publicado no D.O.U no dia 15 de maio de 1998, estabelecendo as regras para funcionamento do registro de nomes de domínios. Essa norma determina que será aceito o registro, como nome de domínio, de qualquer expressão, salvo aquelas de baixo calão, as reservadas pelo próprio Comitê Gestor (como por exemplo "Internet") e as marcas de alto renome ou notoriamente conhecidas, quando não requeridas pelo próprio titular, adotando-se para o registro o critério do "primeiro a registrar".
A controvérsia surge em razão de excessiva simplicidade estabelecida pelo referido Comitê (CG) para registro dos domínios, o que acabou por gerar um conflito de interesses entre aqueles que os registram em primeiro lugar e os proprietários de marcas devidamente registradas junto ao INPI.
Como é sabido tal permissividade no registro de domínios tem proporcionado constantes explorações indevidas de marcas, sejam elas mais ou menos conhecidas, eis que, quando os seus titulares desejam efetuar o registro na Internet, por vezes já as encontram utilizadas por um terceiro, e aí surge o conflito, pois o titular da MARCA fica impedido de explorá-la no mundo cibernético (a menos que se sujeite a adquirir do detentor do registro ou busque suporte na prestação jurisdicional).
Em síntese, o assunto pode envolver quatro situações:
quando o primeiro a registrar o domínio é o detentor da marca;
quando o primeiro a registrar o domínio não é o detentor da marca, e não sendo a mesma pertencente a qualquer outra pessoa;
quando o primeiro a registrar o domínio é o detentor da marca e outra pessoa detém a mesma marca para outro segmento de atuação;
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quando o primeiro a registrar o domínio não é o detentor da marca, sendo esta de propriedade de terceiros.
Nas duas primeiras hipóteses, aparentemente não haveria qualquer conflito, uma vez que na primeira o próprio detentor da marca efetua o registro do domínio, podendo explorá-lo normalmente na Internet e, na segunda, em razão da ausência de marca registrada que venha a impedir a exploração do domínio, sua utilização também se encontra desimpedida. Situações mais conflitantes teremos nos dois últimos casos, onde o item "iii" denota a real aplicação do critério do "primeiro a registrar", porquanto dirime qualquer controvérsia que poderia surgir.
Cabe aqui abrirmos um parênteses, pois, se temos duas marcas idênticas, cada qual devidamente registrada na sua classe de atuação, o primeiro a registrá-la como domínio na Internet terá preferência na sua utilização. Nesse sentido, tanto a revista Veja quanto o produto de limpeza Veja são marcas registradas no INPI, sendo que a publicação editorial detém o domínio na Internet — exatamente em razão do critério "primeiro a registrar" adotado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CG.
A mesma questão ocorre com o veículo Astra, e as louças sanitárias Astra e os condimentos/essências alimentícias Astra, cada qual devidamente registrado no INPI para seu titular, sendo que o domínio www.astra.com.br, está registrado para a General Motors.
O último caso, entretanto, parece ser o mais conflituoso de todos, e tem requerido especial atenção do Poder Judiciário. Como o registro dos domínios não pressupõe a comprovação de propriedade da marca, este, eventualmente, pode ocorrer, mesmo que de boa-fé, violando a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96, que garante, em seu art. 129, o direito à exclusividade no uso da marca em todo o território nacional, o qual transcrevemos abaixo:
"Art. 129. – A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (...)" (grifamos).
Dessa forma, quando o titular da marca, amparado pela legislação infraconstitucional pertinente e pelo art. 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, requer o registro em seu nome de um domínio previamente registrado para terceiros, deve ser prontamente atendido, eis que, não fazê-lo representa dar guarida a uma resolução em detrimento de lei ordinária federal e dispositivo constitucional.
Não existe lógica jurídica que permita a prevalência da referida resolução quando esta estiver em contradição com demais normas do ordenamento jurídico que lhe são hierarquicamente superiores. Se o CG optou por um processo simplificado de registro de domínios, com excessiva permissividade, fez com que um fato criador de um direito pudesse ocorrer cada vez que, inadvertidamente, alguém registrasse como domínio uma marca protegida por lei.
Tal situação implica a faculdade do sujeito de direito (proprietário da marca) buscar amparo jurisdicional (facultas agendi) objetivando a proteção que lhe é dispensada pelo direito objetivo. Se o mundo cibernético não interessa ao proprietário da marca, sua faculdade de agir ficará sem efeito, não importando o fato para o mundo jurídico.
Temos então, que a regulamentação pelo CG implica situação que futuramente pode e deve ser revista. A adequada medida acautelatória tomada por quem pretende registrar um domínio (verificando se aquela expressão não é marca registrada), ou a exigência de tal comprovação pelo CG, evitariam o constrangimento do cancelamento de um domínio publicado, com sua respectiva transferência para o legítimo detentor da marca.
Considerando todo o exposto, relatamos abaixo a postura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto a matéria ora comentada:
MARCAS E PATENTES – Agravo em ação cominatória – o registro de domínio na Internet não deve desconsiderar os direitos decorrentes do registro de marca junto ao INPI – A tutela antecipada, preenchidos os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, foi bem concedida – Agravo Improvido
(Agravo de Instrumento nº 202.504-4/8 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Paulo Hungria – 26.06.01 – V.U.) Ementa nº 245984
PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Nome de domínio – Endereço na Internet – Abstência do uso – Tutela antecipada – Deferimento – Existência de marca com registro no INPI – Proteção estabelecida no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição da República – Prevalência, ademais, sobre as deliberações do Comitê Gestor da Internet no Brasil – Recurso não provido –
JTJ 248/325. Ementa nº 254906