Bio direito

Células tronco embrionárias

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23/09/2017 às 21:42
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3   A CRIOCONSERVAÇÃO

A crioconservação é um método utilizado para manter os embriões conservados durante um determinado período. Na hipótese em que o casal queira utilizá-los em uma outra ocasião, ou que eles possam servir para outros fins. Este método é defendido pela Resolução nº 1.358/1992, V, do Conselho Federal de Medicina, in verbis: 

As clínicas, centros ou serviços podem crio preservar espermatozoides, óvulos e pré-embriões.  O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser crio preservado, não podendo ser descartado o destruído. (BRASIL Resolução nº 1.358/1992, online).

Pensa-se que, apesar de não ter uma legislação que determine a crio conservação, a Resolução do Conselho Federal de Medicina foi bem-sucedida ao determinar que os embriões excedentários não devam ser descartados e nem destruídos, pois é a única maneira de se proteger a vida e a integridade de um ser que futuramente deverá ser implantado em um útero materno. 

No entanto, a mesma Resolução, no item V, nº 3, determina que os destinos dos embriões fiquem a cargo dos pais, como se verá abaixo: 

[...] no momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões crio preservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. (BRASIL Resolução nº 1.358/1992, online). 

Percebe-se que a mesma resolução que defende a não destruição dos embriões permite que seus destinos sejam determinados pelos pais. Entende-se que nesse ponto o Conselho Federal de Medicina foi controvertido, pois ninguém é dono da vida de ninguém. 

3.1     Da doação

A doação é o fornecimento de embriões por casal a outro casal que não pode ter filhos de forma natural. Aqui, evita-se que o casal que recebeu os embriões possa utilizar os métodos de fertilização in vitro, sendo assim, evitando o surgimento de novos embriões excedentários. É uma forma de destinação bastante apoiada pela doutrina. 

No caso de doação dos embriões excedentes não há grandes questionamentos em relação ao destino dado, porém surgem outros problemas que envolvem principalmente a necessidade ou não do anonimato e a relação de parentesco do embrião com sua nova família.  A grande questão nesse meio de destinação é a questão do anonimato do parentesco dos doadores com o embrião. Isso pode acarretar futuros problemas para ambas as famílias. 

A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.358/92, no item IV, 1,2,3 e 4, trata da doação sem fins lucrativos e do sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 

Obrigatoriamente, será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 

3.2     Da destruição

A destruição é o extermínio dos excedentários congelados por um período de tempo. Durante esse tempo, o embrião perde a sua utilidade e deve ser destruído. É o que entende Daniel Serrão, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida: 

Os embriões, a partir de cinco anos ou mais de criopreservação, e alguns antes, são quase todos moribundos, impróprios para transferência intrauterina que, aliás, não é desejada nem permitida pela mulher e só têm um único destino que é a morte biológica. Não é o uso em investigação que os mata; de facto, apenas antecipa uma morte inevitável. (SERRÃO, 2004, online). 

Aqui, no Brasil, existe uma grande resistência quanto à destruição dos embriões excedentários, o que parece ser correto. É o que determina a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.358/92, V, 2. O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser crio preservado, não podendo ser descartado ou destruído. 

3.3 Do uso nas experiências   

Muitos defendem que a utilização dos embriões excedentários como material para experiências. As pesquisas genéticas com embriões em prol da sociedade, nas descobertas de curas para muitas doenças, clonagem de órgãos para salvar milhares de pessoas que vivem nos bancos de espera por doações, entre outras, são os principais fundamentos dos que defendem a utilização dos embriões como meio de pesquisa. 

No entanto, existem muitas pessoas que são contrárias a essa ideia alegando que o respeito ao direito à vida, o respeito à dignidade humana, invocando o art. 5º, caput da Constituição Federal; o art. 2º do Código Civil; e o art. 4º, do Pacto de São José da Costa Rica, para fundamentarem a sua posição contrária a utilização dos embriões nas experiências. 

Nas palavras de Tereza Rodrigues Vieira, na obra Bioética e Direito, faz uma considerável análise:

[...] É preciso, entendo, que exista uma conscientização do povo, para compreender que o espírito deve superar a matéria e que a solidariedade humana é de sentido coletivo e não individualista. O altruísmo deve ser espontâneo e não de suporte violento. O benefício deve ser oferecido e não tomado, deve nascer de livre consentimento e não da presunção, ainda que legal. (VIEIRA, 2009, p.10).

3.4 As Células-tronco embrionárias humanas

Nos últimos anos, o assunto células tronco embrionárias, têm sido pauta de muitas discussões. Aqui no Brasil a discussão é grande que chegou até no Supremo Tribunal Federal. 

As células-tronco são as células-mãe que possuem a melhor capacidade de se dividir, dando origem a células semelhantes às progenitoras. As células-tronco possuem o grande potencial para os estudos da medicina. O principal objetivo das pesquisas com células-tronco é usá-las para recuperar tecidos danificados por doenças e traumas. São encontradas em células embrionárias e em vários locais do corpo, como no cordão umbilical, na medula óssea, no sangue, no fígado, na placenta e no líquido amniótico. 

A clonagem terapêutica visa à duplicação de embriões para a obtenção de células e tecidos a serem utilizados em transplantes, com a vantagem de se evitar o risco de rejeição, quando o material genético a ser implantado no núcleo for o do próprio paciente que irá receber o transplante. Os embriões serão gerados em laboratório sem a implantação posterior no útero. Os cientistas acreditam que as células tronco embrionárias, quando estimuladas, podem vir a se transformar em diferentes tipos de células, o que poderia representar a cura, ou ao menos uma revolução no tratamento de inúmeras doenças, como por exemplo, diabetes, mal de Parkinson, paralisia, distrofia muscular. 

Devido à inserção de novas matérias e de novos direitos, a Constituição Republicana de 1988 não poderia ser suscinta. Como exemplo, podem ser citados os chamados biodireitos inscritos na Lei Maior, quando tratou da preservação do meio ambiente que, em última análise, significam a jurisdicionalização da Bioética.

Ainda em consequência desta ampliação do âmbito dos direitos fundamentais, note-se que nos modelos constitucionais mais recentes, como é o caso da nossa Constituição, a presença de tais matérias implica numa mudança de comportamento representando um desdobramento dos princípios da Cidadania e da Dignidade Humana. Conforme preconiza Dantas (2008), uma correta interpretação do texto constitucional posto só se dará, tomando-o como um todo, isto é, um sistema pelo que se faz necessária uma interpretação mais ampla (sistêmica) de suas normas. Tal constatação permite que se fale, atualmente, em Biodireito com status constitucional. 

É necessário que os conceitos jurídicos pareçam adequados ao fato novo. É preciso que o direito e, mais precisamente, o Biodireito sejam atuais e se amoldem às inovações científicas apresentadas pela biomedicina. Por um lado, a Bioética tenta abrir novos caminhos para a discussão e a tomada de decisão numa sociedade pluralista e secular, na qual os referenciais religiosos e as escalas de valor não são mais objeto de consenso. Por outro lado, o direito implica valores dominantes na sociedade, por isso a lei sempre é invocada para organizar a conduta humana, no respeito e promoção dos valores que servem como base para a civilização. 

Segundo Gomes: 

O debate sobre o uso de células-tronco embrionárias se tornou mais intenso no Brasil, principalmente após a aprovação, em março de 2005, da Lei de Bio segurança que entre outros temas, permite o uso de células tronco embrionárias para fins terapêuticos e de pesquisas. Para isso, foi autorizado o uso de embriões excedentes resultantes da técnica de reprodução assistida, inviáveis ou que estejam congelados há mais de três anos da data da publicação da lei, com o consentimento dos genitores para a utilização. Com essa permissão, vários segmentos da sociedade como bioeticistas, cientistas, religiosos, juristas, políticos e a comunidade como um todo, discutiram se esta medida seria ética ou não, pois as pesquisas envolveriam a destruição do embrião. (GOMES, 2007, p. 79).

O uso de células troco embrionárias nas pesquisas no ramo da medicina vem levantando grandes celeumas; aqueles, os quais não são a favor de seu uso, consideram que a vida humana tem início com a fecundação do óvulo e, portanto, o embrião é vida humana, e não com a nidação,  estariam  assim, ferindo dispositivos constitucionais no que diz respeito ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, o que de fato cai em senso comum, pois  o próprio texto constitucional está abarcado além do princípio da dignidade humana o princípio fraternal. 

Entre os defensores desse entendimento é o ex Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, que ingressou com a ADI (Ação Direita de Inconstitucionalidade) nº 3510- DF, contra a Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança) que trata da utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas e terapias. 

O dispositivo impugnado pela ADI é o seguinte: 

Art. 5° É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: 

I    – Sejam embriões inviáveis; ou

II – Sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta

Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. 

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. 

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. 

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (BRASIL, ADI, 2008, online).

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A lei autoriza as pesquisas com embriões que sejam inviáveis e congelados por três anos ou mais. O professor Luís Roberto Barroso entende que, primeiramente, não existe um consenso no meio científico sobre o início da vida humana e que a discussão no STF não deveria girar em torno do assunto que trata do início da vida, e sim qual o destino dos embriões excedentários produzidos em fertilização in vitro que não foram implantados em útero materno. (BRASIL,2008, online).

Ele é totalmente favorável aos estudos da ciência usando células-tronco embrionárias, porque não existe razão de deixá-los congelados ou descartá-los, em lugar de permitir que eles sirvam para estudos e contribuam para a descoberta de meios que possam superar o sofrimento de inúmeras pessoas. 

Segundo Frankena:

[...] O Princípio da Beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências conflitantes, o mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior porção possível de bem em relação ao mal. (FRANKENA, 1981, p.61).

O Relatório Belmont seguiu a mesma tendência do pensamento de Frankena, isto é, incluía a Não-Maleficência como parte da Beneficência. O Relatório estabeleceu que duas regras gerais podem ser formuladas como expressões complementares de uma ação benéfica, que seriam não causar mal e maximizar os benefícios e minimizar os danos possíveis. (FRANKENA, 1981, p.61,73).

Segundo o instituto Beauchamp e Childress, vêm distinguirem a Beneficência da Não Maleficência. Definem Beneficência como sendo uma ação feita no benefício de outro. O Princípio da Beneficência é que estabelece esta obrigação moral de agir em benefício dos outros. É importante não confundir estes dois últimos conceitos com a Benevolência, que é a virtude de se dispor a agir no benefício dos outros. (FRANKENA, 1981, p.61,73).

O STJ vem entendendo que o poder público pode ser compelido ao fornecimento de medicamentos, em especial medicamentos de alto custo. Não é possível obrigar o poder público a fornecer medicamentos e tratamentos médicos experimentais, porque violaria o princípio da beneficência e não maleficência. 

3.3     Estudo de caso concreto

Princípio da justiça distributiva (universalização): não confundir justiça distributiva com justiça equitativa. Justiça equitativa vem da ideia de Aristóteles que traz uma ideia de o que é bom, justo e razoável. Não se confundido com justiça distributiva que significa universalização de oportunidades, ou seja, todos têm idênticos direitos, por exemplo, a lei 9.434/97 (lei de transplantes). 

A seguir, apresentam-se do caso, em que o paciente utiliza o medicamento ainda não aprovado pelos órgãos competentes.

Para o advogado Robson Zanetti, que representa Roberto Zanetti, a situação excepcional em que se encontram os pacientes que recorrem à Justiça justifica a oferta da substância mesmo sem a existência de testes controlados em seres humanos. “Para a maioria dessas pessoas os médicos já não deram nenhuma esperança de vida. A Justiça havia colocado uma formalidade na frente da vida das pessoas”, afirma. (CAMPOS, 2015, online).

A fosfoetanolamina funciona como um marcador de células cancerosas. Produzida naturalmente pelo nosso organismo, ela tem papel importante no metabolismo celular, agindo no transporte de ácido graxo para a mitocôndria, estrutura da célula que tem o papel de produzir energia. Quando o ácido graxo entra na célula cancerosa, ele obriga a mitocôndria, até então parada, a trabalhar, denunciando para o sistema imunológico que ali existe uma célula irregular. 

O comprimido da substância, que custa cerca de R$ 0,10 (dez centavos), chegou a ser distribuído gratuitamente pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, responsável pelas pesquisas e ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP. Em 2014, porém, uma portaria do Instituto de Química de São Carlos acabou proibindo essa distribuição, e hoje está em fase de experimento, segundo os regulamentos.

A decisão de liberar novamente a medicação foi tomada pelo ministro Luiz Edson Fachin, que concedeu liminar a pedido de uma paciente em estado terminal. O parecer tem repercussão geral, o que significa que a decisão deve ser estendida a casos idênticos. A notícia reanimou o paranaense Roberto Zanetti, que já havia conseguido na Justiça o direito ao medicamento experimental. Diagnosticado com câncer de fígado, Roberto conta que participa de grupos na internet formados por pessoas que tiveram melhoras significativas, comprovadas com exames, após o uso da substância.

Morador de Joinville (SC), Orlando José Souza Neves, de 50 anos, é um desses pacientes. Há onze meses ele descobriu três nódulos no fígado e recebeu indicação de quimioterapia. Contrário ao tratamento convencional, decidiu esperar pelo pior. Foi quando recebeu do filho 60 comprimidos de fosfoetanolamina e começou a tomar três deles. Segundo o especialista que o acompanha, o paciente passou por uma nova consulta e o oncologista responsável pelo seu caso, constatou-se que o terceiro nódulo parou de crescer. “O médico ficou admirado com a reação da medicação, porque ele havia visto os exames que eu tinha feito antes”, diz. (CAMPOS, 2015, online).

 Podemos constatar que, via de regra o que prevalece é a norma, porém como o direito não é absoluto toda regra há exceção, e relativo ao caso a exceção fez toda a diferença, neste caso o direito cumpriu de forma eficiente, se adequando a realidade social.

Sobre a autora
Michelle Ferreira Silveira

Sou graduada em Direito, pós graduada em Direito Constitucional, Mestranda em Direito e Negócios Internacionais. Há quatro anos atuo na área do direito, e sempre em busca de conhecimentos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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