O direito penal do inimigo frente às garantias penais constitucionais

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3 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E AS GARANTIAS PENAIS DO ACUSADO

O último capítulo analisará a teoria de Gunther Jakobs com o Estado Democrático de Direito, ou seja, irá averiguar se a teoria do Direito Penal do inimigo é compatível com um Estado democrático.

Desta forma, para analisar essa compatibilidade, será apresentado o direito penal comparando com as garantias constitucionais, tendo como principal base o princípio da dignidade da pessoa humana.

3.1 AS GARANTIAS PENAIS PRESENTES NA CONSTITUIÇÃO

Analisando as garantias fundamentais dos indivíduos presentes na Constituição, percebe-se que estas garantias possuem íntima relação com o Direito Penal, já que este é o ramo que protege o indivíduo contra agressões em seu desfavor. Dessa forma, o direito de punir do Estado incidirá sobre a violação de bens jurídicos relevantes, que são os protegidos pela Constituição.

Diante da ideia de bem jurídico penal, começaram a surgir teorias de que a Constituição é que define os bens, ou seja, levando em consideração de que é a Constituição que emana os valores mais importantes para a sociedade, é nela que o legislador deve se pautar quando escolher bens a serem protegidos pelo Direito Penal. Pode-se dizer que o constituinte busca o bens jurídicos penais na sociedade, enquanto o legislador os retira da Constituição. (PASCHOAL, 2003).

Nesse sentido, Alberto Silva Franco afirma que:

A estreita vinculação entre a ordem jurídica e a ordem social recomenda o exame da própria realidade social para a identificação dos bens jurídicos mais relevantes para o indivíduo e para a convivência societária. Afirma-se, em princípio, que a Constituição de um país define esses bens, revelando-os como expressão consensual da vontade dos membros de uma comunidade, como expressão hierarquizada daqueles interesses que se consideram essenciais para o funcionamento do sistema social (FRANCO apud PASCHOAL, p. 50, 2003).

Luiz Regis Prado também assevera que o conceito de bem jurídico deve ser entendido levando-se em consideração a Constituição, a fim de se operar uma normativização das diretrizes político-criminais (PRADO, 1997).

Dessa sintonia que surge entre a Constituição e o Direito Penal, determina-se o que pode ser considerado bem jurídico penal, isto é, o que pode ser protegido pelo ius puniendi do Estado.

Desta forma, uma das formas de relacionar o Direito Penal e a Constituição é fazer com que esta seja um limite negativo daquele. Toda conduta criminosa que não desrespeite a Constituição será admitida, ainda que o valor tutelado não seja tratado na Constituição. A Constituição é o limite negativo do Direito Penal (PASCHOAL, 2003).

Há também quem compreenda a Constituição como um limite positivo ao  Direito Penal, afirmando que o legislador somente pode utilizar a tutela penal para proteger bens que foram definidos na Constituição. Não é suficiente que a lei penal não entre em conflito com a Constituição, é necessário que o direito de punir do Estado recaia sobre bens que foram discriminados no texto constitucional (PASCHOAL, 2003).

Com isso, analisando as posições negativas e positivas da Constituição, busca-se esclarecer a ligação que o Direito Penal possui com o Direito Constitucional, sendo que a Constituição é um limitador do direito de punir do Estado, de forma a não contrariar os direitos constitucionais.

3.2 A APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Analisando os pormenores da teoria de Jakobs, bem como as principais funções do Direito Penal, o direito penal do inimigo surgiu como forma de contenção ao aumento da criminalidade, principalmente diante dos diversos ataques terroristas que assola o mundo contemporâneo.

Diante da periculosidade que o inimigo pode resultar em uma sociedade, a teoria de Jakobs busca neutralizar este indivíduo perigoso, almejando proteger o sistema penal, propondo dois tipos de direitos a serem aplicados, quais sejam, o direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo, os quais se insurgem contra a norma, não possuindo, portanto, qualquer direito ou garantia fundamental, visto que suas condutas ferem o sistema jurídico.

O inimigo não possui nenhuma garantia processual, sendo que a sua punição será a aplicação de uma medida de segurança, o qual visa retirá-lo do convívio social o máximo de tempo possível.

Sendo assim, entende-se que tal teoria não se coaduna com um Estado Democrático de Direito, visto que sua proposta fere o ordenamento jurídico como um todo, sendo algo completamente totalitário. Por mais perigoso que o indivíduo possa ser, ele não pode perder seus direitos e garantias fundamentais, visto que tal conduta afronta o Estado garantidor. Ademais, o termo “inimigo” é algo muito vago, passível de várias interpretações, não havendo uma maneira segura de distinguir o inimigo do cidadão, podendo levar a decisões arbitrárias e abusivas.

Mesmo que a teoria do direito penal do inimigo fosse regulamentada no ordenamento jurídico de forma detalhada e abrangendo suas formas de aplicação e abrangência, ainda assim tal teoria seria inconstitucional, tendo em vista que os indivíduos não podem ser tratados de forma diferente, pois é um dos postulados do Direito Constitucional o princípio da isonomia, devendo-se aplicar os mesmos direitos e garantias a qualquer indivíduo. Privar qualquer indivíduo de seus direitos e garantias fundamentais seria o mesmo que fulminar as cláusulas pétreas previstas no art. 60 da Constituição de 1988.

Ademais, a adoção dessa teoria levaria a crer que o direito penal fundamenta sua punição levando-se em consideração um direito penal do autor, e não do fato, ou seja, para a punição do agente leva-se em conta exclusivamente suas características pessoais, e não o fato cometido.


CONCLUSÃO

O presente artigo teve por fim promover uma análise crítica a respeito da teoria do Direito Penal do Inimigo proposta por Guther Jakobs, bem como a sua aplicação em um Estado democrático de Direito, chegando-se a conclusão que tal teoria não deve prevalecer.

Desta forma, no primeiro capítulo foi feito um estudo acerca das propostas de políticas criminais, sendo que o abolicionismo penal propõe a descriminalização de condutas; o minimalismo defende a intervenção ultima ratio do Direito Penal; e o expansionismo penal utiliza-se de instrumentos que amplia  a intervenção do Direito Penal, criando mais leis como forma de neutralizar a criminalidade, sendo demonstrado que este modelo vai contra o direito penal mínimo, pois entende-se que o Direito Penal somente pode intervir quando os outros ramos do Direito não forem capazes de resolver o problema. Aplica-se o princípio da fragmentariedade.

Posteriormente, foi analisada a teoria do Direito Penal do Inimigo, criada por Guther Jakobs. Tal teoria estabeleceu-se com o advento do Direito de terceira velocidade, pautando-se pela retirada dos direitos e garantias fundamentais da pessoa considerada inimigo, adotando-se tipos penais abertos e mais rigorosos. Sua teoria foi baseada nos conceitos do funcionalismo sistêmico, o qual visa proteger o sistema penal, e não bens jurídicos.

Desta forma, o último capítulo demonstrou a correlação que o Direito Penal possui com a Constituição, sendo que o texto constitucional visa delimitar e proteger os bens jurídicos, devendo o legislador ordinário obedecer esses limites. Com isso, ficou claro que a teoria do Direito Penal do inimigo não pode ser aplicada em um Estado garantista, uma vez que tal teoria aniquila toda a proteção que a Constituição proporciona a seus indivíduos, já que leva em consideração unicamente a proteção do sistema penal.

Tal teoria encontra-se em absoluto descompasso com o ordenamento jurídico atual, visto que o direito penal do inimigo é considerado uma nova roupagem do direito penal do terror, durante a Idade Média, e do direito penal do autor, durante a Segunda Guerra Mundial.

A melhor forma de se combater o crime é a adoção de políticas criminais, aplicando-se o Direito Penal sancionador como ultima ratio, ou seja, quando tiver esgotado todas as possibilidades de controle da criminalidade por outros métodos que não a sanção.

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Adotar a teoria do direito penal do inimigo como forma de combater ou neutralizar a criminalidade seria ferir de morte toda a conquista que os povos conquistaram para o reconhecimento e consagração dos direitos humanos.

Aos que são adeptos à aplicação do direito penal do inimigo justificam sua utilidade como forma de endurecimento das penas e como forma de mostrar uma rápida solução para a sociedade para combater a criminalidade, mas ao fazer isso, afronta os princípios democráticos do Estado de Direito.

Desta feita, pode-se afirmar que o direito penal do inimigo configura um retrocesso social, regredindo à época da Idade Média, caracterizada pela inquisição, desprezando todas as conquistas que os povos conseguiram quanto aos direitos humanos. Antes de abarcar  um direito que visa um etiquetamento das pessoas, distinguindo-as em grupos de cidadão e inimigo, deve-se levar em consideração que a pessoa é o centro da democracia, é o ser dotado de garantias e direitos fundamentais, a qual não pode ser submetida a nenhum tratamento desumano ou degradante.


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Sobre os autores
Higor Batista Lustosa

Formado em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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