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Aplicação do método PBL: uma proposta para repensar o ensino do direito

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2 A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS

A Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem Based Learning – PBL), segundo Luis Roberto de Camargo Ribeiro, “é, essencialmente, um método de instrução caracterizado pelo uso de problemas da vida real para estimular o desenvolvimento de pensamento crítico e habilidades de solução de problemas e a aprendizagem de conceitos fundamentais da área de conhecimento em questão” (RIBEIRO, 2005, p. 32).

Antes mesmo de sua primeira implementação, que se deu na escola de Medicina da Universidade McMaster, no Canadá, no final dos anos 1960, muitos dos seus princípios norteadores foram propostos por educadores e pesquisadores educacionais do mundo inteiro. Desse modo, apesar de sua história relativamente recente, a PBL não pode ser considerada um método novo. (RIBEIRO, 2005, p. 33).

A implementação da PBL na Universidade McMaster foi inspirada na técnica de estudo de casos da escola de direito da Universidade de Harvard, na década de 1920 e no modelo de ensino de Medicina da Universidade Case Western Reserve, na década de 1950, ambas localizadas nos Estados Unidos, como resposta a insatisfação dos alunos ao acúmulo de conhecimentos irrelevantes à prática médica e à dificuldade de aplicação dos conceitos aprendidos a um diagnóstico no exercício da profissão (RIBEIRO, 2005, p. 32).

Neusi Aparecida Navas Berbel adverte que, desejosos de disseminar a prática que tem introduzido inovações importantes na maneira de pensar, organizar e desenvolver os cursos de ensino superior, os autores têm utilizado uma grande variedade de termos para designar a PBL, tais como “técnica de ensino, método de ensino, metodologia, pedagogia, proposta pedagógica, proposta curricular, estratégia de ensino, currículo PBL, procedimento metodológico” (BERBEL, 1998, p. 140).

A PBL é uma abordagem dinâmica e tem se modificado em relação ao modelo original da Universidade McMaster para se adaptar a outros contextos educacionais. Hodiernamente, a PBL é aplicada em vários países, inclusive no Brasil.

Como salienta Luis Roberto de Camargo Ribeiro “embora concebida para o ensino de medicina, seus princípios têm se mostrado suficientemente robustos para fundamentar implementações no ensino de outras áreas do conhecimento e em outros níveis educacionais, isto é, no ensino fundamental e médio” (RIBEIRO, 2005, p. 32). No ensino superior tem sido empregado nas áreas de medicina, enfermagem, odontologia, pedagogia, educação física, administração e engenharia. No Curso de Direito, Artur Cristiano Arantes e Amali de Angelis Mussi noticiam a aplicação parcial do método na disciplina de Teoria Geral do Estado – TGE, do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal – Unipinhal, no Estado de São Paulo (ARANTES; MUSSI, 2010).

Devido à variedade de formas em que foi implementada para se adaptar aos contextos educacionais, alguns pesquisadores sentiram a necessidade de caracterizá-la. Segundo Luis Roberto de Camargo Ribeiro, a PBL é assinalada como:

um ambiente de aprendizagem no qual o problema é usado para iniciar, direcionar, motivar e focar a aprendizagem, diferentemente das abordagens convencionais que utilizam problemas de aplicação ao final da apresentação de um conceito ou conteúdo. É esta a principal diferença entre a PBL e as outras formas de aprendizagem ativa, em equipes, centrada nos alunos, voltada para a prática ou mesmo centrada em problemas (RIBEIRO, 2005, p. 37).

Cabe ressaltar que a PBL, apesar de ser utilizada por alguns educadores como sinônimos, não se confunde com “casos baseados em palestras” (em que o professor apresenta o novo conteúdo em aulas expositivas e então coloca um caso para demonstrar sua relevância; neste caso, há uma limitada análise de dados e tomada de decisões); “palestras baseadas em casos” (o professor apresenta um caso aos alunos para ressaltar a teoria posteriormente exposta, o que reduz a autonomia da aprendizagem), e “estudo de casos” (muito utilizado no ensino do Direito, onde um caso é colocado para estudo e depois, discussão em sala, facilitada pelo professor; o fato do material já vir sintetizado pelo professor, limita, em relação ao método PBL, a quantidade e a qualidade do raciocínio estimulado dos alunos).

Berbel esclarece que a “Problematização” e a “Aprendizagem Baseada em Problemas” são propostas metodológicas distintas, sendo a primeira, uma opção do professor e a segunda, uma opção de todo o corpo docente, administrativo e acadêmico:

Como decorrência da opção feita pela Aprendizagem Baseada em Problemas, definem-se porções de conteúdos, que serão tratados agora de modo integrado, definem-se modos de agir para ensinar, para aprender, para administrar, para apoiar, para organizar materiais... Há necessidade de providências quanto à biblioteca, que deve ser suficientemente equipada e espaçosa, horários e organização de laboratórios, para as atividades opcionais, distribuição de temas versos tempo, etc. Enfim, definem-se novos papéis para serem desempenhados por todos os envolvidos. Todas essas características são bastante distintas dos moldes tradicionais de ensinar e aprender e da organização curricular a que a maioria quase absoluta das escolas estão acostumadas. A opção pela Metodologia da Problematização não requer grandes alterações materiais ou físicas na escola. As mudanças são mais na programação da Disciplina. Requer sim alterações na postura do professor e dos alunos para o tratamento reflexivo e crítico dos temas e na flexibilidade de local de estudo e aprendizagem, já que a realidade social é o ponto de partida e de chegada dos estudos pelo grupo de alunos. (BERBEL, 1998, p. 148)

Distingue ainda que, “na Metodologia da Problematização, os problemas são identificados pelos alunos, pela observação da realidade, na qual as questões de estudo estão acontecendo”, já na “Aprendizagem Baseada em Problemas, os problemas são cuidadosamente elaborados por uma Comissão especialmente designada para esse fim” (BERBEL, 1998, p. 149).

Embora seja pesquisada e utilizada há décadas, a PBL, casualmente, tem sido criticada por não possuir uma base científica:

Isto ocorre porque nenhuma fundamentação teórica específica foi explicitada por seus idealizadores. No entanto, como as ideias não surgem no vazio, os princípios da aprendizagem que formam a base da PBL parecem derivar das teorias de Ausubel, Bruner, Dewey, Piaget, Rogers, Freire, dentre outros (RIBEIRO, 2005, p. 33).

Os objetivos da PBL, apesar do que sugere o nome, não se restringem às técnicas de resolução de problemas, apesar de ser esta indispensável na abordagem educacional. São objetivos educacionais da PBL:

aprendizagem ativa, por meio da colocação de perguntas e buscas de respostas; aprendizagem integrada, por intermédio da colocação de problemas para cuja solução é necessário o conhecimento de várias sub-áreas; aprendizagem cumulativa, mediante a colocação de problemas gradualmente mais complexos até atingir aqueles geralmente enfrentados por profissionais iniciantes; aprendizagem para a compreensão, ao invés de para a retenção de informações, mediante a alocação de tempo para a reflexão, feedback frequente e oportunidades para praticar o que foi aprendido (RIBEIRO, 2005, p. 36).

Os problemas no método PBL consistem em determinar os conteúdos que serão trabalhados e o grau de aprofundamento:

Diferentemente dos problemas nas abordagens convencionais, um problema na PBL é um fim aberto, quer dizer, não comporta uma solução correta única, mas uma ou mais soluções adequadas, considerando-se as restrições impostas pelo problema em si e pelo contexto educacional em que está inserido, tais como tempo, recursos etc. Para POWELL (2000), o problema deve ser suficientemente aberto para que o aluno possa contribuir com algo para sua solução, não somente a aplicação ou cópia de material encontrado em livros. O problema também deve compreender uma tarefa concreta que simula ou representa uma situação passível de ser encontrada pelos futuros profissionais. (…). Deve também ter um grau de complexidade condizente com os conhecimentos prévios dos alunos, favorecer a interdisciplinaridade e cobrir uma área extensa de conteúdo, satisfazendo os objetivos de conhecimentos, habilidades e atitudes almejadas pelo currículo (RIBEIRO, 2005, p. 43).

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A apresentação dos problemas pode ser diferenciada de acordo com a área de conhecimento ou conteúdo trabalhado: texto, vídeo, dramatização, uma entrevista com pessoas da comunidade, etc.

A abordagem de ensino proposta pela PBL requer uma mudança no papel de seus principais atores: docentes e discentes (Tabela 1).

Abordagem Convencional

Abordagem PBL

- Docente assume o papel de especialista ou autoridade formal.

- Papel do docente é de facilitador, orientador, co-aprendiz, mentor ou consultor profissional.

- Docentes trabalham isoladamente.

- Docentes trabalham em equipes que incluem outros membros da escola/universidade.

- Docentes transmitem informações aos alunos.

- Alunos se responsabilizam pela aprendizagem e criam parcerias entre colegas e professores.

- Docentes organizam os conteúdos na forma de palestras, com base no contexto da disciplina.

- Docentes concebem cursos baseados em problemas com fraca estruturação, delegam autoridade com responsabilidade aos alunos e selecionam conceitos que facilitam a transferência de conhecimentos pelos alunos;

- Docentes aumentam a motivação dos alunos pela colocação de problemas do mundo real e pela compreensão das dificuldades dos alunos.

- Docentes trabalham individualmente dentro das disciplinas.

- Estrutura escolar é flexível e oferece apoio aos docentes;

- Docentes são encorajados a mudar o panorama instrucional e avaliativo mediante novos instrumentos de avaliação e revisão por pares.

- Alunos são vistos como tabula rasa ou receptores passivos de informação.

- Docentes valorizam os conhecimentos prévios dos alunos, buscam encorajar a iniciativa dos alunos e delegam autoridade com responsabilidade aos alunos.

- Alunos trabalham isoladamente.

- Alunos interagem com o corpo docente de modo a fornecer feedback imediato sobre o curso com a finalidade de melhorá-lo continuamente.

- Alunos absorvem, transcrevem, memorizam e repetem informações para realizar tarefas de conteúdos específicos, tais como questionários e exames.

- Docentes concebem cursos baseados em problemas com fraca estruturação que preveem um papel para o aluno na aprendizagem.

- Aprendizagem é individualista e competitiva.

- Aprendizagem ocorre em um ambiente de apoio e colaboração.

- Alunos buscam a “resposta correta” para obter sucesso em uma prova.

- Docentes desencorajam a “resposta correta” única e ajudam os alunos a delinearem questões, equacionarem problemas, explorarem alternativas e tomarem decisões eficazes.

- Desempenho avaliado com relação a tarefas de conteúdo específico.

- Alunos identificam, analisam e resolvem problemas utilizando conhecimentos de cursos e experiências anteriores, ao invés de simplesmente relembrá-los.

- Avaliação de desempenho escolar é somativa e o instrutor é o único avaliador.

- Alunos avaliam suas próprias contribuições, além de outros membros e do grupo como um todo.

- Aula baseada em comunicação unilateral; informação é transmitida a um grupo de alunos.

- Alunos trabalham em grupos para resolver problemas;

- Alunos adquirem e aplicam o conhecimento em contextos variados;

- Alunos encontram seus próprios recursos e informações, orientados pelos docentes;

- Alunos buscam conhecimentos e habilidades relevantes a sua futura prática profissional.

Tabela 1 (RIBEIRO, 2005, p.48).

Sendo um método educacional centrado nos alunos, a PBL delega ao corpo discente a responsabilidade pela própria aprendizagem, exigindo dos mesmos as seguintes condutas:

Exploração do problema, levantamento de hipóteses, identificação de questões de aprendizado e elaboração das mesmas; tentativa de solução do problema com o que sabem, observando a pertinência do seu conhecimento atual; identificação do que não sabem e do que precisam saber para solucionar o problema; priorização das questões de aprendizagem, estabelecimento de metas e objetivos de aprendizagem, alocação de recursos de modo a saberem o que, quando e quanto é esperado deles; planejamento e delegação de responsabilidades para o estudo autônomo da equipe; compartilhamento eficaz de novo conhecimento de forma que todos os membros aprendam os conhecimentos pesquisados pela equipe; aplicação do conhecimento na solução do problema; avaliação do novo conhecimento, da solução do problema e da eficácia do processo utilizado e reflexão sobre o processo (RIBEIRO, 2005, p. 49).

Em contrapartida, a PBL demanda um novo papel ao docente: de orientador; co-aprendiz; facilitador na construção do conhecimento, invocando conhecimentos prévios, corrigindo os conceitos equivocados, intervindo de modo que as questões críticas de aprendizagem sejam levantadas; bem como exige do mesmo maior grau de participação, planejamento, trabalho cooperativo e tomada de decisões.

para atuar eficazmente neste contexto os docentes deveriam desenvolver uma prática profissional colaborativa, que compreende, entre outros aspectos: o diagnóstico e conhecimento dos alunos com quem se trabalha; o planejamento, implementação e avaliação, individual e coletivamente, de projetos curriculares; a avaliação e aprimoramento do ensino, seu e de colegas; e tomada de decisões tendo em vista sua melhoria; o envolvimento constante, pessoal e colaborativamente, com processos de investigação; e o domínio de estilo e o desenvolvimento de prática inovadora com os alunos, realizando continuamente atividades de conhecimento, melhoria e revisão da própria ação. (...). Ademais, supondo-se que o ambiente de aprendizagem neste modelo envolva situações mais complexas e incertas que as encontradas na sala de aula convencional, é provável que muito do conhecimento pedagógico do professor necessário para bem administrá-las seja construído a partir da reflexão de sua própria prática (RIBEIRO, 2005, p. 50-51).

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Sobre o autor
Heidy Cristina Boaventura Siqueira

Graduada em Direito e Pós-Graduada Lato-Sensu em Direito Processual pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES; Advogada; Professora do Curso de Administração das Faculdades Prisma - FAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Heidy Cristina Boaventura. Aplicação do método PBL: uma proposta para repensar o ensino do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5732, 12 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60848. Acesso em: 16 abr. 2024.

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