A constitucionalidade ou inconstitucionalidade da diferenciação entre cônjuge e companheiro (a) quando da sucessão

27/09/2017 às 17:43
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O STF decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, por meio do julgamento do RE nº 878.694/MG, o que vem gerando grandes debates jurídicos devido à insegurança jurídica criada por esta decisão.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 226, garante especial proteção do Estado à família. Além da possibilidade de a família ser constituída pela tradicional família matrimonial, a Constituição Federal também reconhece outros tipos de família, como, por exemplo, a família monoparental, constituída por qualquer dos pais e seus descendentes, (artigo 226, § 4º), bem como a união estável, constituída pela convivência pública contínua e duradoura.

Interessante síntese acerca do reconhecimento de outras entidades familiares pela Constituição Federal de 1988 é apresentada por Heloisa Helena Barboza:

“A Constituição Federal de 1988 (...) revolucionou as relações familiares, ao reconhecer três tipos de família: a resultante do casamento, a união estável e a formada por um dos genitores e sua prole, denominada família monoparental.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias enfatiza que “A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento.”.

Historicamente, no Código Civil de 1.916, não havia normas que regulamentassem os direitos das pessoas que viviam juntas, mas que não eram casadas.

Contudo, o Estado passou a perceber a necessidade de tal regulamentação devido o aumento significativo de casos de convivência não formal entre pessoas. Passou-se, então, a partir do ano de 1994, com o surgimento da Lei nº 8.971, a regulamentar a união estável para os desimpedidos de casar.

Tendo em vista a insuficiência conceitual e falhas da lei supracitada, logo surgiu a ideia de modificá-la, o que ocorreu com a elaboração da Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, a qual reconhece como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.

Com o passar dos anos, houve a elaboração do novo Código Civil, que passou a regular a união estável em seus artigos 1.723 a 1.727. Portanto, alguns autores defendem a revogação tácita das leis 8.971/94 e 9.278/96 após a entrada em vigor dos artigos acima citados.

Pois bem, a definição dada pelo art. 1.723 do Código Civil é a mesma prevista na Lei 9.278/96, que dispõe que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Diferentemente do casamento, que é a única entidade familiar que depende da participação prévia do Estado por meio do processo de habilitação e da celebração para a sua constituição, sob pena de inexistência.

O instituto da união estável passou a ganhar espaço no ordenamento jurídico, adquirindo, assim, demais direitos, tais como: direito a alimentos, direitos sucessórios e de habitação.

Passou-se a adotar como regime de bens, para as uniões estáveis, o regime da comunhão parcial de bens, no seu artigo 1.725, igualando também as regras patrimoniais deste instituto com o do casamento, a não ser que estabeleçam contrato escrito de forma diversa.


DIFERENÇAS ENTRE OS CÔNJUGES E COMPANHEIROS NO TOCANTE A SUCESSÕES

Antes da vigência do atual CC, duas leis regulamentavam a união estável no Brasil: Lei 8.971/94 e 9.278/96. As leis surgem para regulamentar o artigo 226, parágrafo 3º, da CF, pelo qual a família decorrente da união estável passou a ser protegida.

É importante ressaltar que, por opção do legislador da década de 1990, os efeitos sucessórios do casamento (artigo 1611 do CC/16) e da união estável (artigo 2º da Lei 8.971/94 e artigo 7º da Lei 9.278/96) eram idênticos. Para fins sucessórios, casar ou se unir estavelmente produziam iguais efeitos. Portanto, assim era feita a sucessão:

1.Deixando o falecido descendentes, o cônjuge ou companheiro supérstite tinha apenas o usufruto de ¼ dos bens (artigo 1611, §1º do CC/16 e artigo 2º, I da Lei 8.971/94);

2.Deixando o falecido ascendentes, o cônjuge ou companheiro supérstite tinha apenas o usufruto de 1/2 dos bens (artigo 1611, §1º do CC/16 e artigo 2º, II da Lei 8.971/94);

3.Se o falecido não tivesse descendentes, nem ascendentes, o cônjuge ou companheiro do falecido herdava a totalidade dos bens (artigo 1603, III do CC/16 e artigo 2º, III da Lei 8.971/94);

4.O direito real de habitação em favor do cônjuge do falecido, quando casado por comunhão universal de bens, decorria da previsão do artigo 1611, §2º, do CC/16 e, em favor do companheiro, decorria do parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278/96.

Com o CC de 2002, a igualdade sucessória foi perdida por força do artigo 1.790 do CC. O sistema igualitário e totalmente aceito na sociedade passou por um abalo que gerou insegurança jurídica e desconforto ao julgador e à sociedade.

Passou-se, assim, a reger:

1.Enquanto o cônjuge concorre com os descendentes em regra, salvo em certos regimes de bens (artigo 1.829, I), o companheiro só concorre quanto aos bens onerosamente adquiridos no curso da união estável (artigo 1.790, caput);

2.O cônjuge tem a reserva da quarta parte se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer (artigo 1.832); já o companheiro terá quinhão igual, se for ascendente dos herdeiros, ou meio quinhão, se não o for (artigo 1.790, I e II);

3.O cônjuge sempre concorre com os ascendentes do falecido e receberá 1/3 da herança se concorrer com o pai e mãe do morto, ou 1/2 se concorrer com os demais ascendentes (artigo 1.837 do CC); já o companheiro sempre receberá 1/3 da herança (artigo 1.790, III);

4.O cônjuge exclui os colaterais da sucessão, recebendo a totalidade da herança caso não haja descendentes, nem ascendentes (artigo 1.829, III e 1.838 do CC); já o companheiro concorre com os colaterais e recebe 1/3 da herança (artigo 1.790, III);

5.O cônjuge tem direito real de habitação garantido em caso de morte do marido ou da mulher (artigo 1.831 do CC); já o companheiro não, por ausência de menção legal.

Neste sentido, o de cujus, ao falecer sem deixar testamento, transmite a herança a determinadas pessoas. Os sucessores serão chamados através de uma sequência denominada ordem da vocação hereditária, que nada mais é do que uma relação preferencial determinada por lei, que indicará pessoas à sucessão hereditária.

O cônjuge ocupa terceiro lugar na ordem de vocação hereditária e participará da sucessão do falecido com relação à totalidade dos bens, quer sejam eles particulares do falecido ou comuns.

O companheiro só participa da sucessão com relação aos bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável. Isso significa que, havendo outros herdeiros, o companheiro não herdará nada que o falecido tivesse antes da união estável, tampouco nada que tenha sido doado a ele, por exemplo.

Nesse sentido, iniciou-se verdadeira batalha pela declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC.


DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CC.

O artigo 1.790 do CC traz a participação da sucessão entre os companheiros, ou seja, aquele que estiver vivendo em União Estável com outrem participará nas formas que descreve o artigo:

Art. 1.790 “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”.

Ocorre que o companheiro (a) sobrevivente participará apenas da sucessão do outro quando se tratar dos bens que foram adquiridos onerosamente na constância da união estável, conforme prevê o Caput do artigo. Desse modo, apenas serão comunicados os bens adquiridos pelo trabalho de um ou de ambos os companheiros durante a união estável, ou seja, serão completamente excluídos os bens recebidos a título gratuito, por doação ou até mesmo sucessão.

Contudo, o fato de um relacionamento afetivo enquadrar-se no gênero família não significa dizer que receberá o mesmo tratamento dispensado às várias espécies existentes, pois cada família possui suas peculiaridades e, por isso, a necessidade de regras próprias.

O legislador ao criar este artigo, optou por dar um tratamento diversificado, no plano sucessório, das figuras do cônjuge e do companheiro, baseado na tutela constitucional, a não equiparar os dois institutos. Porém, a não equiparação do casamento e da união estável não significa uma inferiorização de um instituto em relação ao outro ou mesmo uma situação desvantajosa. Trata-se, apenas, de conferir proteção legal aos dois institutos com atenção às suas peculiaridades.

Como é fato que existem dois institutos diferentes que possuem regras próprias e distintas de se constituírem, nada mais certo que seus direitos e obrigações serem diferentes uma das outras.

Existe aqui a liberdade de seus adeptos em escolherem qual instituição melhor lhes beneficiam, melhor atentem suas necessidades. Há que se garantir, portanto, os direitos à liberdade dos integrantes da entidade de formar sua família por meio do casamento ou da livre convivência, bem como o respeito à autonomia de vontade para que os efeitos jurídicos de sua escolha sejam efetivamente cumpridos.

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio:

"É temerário igualizar os regimes familiares a repercutir nas relações sociais desconsiderando por completo o ato de vontade direcionado à constituição de específica entidade familiar que a Carta da República prevê distinta, inconfundível com o casamento, e, portanto, a própria autonomia dos indivíduos de como melhor conduzir a vida a dois.".

Para o magistrado, não se pode equiparar a união estável ao casamento se a Constituição não o fez.

Portanto, declarar a inconstitucionalidade deste artigo será o mesmo que igualar os direitos sucessórios desses institutos, ameaçando-se, assim, a liberdade daqueles que optam pela relação informal exatamente porque não pretendiam se submeter ao regime formal do casamento.


DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CC.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, o qual discutia a constitucionalidade do referido artigo, o qual conferia aos companheiros direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge sobrevivente.

Para muitos doutrinadores, o dispositivo não está em consonância com a Constituição Federal, uma vez que a própria Constituição reconhece a união estável como entidade familiar, e, sendo um dos objetivos do direito sucessório a perpetuidade do patrimônio na família do de cujus, não deve prosperar a interpretação literal do caput do art. 1.790, que afasta do patrimônio hereditário do companheiro os bens individuais deixados pelo autor herança.

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Para alguns doutrinadores, o artigo 1.790 é preconceituoso ao distinguir os direitos dos companheiros perante o dos cônjuges, e defendem que houve um retrocesso ao direito de família, uma vez que a Constituição Federal reconhece a união estável como entidade familiar e o Código Civil retira direitos importantes daqueles que optaram por este regime.

Para o Ministro Luiz Barroso, com a validade do art. 1.790 existe uma hierarquização das famílias, o que faz com que quem optou pelo casamento seja beneficiado na sucessão, diferente de quem optou pelo regime de união estável, que fica em desvantagem. Assim, privilegiar o cônjuge ou o companheiro por meio da aplicação de regras sucessórias diversas é tratar pessoas em igual situação de modo diferente.

Portanto, com a decisão do STF, ficou determinado que “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuge e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil de 2002”.  Com isso, o companheiro (a) passará a ser tratado da mesma maneira que o cônjuge quando da sucessão.


CONCLUSÃO

Após todo o exposto, entendemos ser totalmente constitucional o artigo 1.790 do Código Civil, uma vez que a Constituição Federal não equiparou o instituto da união estável ao do casamento, tendo tão somente reconhecido aquele como entidade familiar (art. 226, § 3º, CF), bem como o Código Civil buscou manter a diferença entre estes institutos, sem hierarquizar seus direitos como alegado por alguns autores.

Ocorre que, após a decisão do Superior Tribunal Federal, devido à repercussão geral, todos os casos de sucessões entre companheiros serão regidos de acordo com o artigo 1.829 do Código Civil, ou seja, da mesma forma usada no instituto do casamento.

Entendemos, portanto, que declarar este artigo inconstitucional é uma infração grave aos direitos fundamentais de liberdade de escolha dos cidadãos, uma vez que a lei é clara ao instituir duas entidades familiares, das quais ficam os indivíduos livres para optarem pela que melhor satisfaz suas necessidades.

No entanto, com a oficialização da repercussão geral da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, os indivíduos que optaram pelo instituto da união estável, não terão seus direitos sucessórios resguardados como pretendiam, pois passarão a ter seus regimes sucessórios igualados ao do casamento.


BIBIOGRAFIA

Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/sucessao-companheiro-voto-barroso.pdf Acesso em: 16 maio 2017.

Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro - Vol. 6 - Direito de Família - 13ª Ed. 2016

Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro - Vol. 7 - Direito de Família - 11ª Ed. 2017

Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-abr-29/walsir-junior-desigualdade-conjuges-companheiros-inconstitucional

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