Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil

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Apresenta um levantamento de como é a distribuição de assentos de parlamentares entre os Estados, nos EUA e na Câmara dos Deputados do Brasil, elencando diferenças relevantes e trazendo uma estimativa do cenário de adoção do modelo americano no Brasil.

        1.   INTRODUÇÃO

O Brasil atualmente tem, conforme projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2016), cerca de 206 milhões de habitantes, distribuídos por 26 Estados mais o Distrito Federal – DF. Enquanto isso, o poder legislativo, em âmbito federal, é constituído no modelo bicameral, pela Câmara dos Deputados (representantes do povo) e pelo Senado Federal (representantes dos Estados e do DF).

Ocorre que, na Câmara dos Deputados, a forma atual de distribuição das cadeiras entre os Estados não é capaz de refletir com fidelidade o tamanho da população de cada Estado, gerando uma desproporcionalidade que faz com que o voto de cidadãos em Estados menos populosos de certa forma tenha valor maior que o voto dos Estados com número elevado de habitantes.

Já nos Estados Unidos da América – EUA, a forma de distribuição das cadeiras no Congresso é capaz de estabelecer uma situação em que o voto de cada cidadão tenha a mesma força. Ou seja, cada congressista americano representa aproximadamente o mesmo número de habitantes, independentemente do seu Estado de origem.\

Desta forma, este artigo busca apresentar uma breve explicação do modelo bicameral e as formas mais usuais de definição da composição das casas legislativas. Ainda, pretende demonstrar a desproporção na representatividade na Câmara dos Deputados brasileira e apresentar o desenho que a mesma Câmara teria no caso de adoção do sistema americano de distribuição das vagas na casa legislativa que representa o povo.


2.   BICAMERALISMo

O poder legislativo em alguns Estados, tais como Brasil, EUA, Canadá. França e Japão, é construído sobre o chamado “modelo bicameral”, em que o poder é exercido por duas câmaras distintas, formando um sistema de freios e contrapesos entre as casas. Isso, em contraponto a legislativos unicamerais, mais comum em Estados de população homogênea (Portugal, Finlândia) e Ditaduras, onde o processo legislativo é mais simples, geralmente menos custoso ao Estado, no entanto, mais suscetível ao surgimento de decisões autoritárias.

Surgido na Inglaterra do século XIV, o modelo bicameral visa, entre outras consequências, evitar a concentração do exercício do poder legislativo nas mãos de uma única casa legislativa, incrementar as discussões acerca das matérias legislativas, garantir a representação de um espectro mais amplo de interesses e, assim, fornecer uma maior estabilidade política ao Estado.

Ainda, de certa forma, o modelo bicameral atual encontra inspiração em Montesquieu (2000), que na sua obra O espirito das leis apresenta uma reflexão sobre a forma como se dá o exercício do poder legislativo na sociedade inglesa, dividida entre “nobres” e o “povo”:

Sempre há, num Estado, pessoas distintas pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras; mas se elas estivessem confundidas no meio do povo e só tivessem uma voz como a dos outros a liberdade comum seria sua escravidão, e elas não teriam nenhum interesse em defendê-la, porque a maioria das resoluções é contra elas. A parte que lhes cabe na legislação deve então ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado, o que acontecerá se formarem um corpo que tenha o direito de limitar as iniciativas do povo, assim como o povo tem o direito de limitar as deles.

Assim, o poder legislativo será confiado ao corpo dos nobres e ao corpo que for escolhido para representar o povo, que terão cada um suas assembléias e suas deliberações separadamente, e opiniões e interesses separados.

A situação apresentada acima, cabe ressaltar, apresenta o que é mais conhecido como bicameralismo do tipo aristocrático, no qual o legislativo se divide entre a representação da aristocracia (Câmara dos Lordes) e do povo (Câmara dos Comuns).

Já no Brasil e Estados Unidos, o bicameralismo é do tipo federativo, em que a divisão se faz entre os representantes da população (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado federal). Isso, com o objetivo primordial de evitar que os Estados mais populosos da federação e, assim, com mais deputados federais, concentrem o poder legislativo da federação em detrimento dos Estados menores.

Até como proposta de reflexão para o seguimento deste artigo, Hans Kelsen (2000) na obra Teoria Geral do Direito e do Estado, traz uma breve análise sobre os sistemas unicameral e bicameral, de forma a apresentar como a democracia se manifesta em cada um desses sistemas, apontando o seguinte:

Democracia no estado de legislação significa – ignorando as democracias diretas – que, em princípio, todas as normas gerais são criadas por um parlamento eleito pelo povo. O sistema unicameral parece corresponder mais intimamente à ideia de democracia. O sistema bicameral, típico da monarquia constitucional e do estado federal, é sempre uma atenuação do princípio democrático. As duas câmaras devem ser formadas de acordo com princípios diferentes, para que uma não seja uma duplicata inútil da outra. Se uma é perfeitamente democrática, a outra deve ser um tanto deficiente em caráter democrático

Encerrando este tópico, pretende-se deixar grifada a importante afirmativa apresentada acima por Kelsen, de que em sistemas bicamerais a forma de formatação de ambas as casas legislativas deve ser distinta e, de certa forma isso é uma constatação lógica, pois de outra forma não seria possível buscar os objetivos do bicameralismo, em especial, a maior pluralidade durantes as discussões legislativas e a garantia de que as leis passem por processos mais complexos de revisão e amadurecimento antes da inserção no ordenamento jurídico.


3.   AS CASAS LEGISLATIVAS EM SISTEMAS BICAMERAIS DE ESTADOS FEDERAIS

​Antes de apresentar as características das casas legislativas em sistemas bicamerais de Federações, cabe trazer as definições do professor Sérgio Resende de Barros (2016) para os termos Estado Federal e Estado Unitário:

O estado federal (como os Estados Unidos, o Brasil, a Suíça, a Alemanha e outros) é um estado soberano constituído de estados federados (estados-membros) dotados, não de soberania, mas apenas de autonomia, os quais têm poder constituinte próprio, decorrente do poder constituinte originário que fez a federação. Desse modo, no estado federal, além da constituição federal, também existem as constituições estaduais. Já o estado unitário não se constitui de estados-membros: é um estado só, uno, ainda que se possa subdividir em regiões (como a Itália), ou em províncias (como o Brasil na época do Império), ou em departamentos (como a França). Pelo que, no estado unitário, apenas há uma constituição: a constituição nacional.

Particularmente em Estados Federais, o sistema bicameral não chega ao ponto de ser considerado como algo essencial, no entanto, é relativamente comum a utilização desse modo de divisão do poder legislativo, principalmente pelo fato do bicameralismo proporcionar que uma das casas tenha uma representação igualitária entre os Estados, ou seja, que cada membro da federação possua o mesmo número de representantes e, em consequência, o mesmo poder na hora de estabelecer o ordenamento jurídico, o orçamento, entre outras atribuições legislativas.

Destaca-se que a necessidade de uma casa que possua representação igualitária dos Estados membros (geralmente denominada Senado) decorre primordialmente da distribuição populacional não homogênea dentro da Federação, situação que se agrava quando esses Estados e respectivas populações apresentam grande heterogeneidade entre si. Por exemplo, é de amplo conhecimento que alguns Estados americanos possuem população mais tendente ao liberalismo enquanto outros possuem características essencialmente conservadoras.

Ainda sobre a relevância do bicameralismo, Américo Lacombe (2007) traz: “no federalismo, o único sistema justificável é o bicameralismo, pois só ele preenche a necessidade da representação dos Estados-membros de forma igualitária”.

Ilustrando, num sistema unicameral em uma Federação em que a população se concentra de maneira elevada em poucos Estados membros, a representação proporcional apenas ao número de habitantes de cada Estado acaba tornando a voz dos menores Estados praticamente nula no poder legislativo. Como exemplo, nos EUA, conforme o United States Census Bureau (2016), o Estado mais populoso é a Califórnia, com cerca de 39 milhões de habitantes, enquanto o menos populoso é o Wyoming, com 586 mil, ou seja, cerca de 65 vezes menor e, por consequência, menos representado na Câmara.

Com isso, demonstramos que se o sistema americano fosse unicameral, baseado unicamente na representatividade populacional, o poder do Estado membro mais populoso seria 65 vezes maior que o com menos habitantes. Sendo essa concentração de força legislativa uma situação certamente a não desejável dentro de uma federação, o sistema bicameral dividido entre uma Câmara representando o povo e outra representando os Estados membros, igualitariamente, se mostra uma solução que traz maiores garantias para a solidez do Estado do tipo federal.

Já compreendendo como se dá a distribuição das vagas na casa legislativa que representa os Estados membros da federação, faz-se necessário avaliar a composição da segunda casa legislativa, comumente descrita como a casa de representação do povo – House of Representatives (EUA) e Câmara dos Deputados (Brasil). Lógico imaginar que a distribuição das cadeiras na casa de representação da população seja dividida igualitariamente entre a população, fazendo com que Estado membro tivesse um número de cadeiras diretamente proporcional ao número de habitantes que possui, no entanto não é o que sempre ocorre na prática, como será observado a seguir.   


      4.   DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CASA DOS REPRESENTANTES DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

 Nos Estados Unidos da América, a escolha dos membros da casa dos representantes se dá pelo modelo de voto distrital em que cada distrito elege um congressista. Em relação à forma de distribuição do número de representantes para cada Estado, a fórmula de cálculo segue uma proporção direta com a parcela de habitantes que cada membro possui dentro da federação, conforme disposto no trecho abaixo da Emenda XIV à Constituição estadunidense:

Representatives shall be apportioned among the several States according to their respective numbers, counting the whole number of persons in each State, excluding Indians not taxed.

Na prática, a distribuição das cadeiras na casa do povo americana sempre se deu de forma proporcional à população, inicialmente com ressalvas e deságio na inserção da população negra no cálculo do número de habitantes da cada Estado, o que foi superado com a Emenda XIV acima citada.

 Assim, atualmente, a divisão das 435 cadeiras na casa dos representantes é realizada através de métodos que busquem uma distribuição que reflita da melhor forma a distribuição populacional nos EUA, destacando que cada Estado membro tem a garantia de no mínimo um representante. Detalhando melhor o procedimento utilizado, os dados populacionais são coletados através de censo populacional de caráter nacional, realizado a cada dez anos pelo United States Census Bureau.

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Aliado aos dados coletados, a distribuição das cadeiras segue um método de cálculo utilizado desde 1940, denominado “método das iguais proporções”, um conjunto de fórmulas que buscam, traduzindo Laurence Schmeckebier (1951), possibilitar que:

[...] a diferença de representação entre dois Estados quaisquer seja a menor possível quando medida pela diferença relativa na população média por distrito e, também, pela diferença relativa na parcela individual de um representante.

Ressalta-se que, apesar de ter sido questionado por algumas ações judiciais na década de 1990, o método de cálculo atual continua a ser considerado constitucional, nos termos das decisões da Suprema Corte americana, nos casos United States Department of Commerce v. Montana 112 S.Ct. 1415 (1992) e Franklin v. Massachusetts 112 S.Ct. 2767 (1992).

Sendo assim, através dos dados do censo populacional realizado em 2010 e do método das iguais proporções, foi estabelecida a atual divisão dos 435 assentos da Casa dos Representantes, sendo configurado o quadro abaixo:

Estado

Representantes

Censo 2010

Hab/Cadeira

Estimativa 2015

Hab/cadeira

.Alabama

7

4.779.736

682.819

4.858.979

694.140

.Alaska

1

710.231

710.231

738.432

738.432

.Arizona

9

6.392.017

710.224

6.828.065

758.674

.Arkansas

4

2.915.918

728.980

2.978.204

744.551

.California

53

37.253.956

702.905

39.144.818

738.581

.Colorado

7

5.029.196

718.457

5.456.574

779.511

.Connecticut

5

3.574.097

714.819

3.590.886

718.177

.Delaware

1

897.934

897.934

945.934

945.934

.Florida

27

18.801.310

696.345

20.271.272

750.788

.Georgia

14

9.687.653

691.975

10.214.860

729.633

.Hawaii

2

1.360.301

680.151

1.431.603

715.802

.Idaho

2

1.567.582

783.791

1.654.930

827.465

.Illinois

18

12.830.632

712.813

12.859.995

714.444

.Indiana

9

6.483.802

720.422

6.619.680

735.520

.Iowa

4

3.046.355

761.589

3.123.899

780.975

.Kansas

4

2.853.118

713.280

2.911.641

727.910

.Kentucky

6

4.339.367

723.228

4.425.092

737.515

.Louisiana

6

4.533.372

755.562

4.670.724

778.454

.Maine

2

1.328.361

664.181

1.329.328

664.664

.Maryland

8

5.773.552

721.694

6.006.401

750.800

.Massachusetts

9

6.547.629

727.514

6.794.422

754.936

.Michigan

14

9.883.640

705.974

9.922.576

708.755

.Minnesota

8

5.303.925

662.991

5.489.594

686.199

.Mississippi

4

2.967.297

741.824

2.992.333

748.083

.Missouri

8

5.988.927

748.616

6.083.672

760.459

.Montana

1

989.415

989.415

1.032.949

1.032.949

.Nebraska

3

1.826.341

608.780

1.896.190

632.063

.Nevada

4

2.700.551

675.138

2.890.845

722.711

.New Hampshire

2

1.316.470

658.235

1.330.608

665.304

.New Jersey

12

8.791.894

732.658

8.958.013

746.501

.New Mexico

3

2.059.179

686.393

2.085.109

695.036

.New York

27

19.378.102

717.707

19.795.791

733.177

.North Carolina

13

9.535.483

733.499

10.042.802

772.523

.North Dakota

1

672.591

672.591

756.927

756.927

.Ohio

16

11.536.504

721.032

11.613.423

725.839

.Oklahoma

5

3.751.351

750.270

3.911.338

782.268

.Oregon

5

3.831.074

766.215

4.028.977

805.795

.Pennsylvania

18

12.702.379

705.688

12.802.503

711.250

.Rhode Island

2

1.052.567

526.284

1.056.298

528.149

.South Carolina

7

4.625.364

660.766

4.896.146

699.449

.South Dakota

1

814.180

814.180

858.469

858.469

.Tennessee

9

6.346.105

705.123

6.600.299

733.367

.Texas

36

25.145.561

698.488

27.469.114

763.031

.Utah

4

2.763.885

690.971

2.995.919

748.980

.Vermont

1

625.741

625.741

626.042

626.042

.Virginia

11

8.001.024

727.366

8.382.993

762.090

.Washington

10

6.724.540

672.454

7.170.351

717.035

.West Virginia

3

1.852.994

617.665

1.844.128

614.709

.Wisconsin

8

5.686.986

710.873

5.771.337

721.417

.Wyoming

1

563.626

563.626

586.107

586.107

TOTAL

435

308.143.815

708.377

320.746.592

737.348

Dos dados acima, podemos extrair que cada membro da Casa dos representantes corresponde em média a 708.377 habitantes. Logicamente, é impossível estabelecer uma distribuição de assentos entre Estados que resulte numa distribuição idêntica, sendo assim, se observam algumas distorções na distribuição americana, em especial quando se analisa a projeção oficial para a população para o ano de 2015. O Estado de Montana, por exemplo, possui apenas um representante para uma população estimada de cerca de 989 mil habitantes, no entanto, é uma situação que potencialmente será amenizada na ocasião do próximo censo populacional.

Em relação à garantia de representatividade mínima na Casa dos Representantes, é importante destacar que alguns Estados, mesmo possuindo menos de 737 mil habitantes (quociente entre a população total e o número total de assentos) em 2010, possuem direito a um representante, caso dos Estados do Alasca, North Dakota, Vermont e Wyoming.

Por fim, sobre a distribuição da força de cada Estado dentro da Casa dos Representantes, é possível verificar que essa não é uma preocupação dentro do modelo atual de distribuição das cadeiras. Enquanto sete Estados possuem apenas um representante, os três Estados mais populosos em 2010, Califórnia, New York e Florida, possuem, respectivamente, 53, 36 e 27 representantes eleitos em seu território, no sistema distrital. Claramente, o sistema busca a igualdade de força em relação ao número de habitantes, deixando a preocupação da igualdade de forças entre os Estados centrada apenas no Senado.

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Sobre o autor
Rodrigo Pereira Damásio da Silva

Formação acadêmica: Graduado em Engenharia Civil pela Universidade de Brasília - UnB (2008), atualmente cursando Direito na Universidade de Brasilia - UnB. Atuação profissional: Técncio em Regulação de Aviação Civil - ANAC (2008-2009); Analista de Infraestrutura de Transportes - DNIT (2009-2010); Analista de Infraestrutura - MPDG (2010-2013); Especialista em Regulação de Aviação Civil (2013-atual).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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