5. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE
A doutrina nacional costuma dividir a responsabilidade civil em contratual e extracontratual de um lado, e objetiva e subjetiva do outro.
Tratando da responsabilidade civil contratual e extracontratual, Flávio Tartuce traz as seguintes ideias:
A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a.C., e que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual.
Por sua vez, Wanessa Mota Freitas Fortes, em suas lições sobre a responsabilidade civil negocial e a responsabilidade civil aquiliana, afirma que
[...] A responsabilidade contratual é aquela derivada de um contrato, que pode ser celebrado tacitamente e, o seu inadimplemento acarretaria a responsabilidade de indenizar possíveis perdas e danos. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana é aquela em que o agente infringe um dever legal. Nenhum vínculo jurídico existe entre as partes quando da prática do ato danoso. Na responsabilidade contratual, a culpa é presumida e, dessa forma, cabe ao autor demonstrar apenas o descumprimento contratual. Ficando a cargo do devedor o onus propandi o devedor terá que provar que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma causa excludente do próprio nexo causal. Na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, por sua vez, não há essa inversão do ônus da prova. Cabendo ao autor da demanda a prova de que o dano se deu por culpa do agente. Assim, percebemos que o efeito de ambas as responsabilidades civis é a obrigação de indenizar.
Logo, enquanto a responsabilidade civil contratual decorre de um descumprimento de vontades pactuado previamente entre os agentes envolvidos na realização do respectivo contrato, a extracontratual tem sua origem na prática de um ato tido por ilícito perante o nosso ordenamento jurídico. Ambas darão ensejo ao dever de indenização que, nos moldes do parágrafo único do art. 944 do Código Civil, deve ser proporcional ao dano sofrido, sob pena do magistrado reduzir a indenização.
No tocante a divisão da responsabilidade civil em objetiva e subjetiva, Wanessa Mota Freitas Fortes nos diz que
A responsabilidade objetiva requer apenas o nexo causal e o efetivo dano. É adotada somente em circunstâncias expressas em lei, sendo exceção à regra da Teoria da Culpa. Advém da chamada Teoria do Risco. A responsabilidade subjetiva, no entanto, deriva da culpa, para daí analisar se os demais elementos estão presentes; se, todos os elementos estiverem reunidos darão ensejo à reparação. Esse tipo de responsabilidade é a regra inferida para os profissionais liberais.
Percebemos, assim, que na responsabilidade subjetiva o dano causado tem por origem uma conduta culposa do agente, enquanto que na responsabilidade objetiva não é necessário provar culpa, pois o dano é gerado por uma conduta permitida pelo ordenamento jurídico, mas que acarreta um prejuízo a terceiro.
Desse modo, a diferença básica entre as modalidades objetiva e subjetiva é a necessidade de comprovação de culpa.
Passemos, agora, a análise dos elementos constitutivos da responsabilidade civil.
6. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
Inicialmente, podemos encontrar no Código Civil os elementos constitutivos da responsabilidade civil. Diz o art. 186 do Código Civil diz que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O primeiro elemento constitutivo da responsabilidade civil é a conduta humana. Por esta, entende-se o comportamento comissivo ou omissivo de um ser humano que, voluntariamente, modifica a realidade fática ao seu redor. Ou, como bem diz Wanessa Mota Freitas Fortes, é a
Ação ou omissão violadora de direitos: A ação capaz de ensejar indenização é o ato humano, voluntário e imputável. Aqui se incluem também, os atos praticados por distração (negligência e imprudência) e as omissões do agente, se houver o dever de agir, de praticar o ato omitido. A lei prevê a responsabilidade por ato próprio ou de terceiro. A responsabilidade indireta, ou seja, aquela que se dá quando alguém responde pelas consequências de ato ilícito praticado por outro agente, ocorre quando o profissional é juridicamente responsável pelos atos de terceiro. [...]
O segundo elemento é o dano. Não é exagero falar que o dano constitui o “pano de fundo” da responsabilidade civil, uma vez que alguém só poderá pleitear uma indenização se houver sofrido uma diminuição no seu patrimônio físico ou moral. Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho, com o brilhantismo que lhe é peculiar, diz que
[...] Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar”.
Mais à frente chegamos ao nexo de causalidade – terceiro elemento da responsabilidade civil. Por nexo, entendemos o liame, a ligação existente entre a conduta humana e o dano gerado.
Para Wanessa Mota Freitas Fortes, nexo de causalidade
[...] É a relação que deve existir entre a ação ou omissão do agente e o dano causado. É a relação de causa e efeito. Constitui elemento essencial ao dever de indenizar, porquanto que na sua inexistência, também inexistirá a responsabilidade civil.
Por fim, o quarto e último elemento constitutivo da responsabilidade civil é a culpa em sentido amplo, visto que abrande tanto a culpa em sentido estrito como também o dolo.
Tratando dessa diferenciação entre culpa es sentido estrito e dolo, Rui Stoco
Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligencia, existe a culpa (stricto sensu).
Por fim, valemo-nos mais uma vez das elucidações de Wanessa Mota Freitas Fortes:
Culpa ou dolo do agente: O dolo consiste na ação ou omissão voluntárias. É a vontade consciente de violar um direito, de cometer o ato ilícito. Culpa, por sua vez, é a negligência (inobservância das normas que impõe a atenção e discernimento) e a imprudência (precipitação, procedimento sem a cautela necessária).
Vejamos agora as hipóteses em que será possível excluir a responsabilidade civil.
7. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Há casos em que, não obstante termos todos os requisitos configuradores da responsabilidade civil elencados no presente trabalho, não haverá o dever de indenização, pois estaremos diante de uma das excludentes de responsabilidade civil.
A doutrina é pródiga em exemplo de excludentes, porém, adoraremos aqui apenas algumas hipóteses trazidas por brilhante Paulo Nader. Vejamos.
A primeira excludente é a imunidade parlamentar. Segundo o autor,
Nem todo dano causado a outrem impõe o dever de ressarcimento. A Constituição Federal isenta os deputados e senadores da responsabilidade civil e criminal, relativamente a suas opiniões, palavras e votos. É a dicção do caput do art. 53, cuja teleologia é assegurar a liberdade necessária ao pleno exercício da função, para a qual foram eleitos. Iguais direitos protegem a atuação de deputados estaduais (art. 27, § 1°, CF) e vereadores (art. 29, VIII, CF). A tutela não tem por objetivo principal a proteção de membro do Legislativo, mas da própria sociedade em nome da qual exerce o mandato. A imunidade parlamentar constitui privilégio indisponível.
Pedimos venia ao brilhante autor supratranscrito apenas para discordar do termo “privilégio” utilizado pelo autor ao se referir à imunidade parlamentar. Entendemos que se trata, tecnicamente, de uma prerrogativa em função do cargo ocupado pelos detentores de mandato eletivo. Privilégio remonta a ideia de que seria algo intrínseco ao próprio parlamentar, quando não é assim.
A segunda excludente trata da imunidade dos advogados. Segundo Nader,
O Estatuto da Advocacia – Lei n° 8.906, de 04.07.94 –, pelo art. 2°, § 1°, dispõe que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, no exercício da profissão, respeitados os limites do próprio Estatuto. Mais direto e específico é o art. 7°, § 2°, ao desconsiderar delitos de injúria, difamação ou desacato, quaisquer manifestações do causídico, em juízo ou não, na tutela dos interesses de seus clientes. Quanto aos eventuais excessos, a disposição legal prevê sanções disciplinares perante ao órgão de classe – OAB – mas evidentemente as consequências possíveis não se limitam à imposições administrativas. Conforme a conduta, esta pode caracterizar abuso de direito, tornando-se o profissional suscetível de responder civil e criminalmente por seus atos, sem corresponsabilidade, em tese, de seu cliente. O advogado não se sujeita a responder judicialmente por danos morais ou materiais, quando os seus atos decorrem do exercício da profissão. A intangibilidade é restrita ao campo profissional e não tem por objetivo beneficiar o causídico, mas a garantir o cliente com uma atuação desenvolta [...].
Tratando ainda da imunidade do advogado, mas, agora, especificamente no campo penal, Nader afirma que
A excludente de responsabilidade criminal, quanto a ofensas irrogadas em juízo pelo advogado, ou pela parte, se acha expressa no Código Penal, art. 142, inciso I. Enquanto a Lei Penal limita a imunidade do procurador e da parte às ofensas em juízo, na discussão da causa, o Estatuto da Advocacia (art. 7°, § 2°) restringe-se, naturalmente, à atuação do profissional, e em maior amplitude, pois alcança a sua atividade em juízo e fora dele. Neste ponto a Lei Penal foi derrogada pelo Estatuto.
A terceira hipótese trata da imunidade diplomática. Para Nader,
A imunidade dos Estados estrangeiros e de seus representantes, restrita à jurisdição e execução, prevista nas Seções 2 e 3 da Convenção de Londres, de 1946, não alcança os feitos da responsabilidade civil. O privilégio geral, reconhecido no concerto das nações não situa o Estado estrangeiro e seu corpo diplomático acima das leis civis e penais do Estado-sede; restringe-se a não se sujeitar à jurisdição.
A quarta hipótese é grande importância prática, pois trata da cláusula de não indenizar. Vejamos o que nos Paulo Nader traz:
A doutrina examina separadamente a isenção de indenizar na responsabilidade aquiliana e na contratual. Em qualquer caso, a cláusula impeditiva não terá validade quando pretender neutralizar os efeitos de norma de ordem pública. [...] Igual efeito à cláusula de não indenizar é a estipulação de valor mínimo, insignificante, para a hipótese de violação do direito e danos. Se a inserção da cláusula tiver a finalidade de burlar a proteção legal, deve ser considerada nula. Válida somente quanto as partes puderem, livremente, excluir a obrigação de indenizar.
A quinta hipótese é a legítima defesa. Quanta a esta, Paulo Nader diz que ela
Aplica-se tanto à responsabilidade civil quanto à criminal. Ao causar os danos o agente encontra-se em situação excepcional: diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, à sua pessoa ou à outrem. O autor não responde pelos danos, pois a sua prática não constitui ato ilícito à luz do inciso I do art. 188. A definição de legítima defesa não é formulada pelo Código Civil, devendo ser buscada na Lei Penal, que trata da matéria no art. 25. Quando, todavia, a ação praticada em legítima defesa causa danos a terceiro isento de culpa, haverá a responsabilidade civil.
A sexta e última hipótese a ser exposta no presente trabalho trata do caso fortuito e da força maior. Paulo Nader afirma que
Alguns autores incluem o caso fortuito ou força maior no elenco das excludentes de responsabilidade civil, ao lado da legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal. Entendemos mais adequado considerar-se o act of God uma causa de rompimento da causalidade. Tal efeito ocorre tanto na responsabilidade subjetiva quanto na objetiva. Enquanto nas excludentes de ilicitude os agentes são autores dos danos, embora sem incidir em responsabilidade, nas causas de rompimento do nexo causal se atribui a determinada pessoa a autoria da lesão. [...]
8. CONCLUSÃO
Diante do exposto no presente trabalho, podemos concluir que a responsabilidade civil passou por inúmeras fases até chegar ao estágio atual de responsabilização patrimonial.
Em seguida, definimos a responsabilidade civil como sendo o instituto jurídico na qual se busca indenizar alguém vítima de um dano, causado por uma pessoa física ou jurídica, em sua esfera de direitos material ou moral.
Após a conceituação, abordamos os princípios que regem a responsabilidade civil, dando ênfase àqueles que julgamos essenciais quando do estudo presente.
Em relação às espécies de responsabilidade civil, vimos a contratual, também denominada negocial, e a extracontratual, chamada de aquiliana. Por outro lado, vimos também a responsabilidade civil objetiva, em que não é preciso analisar a culpa do agente, e a subjetiva que se funda na culpa – culpa estrito senso ou dolo.
No tocante aos elementos constitutivos, adotamos a classificação mais utilizada pela doutrina, qual seja, conduta humana, dano, nexo causal e culpa em sentido amplo.
Por fim, trouxemos, em rol meramente exemplificativo, algumas hipóteses elencadas pelo mestre Paulo Nader.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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