A Psicologia e o Direito Penal entram em choque quando se ocupam de conceituar o erro, bem como de estabelecer suas relações com a ignorância.
Conforme Jiménez de Asúa, existe, na seara "psi", distinção fundamental entre a ignorância e o erro; diferenciação, aliás, que remontaria às lições de Platão. A primeira indicaria a falta absoluta de toda representação e consistiria na ausência de informação sobre um objeto determinado, ou seja, um estado negativo. O erro, de outra banda, suporia uma ideia falsa, uma representação errônea de um objeto certo, logo, um estado positivo. Em suma: ignorância como falta completa de conhecimento ao passo que o erro enquanto conhecimento falso.[2]
No campo jurídico, contudo, o tema não é pacífico. Tanto no Brasil quanto no exterior há polêmica. Alguns doutrinadores fazem questão de afastar a identidade conceitual desses termos enquanto outros defendem o reconhecimento de certa ou completa sinonímia.
Cite-se, v.g., a conhecida lição de Maggiore, segundo a qual a ignorância seria um erro total ao passo que o erro indicaria uma ignorância parcial.[3] A maioria dos penalistas, contudo, embora reconheçam a existência de distinção conceitual entre erro e ignorância, afirmam que, à luz do ordenamento penal, essa diferenciação torna-se irrelevante.[4] (vide, por exemplo, Asúa, Munhoz Neto, Aníbal Bruno, Francisco Toledo, Fragoso e Noronha).
Aníbal Bruno entendia a ignorância como ausência de representação, e o erro, propriamente dito, enquanto representação disforme da realidade. Adverte-nos, entretanto, que essas duas situações psicológicas distintas – o “não conhecimento” e o “conhecimento falso” – são tratadas igualmente no Direito sob a denominação de “erro”. Diz mais: “Realmente, sob o ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, como da maneira pela qual atuam na mente do sujeito sobre as condições do momento psíquico do fato, não há interesse em distinguir essas duas situações. Ambas, quando reúnem as condições necessárias, se apresentam como causa de exclusão do (...) dolo e algumas vezes da culpa”.[5]
Semelhante a posição de Munhoz Neto, segundo o qual não haveria “inconveniente em unificar, no terreno jurídico, os dois conceitos, dada a identidade das consequências que produzem: incidem sobre o processo formativo da vontade, viciando-lhe o elemento intelectivo, ao induzir o sujeito a querer coisa diversa da que teria querido, se houvesse conhecido a realidade”.[6]
Paulo José da Costa Júnior resume a questão: “ignorar é não saber; errar é saber mal”.[7] Em outras palavras, o erro é a percepção equivocada da realidade, é a falsa apreciação da realidade, ou, ainda, é a má apreciação da realidade. Enquanto a ignorância corresponde ao vazio da realidade, a ausência de conhecimento.
Assim, quem erra, conheceu ou apreendeu a realidade, mas o fez precariamente, o fez distorcidamente. Já aquele que ignora, nem sequer captou a realidade, nem chegou a aprender algo ou conhecê-lo, simplesmente desconhece totalmente.
De fato, embora existente a distinção conceitual entre erro e ignorância, irrelevante, em sede de Direito Penal, a posição separatista ou diferenciadora, visto que os efeitos de ambos são rigorosamente os mesmos, pelo menos quanto ao tema ora tratado (a saber: a disciplina do erro à luz do Código Penal reformado de 1984).
Aliás, a opção pela tese unitarista não se limita ao cenário nacional; muito pelo contrário, tem encontrado acolhida em outros tantos ordenamentos internacionais. Tal é o caso da legislação penal argentina, a qual, segundo Fontán Balestra, também preferiu não realizar a distinção entre erro e ignorância.[8]
[1] JESUS, Damásio E. Direito Penal. v. 1. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 489.
[2] ASÚA, Luis Jiménez de. Tratado de Derecho Penal. t. VI. Buenos Aires: Editorial Losada, 1962, p. 313.
[3] MAGGIORE, Diritto Penale. apud COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 82.
[4] BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. t. II. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, pp. 109, 110 / BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. 01 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 623 / CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Trad. de José Luiz V. de Franceschini e Prestes Barra. t. I. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 194 / GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 03 ed. t. I. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 274 / JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de Derecho Penal. t. VI. Buenos Aires: Losada, 1965, p. 313 / MUNHOZ NETO, Alcides. A Ignorância da Antijuricidade em Matéria Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 3.
[5] BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. t. II. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, pp. 109, 110.
[6] MUNHOZ NETO, Alcides. A Ignorância da Antijuricidade em Matéria Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 3.
[7] COSTA JÚNIOR, Paulo José. op. cit., p. 82.
[8] BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de Derecho Penal – parte general. 2 ed. v. 2. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, pp. 310, 311: “La distinta naturaleza de la ignorancia y el error radica en que la primera supone la ausencia absoluta de conocimiento respecto de determinada materia, en tanto que el error implica un conocimiento, que se tiene por verdadero o exacto, siendo falso. (...) La diferenciación carece de interés en la práctica, tanto porque es difícil imaginar un puro no saber en el que obra, como porque las legislaciones en general suelen equiparar los efectos jurídicos del error y la ignorancia”.