Testemunhas da injustiça

09/10/2017 às 17:30
Leia nesta página:

Elas ouviram, elas viram, elas sabem e podem nos ensinar.

Elas viram que você denunciou o réu sem justa causa e que você a recebeu de maneira genérica, com aquela decisão "erga omnes".

Elas viram que você apresentou defesa criminal escrita, em razão da "revelia" processual penal, sem tentar contato ou aproximação com o réu, despreocupado com uma defesa técnica efetiva e com uma produção probatória mínima.

Elas ouviram você sustentar em plenário de júri, como argumento de autoridade, que as testemunhas ouviram dizer que uma pessoa disse que outra comentou que o réu concorreu para o crime doloso contra a vida.

Elas viram que indícios foram conceituados como prova bastante para condenação criminal de uma pessoa e que, mesmo não havendo prova de autoria, você sustentou acreditar na culpa do réu.

Elas viram você tentando impedir a oitiva das testemunhas "de defesa" presentes no tribunal, prejudicando a ampla defesa do réu, ignorando a busca da sua denominada verdade "real".

Elas sabem que condenação criminal não é sinônimo de justiça e que absolvição não é sinônimo de impunidade. Elas explicaram que dependerá da análise detalhada de fatos, provas e argumentos. Sempre depende.

Elas sabem que você majora pena se utilizando de elementos normativos do tipo penal e para evitar suposta impunidade após justa e adequada redução da pena no Tribunal. 

Elas comentam que você não fiscaliza e visita as unidades prisionais tampouco faz reavaliação periódica da situação processual dos presos provisórios, além de engavetar ofícios da direção das unidades de aprisionamento de pessoas solicitando providências e soluções quanto à superpopulação, falta de comida e de água, de higiene e habitabilidade. Sim, lá existem pessoas. Foi o que elas disseram.

Elas viram que você ingressou com demanda judicial sem tentativa extrajudicial autocompositiva, ignorando a mediação, conciliação, arbitragem e a prioridade dos demais métodos adequados de solução dos conflitos pessoais, individuais e coletivos.

Elas contam que você abandonou a causa no trâmite do processo sem comunicação ao contratante nem seguiu o prazo legal de representação jurídica.

Elas contam que você faz de tudo para determinar emenda à petição inicial, apontando falhas, defeitos e irregularidades, pena de extinção processual prematura, além de ignorar a lógica do processo cooperativo e da primazia do julgamento de mérito. Ah, a lógica da produtividade em detrimento da definitividade.

Elas viram você aplicando a lei na sua literalidade fria, afastando-se das demais normas do ordenamento jurídico. Sim, elas disseram que existem normas constitucionais, infralegais e, olhem só, até supralegais ou convencionais.

Elas contam que no mundo das autoridades, quem manda é a arbitrariedade, pois a humildade é circunstância de pouca idade e ainda sem maturidade.

Elas dizem que você age como quem nunca leu a lei de sua carreira ou profissão, pois demonstra desconhecer seus deveres, proibições, ética e limites de garantias e prerrogativas. Sim, tudo tem limites.

Elas contam que você institucionalizou argumentos sexistas, racistas, violentos, discriminatórios, homofóbicos, misóginos e masculinistas.

Elas contam que você fecha os olhos para a realidade da miséria, dos invisíveis sociais, dos grupos vulneráveis, encastelando-se na autoridade do cargo e no conforto dos gabinetes.

Elas acham que suas leituras e fontes de cultura limitam-se aos jornais televisivos, programas populistas e livros míopes. 

Elas contam que você não difunde conhecimento jurídico, direitos humanos e cidadania, mesmo sendo o conhecimento a maior arma da democracia.

Elas me contaram situações inúmeras. 

As testemunhas podem nos ensinar que injustiças deixam marcas que jamais podem cicatrizar na alma de quem as sofreu, de quem as encarou.

Elas pedem para encerrar todo esse depoimento, sob pena de as acusarem pelo crime de falso testemunho, em razão das inverdades acima ditas, pois são meras fofocas. Detratoras!

Ouçamos as testemunhas. Acreditemos mais nelas. A Justiça assim espera! 

Sobre o autor
Ígor Araújo de Arruda

1) Defensor Público na Defensoria Pública de Pernambuco desde 1°/10/2015, aprovado no II concurso público. Atualmente exerce suas funções na 6ª Vara de Família e Registro Civil da Capital com acumulação no Núcleo Temático Cível da Capital. 2) Ex-Defensor Público na Defensoria Pública do Maranhão entre 23/4/2012 a 30/9/2015, aprovado no IV concurso público aos 24 anos de idade. Atuou nos Núcleos Regionais de Açailândia e Imperatriz. 3) Autor do livro "Defensor Público Estadual: guia completo sobre como se preparar para a carreira" (JusPodivm, 2019, 2ª edição). 4) Coautor-colaborador nos livros "Teoria Geral da Defensoria Pública" (D'Plácido, 2020) e “Defensoria Pública, Constituição e Ciência Política” (JusPodivm, 2021). 5) Aprovado e convocado Defensor Público no I concurso público da Defensoria Pública da Paraíba. 6) Nomeado Analista Judiciário (área judiciária) do TJ/PB. 7) Aprovado Analista Jurídico da SESCOOP/PB (2010). 8) Ex-membro da comissão especial da LC n. 80/1994 (LONDP) da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (ANADEP). 9) Foi advogado privado na Paraíba. 10) Ex-membro da Comissão de Direitos Difusos e Relações de Consumo da OAB/PB. 11) Autor de artigos jurídicos, com especial citação no STJ (RHC 61.848-PA, T5, DJe 17/8/2016). 12) Foi coordenador de curso preparatório para concursos públicos de carreiras jurídicas. 13) Professor. 14) Pós-graduado em Direito Público (2011-2012).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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