Proibição de excesso e proteção deficiente no Direito Penal.

Conceito jurídico Indeterminado de ato libidinoso.

Leia nesta página:

O presente artigo demonstra o princípio constitucional da razoabilidade aplicado ao Direito Penal, notadamente, no que concerne à proibição de excesso e de proteção insuficiente, perpassando pelo conceito indeterminado de ato libidinoso.

 

2.1 O CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO DE ATO LIBIDINOSO E RELAÇÃO COM A PROIBIÇÃO DE EXCESSO E DE PROTEÇÃO DEFICIENTE.  

Com a promulgação da Lei n. 12.015/09, que revoga o artigo 214 do Código Penal e desloca a expressão “ato libidinoso diverso da conjunção carnal” para o crime de estupro, no artigo 213 do referido Código, há uma mera extinção de autonomia do crime de atentado violento ao pudor sem a devida importância de se estabelecer os limites de sua abrangência. Esses limites inexistentes deixam uma brecha para interpretação diversa dos magistrados, enquanto há uma clara necessidade de determinação de conduta típica que o legislador quer punir com tamanha austeridade.

Realizando uma breve análise ao crime de estupro, percebe-se que houve intenção do legislador de criar tal tipo penal para punir com severidade o agente que constrange a vítima a praticar com ele atos libidinosos. Assim, há a criação de uma verdadeira repulsa da sociedade a tal termo. Entretanto, usando a proporcionalidade e razoabilidade, é perceptível que nem todo ato libidinoso de cunho sexual é suficiente para configurar tal delito.

Manifestamente, existem atos libidinosos que configuram, de fato, o delito de estupro, quando há uma incontestável violação da dignidade sexual da vítima e, dessa forma, o agente praticante de tal conduta deve ser severamente punido. No entanto, se a conduta praticada não foi apta o suficiente para configurar o ato libidinoso do crime de estupro, não há uma figura típica justa, e resta uma clara desproporção entre a conduta e punição. A solução que a doutrina e jurisprudência têm tomado, no segundo caso, é a desclassificação de tais atos como crime de estupro e enquadrando-as na contravenção de importunação ofensiva ao pudor:

Embora esta solução tenha sido a mais razoável a se aplicar, as necessidades sociais não são atendidas. Ora, a contravenção penal é praticamente despenalizada, sucumbindo apenas em multa e não protegendo a vítima dos atos sofridos. Por outro lado, a tipificação de certas condutas como estupro parece um tanto exagerada. É perceptível que o conceito de ato libidinoso é irrestrito e extremamente difícil de se adequar tipicamente. Ao passo que existem práticas como o sexo oral, anal e masturbação, existem comportamentos que beiram a atipicidade e não devem se enquadrar no conceito de estupro.

Nesta seara, o princípio da proporcionalidade e os seus institutos acessórios, sendo eles a proibição do excesso e proibição de proteção deficiente, serão fundamentais para a definição de um novo tipo penal que abarque tais condutas, afim de não caírem na esfera da impunidade, pelo fato da contravenção penal ser praticamente despenalizada, mas também não sejam exageradamente penalizadas com a tipificação do estupro.

Advindos do princípio da proporcionalidade e previamente explicados no tópico X deste artigo, a proibição do excesso e proibição da proteção deficiente devem ser o baluarte da criação de um conceito determinado de ato libidinoso. O crime de estupro, tipificado no Artigo 213 do Código penal é tido como hediondo e, após criação da lei 12.015/09 passou a englobar também a conduta de prática de ato libidinoso

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos

Quanto à primeira parte do artigo, referindo-se a conjunção carnal, não há qualquer dúvida da aplicação do seu conceito, tendo em vista que se refere ao coito vaginal. No entanto, a caracterização de atos libidinosos para fim de estupro sofre uma divergência doutrinária e jurisprudencial enorme. Logo, a insegurança jurídica se faz presente, pois há a possibilidade do magistrado configurar como delito de estupro um ato libidinoso insignificante e condenar seu autor a uma pena privativa de liberdade, em regime fechado, por crime hediondo. Por outro lado, caso haja juízo por um magistrado garantista e que analise cuidadosamente a proibição do excesso e proibição de proteção deficiente, este réu poderá desclassificar o delito para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, gozando dos benefícios e medidas despenalizadoras previstos na Lei 9.099/95.

Outrossim, a desarmonia entre possíveis decisões sobre o assunto torna incontestável a necessidade de pacificação de determinação do termo ato libidinoso. Ora, deverá o acusado de beijo lascivo ser acometido pela mesma pena de um homicida? Partindo de uma visão garantista, se aduz do ensino de Rogério Greco:

“Apesar da dúvida, o beijo lascivo poderia, ainda hoje, mesmo depois da edição da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, ser entendido como delito de estupro, quando a vítima a ele é obrigada pelo agente mediante o emprego de violência ou grave ameaça? Entendemos que não. Por pior que seja o beijo e por mais feia que seja a pessoa que o forçou, não podemos condenar alguém por este fato a cumprir uma pena de, no mínimo, seis anos de reclusão, isto é, com a mesma gravidade que se pune um homicida (2012, p. 493)”.

Ou seja, condutas como o beijo lascivo e a carícia de coxas e seios, caso enquadradas no Artigo 213 do Código Penal, possuirão uma penalização extremamente dura e desproporcional ao ato praticado. É necessária a devida ponderação e desclassificação do delito nos casos em que este seja o caminho que traga uma proporcionalidade maior a pena:

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“...atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não devem ser classificados como estupro e sim a contravenção penal supracitada, pautando-se no princípio da proporcionalidade, não se podendo ignorar o desvalor da conduta e do resultado, exigindo punições distintas e menos severas à daqueles que, de fato, violam a dignidade sexual da vítima, constrangendo-a, forçando-a, a prática de determinados atos.” Guilherme Nucci (2010, p. 948).

O filme “Acusados” (1988), demonstra possuir intima relação com o tema proposto neste artigo. A trama é baseada numa historia real, de uma jovem que trabalhava em determinado bar nos Estados Unidos, e em seu momento de descanso, foi ao referido bar no período noturno com sua amiga, aonde viera a ser vitima de estupro. O filme nos direciona a fazer alguns questionamentos, dentre eles, qual o parâmetro de justiça em um sistema jurídico penal? Existe a possibilidade da vítima de algum modo contribuir para a violência sexual?

A proporcionalidade entre o crime que foi praticado e a pena imposta a ele, se apresenta como o grande desafio. No filme em tela os indivíduos que cometeram o estupro, após uma transação responderam pelo crime de lesões corporais, que possui pena inferior a do estupro. Logicamente, pelo bem tutelado no crime de estupro, o que se espera é a descoberta da verdade real, para que se tenham todos os elementos do fato e proceda o julgamento de acordo. Na trama, houve uma reviravolta, visto que, se conseguiu a condenação daqueles que assistiram e nada fizeram, e de alguma forma até incentivaram que o crime fosse perpetrado. Neste viés, fica evidenciado a proibição de proteção deficiente.

No filme, vê-se que a promotora publica foi constrangida por colegas a abandonar o caso, e quando houve proposta de acordo, aceitou. O modo como em geral a sociedade trata do tema, é evidenciado pelos dados expostos no fórum de segurança publica brasileira ocorrido em 2015, em que se admitiu que apenas cerca de 35%(trinta e cinco) das vitimas efetuam a queixa crime, e mesmo assim, a cada 11 minutos ocorre um caso de estupro.


3. CONCLUSÃO 

Deste modo, importa que as elementares do tipo sejam de fato preenchidas pela conduta do agente, de modo a propiciar-lhe pena proporcional, para que não lhe seja imputada pena desproporcional.


REFERÊNCIAS 

DIAS, Jean. A proibição do excesso (Übermassverbot) e a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) no direito penal. Disponível em: <https://jeancarlodias.jusbrasil.com.br/artigos/429256367/a-proibicao-do-excesso-ubermassverbot-e-a-p.... Data de acesso: 18/08/2017

PORPINO, Isabela V. S. Constituição e Proporcionalidade: direitos fundamentais entre a proibição do excesso e a proibição da proteção deficiente. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17877>. Data de acesso: 18/08/2017

SLAIBI FILHO, Nagib. Do princípio da proibição do excesso. Disponível em: <http://www.nagib.net/index.php/variedades/artigos/constadminteori/266-do-principio-da-proibicao-do-e.... Data de acesso: 18/08/2017

SILVA, Jéssica F. O princípio da proporcionalidade, o conceito de ato libidinoso no crime de estupro e a criação de um tipo penal intermediário. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49529/o-principio-da-proporcionalidade-o-conceito-de-ato-libidinoso-no-cr...; Data de acesso: 27/08/2017

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Sobre os autores
Taiana Levinne Carneiro Cordeiro

Advogada criminalista, professora de penal e processo penal da faculdade de Ilhéus/BA, professora de cursinho preparatório para concurso, especialista em processo penal.

Thiago

Graduando de Direito - CESUPI

João Botelho

Graduando em Direito - CESUPI

Thiago Amado

Graduando em Direito - CESUPI

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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