Ampla defesa e contraditório no processo administrativo

Resumo:


  • O princípio do contraditório e da ampla defesa é garantido pela Constituição Federal no art. 5º, LV, assegurando aos litigantes em processos judiciais ou administrativos e aos acusados em geral o direito de se manifestarem e produzirem provas.

  • A Súmula Vinculante nº 5 do STF estabelece que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição, indicando a não obrigatoriedade de defesa técnica nesses processos.

  • O princípio da ampla defesa é historicamente garantido no direito constitucional brasileiro e está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, assegurando o direito à informação, à manifestação e à consideração das razões apresentadas pelo acusado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo tem por objetivo apresentar dois dos mais importantes princípios constitucionais do processo administrativo: o contraditório e a ampla defesa.

1.       INTRODUÇÃO 

A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa requer sejam dadas ao interessado ciência da instauração do processo e oportunidade de se manifestar perante a autoridade judicial ou administrativa, produzindo ou requerendo provas.

O princípio do contraditório e da ampla defesa trata-se de princípio esculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo 5º, inciso LV, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”.


2.       PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

Dentre os direitos e garantias fundamentais insculpidos no artigo 5º da Carta Magna Republicana de 1988, destaca-se e contraditório e ampla defesa, in verbis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

(...) 

LV – LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (BRASIL. 1988)

Levando em consideração a assertiva constitucional acima mencionada, deve-se observar o teor da Súmula Vinculante nº 05, in verbis: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição”.

Com efeito, o STF entendeu não haver violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a não obrigatoriedade de defesa técnica nos processos administrativos disciplinares.

Não bastasse a questionável decisão proferida em sede de Recurso Extraordinário, os eminentes Ministros do STF aprovaram súmula com efeito vinculante – a Súmula Vinculante nº 5 – que assumiu a seguinte redação: “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. A súmula foi editada de forma explícita pelos ilustres magistrados, “exatamente para negar o enunciado da Súmula do STJ” (fls. 761 do acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº 434.059-3/DF). E, com isso, foi consagrada manifesta inconstitucionalidade, em desprestígio às conquistas da doutrina em matéria de garantias constitucionais do processo administrativo disciplinar, suscitando repercussões negativas em todas as esferas da Administração Pública brasileira e autorizando, solenemente, a violação de direitos fundamentais do cidadão até então reconhecidos pela jurisprudência pátria.

No intuito de justificar tal entendimento, o STF emitiu jurisprudências a respeito do tema, conforme se observa abaixo:

"Na espécie, o único elemento apontado pelo acórdão recorrido como incompatível com o direito de ampla defesa consiste na ausência de defesa técnica na instrução do processo administrativo disciplinar em questão. Ora, se devidamente garantido o direito (i) à informação, (ii) à manifestação e (iii) à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em sua plenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal. (...) Nesses pronunciamentos, o Tribunal reafirmou que a disposição do art. 133 da CF não é absoluta, tendo em vista que a própria Carta Maior confere o direito de postular em juízo a outras pessoas." RE 434.059, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 7.5.2008, DJe de 12.9.2008. (STF) 

O autor Marcelo Harger (2008) ressalta a interdependência entre contraditório e ampla defesa da seguinte forma:

Apesar de ser possível separá-los mediante uma abstração, pode-se dizer que eles estão intimamente relacionados. Um não existe sem o outro. Não há ampla defesa, se o contraditório inexistir. A inexistência de possibilidade de ampla defesa, por outro lado, acarreta no mínimo um contraditório imperfeito. [...] Essa interdependência entre os princípios faz com que eles acarretem diversos desdobramentos comuns. (HARGER, p. 136).


3.       AMPLA DEESA

O princípio da ampla defesa vem expressamente previsto no direito constitucional brasileiro a partir da primeira Carta Maior. Assim, é garantia que se poderia qualificar de clássica em nosso direito público, pois o acompanha desde sua instalação.

A autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012), em sua obra, explica sobre a base do princípio da ampla defesa:

É o que decorre do art. 5º, LV, da CF e está também expresso no art. 2º, parágrafo único, inciso X, da Lei nº. 9.784/99, que impõe, nos processos administrativos, sejam assegurados os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e á interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio.(DI PIETRO, 2012, p. 686).

 Não obstante, a ampla defesa é tutelada especificadamente também na Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu Artigo XI, e na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu Artigo 8º, que trata das garantias judiciais. 

Segundo Diógenes Gasparin (2005, p. 78), a ampla defesa “é exercida mediante a segurança de três outros direitos a ela inerentes, que são: direito de informação, direito de manifestação e direito de ter suas razões consideradas”. No direito a informação o acusado tem acesso a todos os atos processuais, o de manifestação assegura o pronunciamento em todas as fases do processo e de ter suas razões consideradas, portanto, a decisão deve considerar e enfrentar, uma a uma, as sustentações da defesa.


4.       CONTRADITÓRIO

Previsto no inciso LV, do art. 5º, da Constituição, o princípio do contraditório significa participação do administrado na integralidade do processo administrativo, no exercício do direito de influenciar ativamente a decisão a ser proferida (MOREIRA 2010, p. 310).

Sobre o Princípio do Contraditório, diversos autores discorrem sobre o tema:

O princípio do contraditório confere ao processo administrativo a característica de uma atividade dialética que exige o estabelecimento de premissas claras fixadas logo quando de sua instauração (de impossível modificação unilateral posterior) com plena compreensão quanto ao sentido e alcance das palavras, textos legais e as consequências de uma eventual imputação, instruído e irradiado por um espírito de abertura e possibilidade de acolhida de argumentos alheios. (MOREIRA, 2010, p. 310).

Já a autora Di Pietro salienta que:

O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-lhe a oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação. (DI PIETRO, 2012, p. 686). 

Em análise ao contraditório, José Afonso da Silva (2009) afirma que tal princípio é:

Pressuposto indeclinável de realização de um processo justo, sem o qual a apreciação judicial é ausente de valor. Pondera ainda que a natureza processual do Contraditório encontra-se na regra audiat altera pars. Segundo tal regra, deve-se dar ciência a cada litigante dos atos praticados pelo contendor, para serem contrariados e refutados. (SILVA, 2009, p. 154)

Conforme Moreira (2010, p. 310), o contraditório configura a garantia de ser cientificado com clareza não só a existência do processo, mas de tudo que nele ocorra, podendo o particular manifestar-se a respeito de todos os atos e fatos processuais, gerando, em consequência, o dever de órgão julgador apreciar tais intervenções e toma-las em conta ao proferir sua decisão. Afirma ainda que o processo administrativo é justamente um dos meios através dos quais se dá o exercício da cidadania, garantido pelo contraditório.


5.       SÚMULA VINCULANTE  

O Supremo Tribunal Federal passou a editar Súmula Vinculantes, sendo que aqui interessa especificamente a Súmula Vinculante nº 03, a qual foi aprovada em sessão plenária datada de 30.05.2007 e que tem a seguinte redação, cuja transcrição é importante para que se anota as mudanças ocorridas na redação aprovada:

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Súmula Vinculante nº 03

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. 

Nesses precedentes, nota-se uma preocupação daquele Superior Tribunal com a questão da aplicação ou não do contraditório e da ampla defesa no âmbito dos processos que tramitam nos Tribunais de Contas, no âmbito de seu controle externo.

Em primeiro lugar, afirma o Ministro Gilmar Mendes que os princípios do contraditório e da ampla defesa são assegurados pela atual Constituição de 1988 a todos os litigantes, não importando se o processo é judicial ou administrativo, sendo direito de defesa que a doutrina vem entendendo como uma pretensão à tutela jurídica, e não apenas um simples direito de manifestação no processo. Cita, para embasar seu argumento, decisão da Corte Constitucional alemã, nos seguintes termos:

Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado “Anspruch auf rechtiches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar. [...] (STF)

Por outro lado, afirma ainda o citado Ministro que a Lei nº 9.784/1999, a qual regulamenta o processo administrativo no âmbito federal, que os princípios da ampla defesa e do contraditório devem ser observados pela Administração Pública, conforme estatuído em seu art. 2º.

Porém, apesar de tais argumentos afastando a não aplicação do princípio da ampla defesa e do contraditório, a súmula vinculante nº 03 traz em sua parte final exceção à referida aplicação para os casos de apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.


6.       CONCLUSÃO

Na realização deste estudo verificou-se que garantir a efetividade dos princípios da ampla defesa e do contraditório no processo não é simplesmente uma tentativa de tornar o processo constitucional (sob a égide da Constituição), é muito mais do que isso, é tornar o processo um instrumento “realizador de justiça”.


7.       REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal do Brasil. Súmula Vinculante nº 03. Disponível em: <http:www.sts.jus.br>  Acesso em: 17 set. 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal do Brasil. Súmula Vinculante nº 05. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1199> Acesso em: 17 set. 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Presidência da República. Casa Civil.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

HARGER, Marcelo. Princípios constitucionais do processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a lei 9.784/1999. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.  

TOLENTINO, Fernando Lage. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Princípio constitucional da ampla defesa, direito fundamental ao advogado e estado de direito democrático: da obrigatoriedade de participação do advogado para o adequado exercício da defesa de direitos, 2007. Dissertação (Mestrado).

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Sobre as autoras
Michelle Ledyane da Silva

Estudante de direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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