GENEALOGIA PSÍQUICA NO CRIME DO COLARINHO BRANCO: Uma crítica criminológica à teoria sociológica de Edwin Sutherland na perspectiva psicanalítica da perversão

25/10/2017 às 20:05
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O presente artigo foi pensado dentro do contexto da criminologia para explicar as raízes do fenômeno perverso encontrado naqueles que praticam os denominados Crimes do Colarinho Branco.

1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, importa ressaltar que o título do presente artigo, Genealogia Psíquica no Crime do Colarinho Branco: Uma Perspectiva psicanalítica da perversão, foi pensado como clara – e, data venia, sarcástica – influência da obra Genealogia da Moral de Friedrich Nietzsche, na qual o filósofo alemão também realiza uma análise sistemática da origem, porém no caso, da moral. Embora se irá abordar de forma clara a escola freudiana, não há como negar a influência de Nietzsche para o pensamento psicanalítico, mormente no que se refere a questão axiológica . Pode-se dizer que da Pré-História até o período Pós-Moderno, os valores morais  inequivocamente têm se mostrado um tema de demasiada importância na evolução do pensamento humano. Porém, não obsta ressaltar que o artigo foi pensado dentro do contexto da criminologia, por meio da perspectiva psicanalítica, onde se apresentará, em conformidade com a teoria desenvolvida por Sigmund Freud, como surge, no desenvolvimento psíquico, a figura do perverso, que, como será melhor desenvolvido na sequência, se encontra com íntima relação com a psicopatia, uma vez que está relacionado com a má formação do Superego. Dessarte, o objetivo maior da presente pesquisa será o desenvolvimento da teoria psicanalista, sua comparação com a famigerada figura do criminoso do Colarinho Branco e, dentro dos estudos mais modernos sobre psicologia forense, a potencial perigosidade do agente diante das atuais penas restritivas de liberdade e políticas criminais.
    A pergunta que delimita e dá essência ao presente artigo pode ser assim formulada: como pensar a genealogia psíquica no Crime do Colarinho Branco sob a perspectiva do conceito de perversão da Psicanálise, na tentativa de desenvolver uma crítica à teoria de Sutherland? Ou seja, a levar em consideração os Crimes de Colarinho Branco, como é possível pensar na figura do psicopata, enquanto possível sinônimo do conceito de perversão, para a origem desta personalidade, e como relacioná-la, como contribuição à criminologia, para a teoria desenvolvida por Edwin Sutherland? Dessarte, a pesquisa se propõe a retomar a teoria freudiana, a apresentar o Complexo de Édipo e de Castração, com o objetivo de evidenciar como surge agente do crime.

1.1. Conceito e críticas: o Crime do Colarinho Branco
    O termo Crime do Colarinho Branco, White Collar Crimes, foi cunhado em 1939, na obra de mesmo nome pelo sociólogo estadunidense Edwin Sutherland. O qual, de acordo com prefácio da edição traduzida, escrito por Clécio Lemo, contribuiu para o campo da criminologia em três aspectos básicos: ajudou a refinar o conceito de crime do colarinho branco a partir de novas descobertas; atraiu a atenção de estudiosos para investigar essa nova área de pesquisa; e também trouxe um vigoroso debate sobre as causas da criminalidade, elevando o nível de sofisticação das teorias sobre a conduta criminosa. Contudo, como assevera o próprio sociólogo, “crime de colarinho branco pode ser definido aproximadamente como um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e alto status social no curso de sua atividade” . A dar continuidade ao conceito de tipo delitivo, comenta Luciano Feldens, em sua obra Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco:

1.    o curso do crime do colarinho branco é mais elevado; retira mais dinheiro de nossos bolsos do que todos os demais delitos combinados catalogados pelo FBI;
2.    os crimes do colarinho branco são muito difundidos, mais que os crimes de pobres;
3.    os criminosos do colarinho branco raramente são presos ou condenados; o sistema desenvolveu sutis modos de lidar com  delicada sensibilidade de sua alta clientela;
4.    quando os criminosos do colarinho branco são acionados e condenados, as sentenças são suspensas ou extremamente leves quando comparadas ao custo que seus crimes impuseram à sociedade .

A primeira crítica que se pode levantar, longe de estar a sofismar, talvez, levando-se em conta o passado escravocrata, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o termo branco contido no nome, inconscientemente pode levar ao entendimento de que tais crimes são praticados por pessoas de etnia caucasiana . Por que o autor não fez referencia a gravata vermelha, que poderia indicar, ao mesmo tempo que poder e ostentação, mesmo que metaforicamente, o sangue derramado das vítimas? Dessa feita, para evitar um possível entendimento de Crime do Colarinho Branco, como Crime do Colarinho dos Brancos ou Crime dos Brancos. Pois, numa análise psicanalítica e jogo de palavras é claro ao entendimento de que colarinho branco, além de peça indumentária social, induz a ideia de que tais delitos são praticados por brancos ricos, enquanto crimes patrimoniais são praticados por negros pobres. A despeito de que, estatisticamente talvez haja semelhança e alguma veracidade, por motivos sociais, históricos e econômicos, é ridículo deixar implícita a ideia de que um negro também pode ter um cargo de chefia e cometer um crime desta natureza, assim como um branco praticar um crime contra o patrimônio. Embora pareça um mero detalhe, a levar em consideração os conflitos raciais de ambos os países, mormente no Brasil, é de se relevar que seja evitado ao máximo o conflito entre grupos. Sendo assim, este tipo de discussão, mesmo que cientificamente comprovado por meio de estatísticas, não enriquece em nada ao meio acadêmico. 
De outra banda, o termo também parece equivocado do ponto de vista histórico, pois, sobremodo ao leigo, o termo colarinho, que indica uma parte da indumentária contemporânea, juntamente com o paletó e a gravata, dá a entender que a prática das condutas, por parte da elite, embora não fosse criminalizada, é um fenômeno, em absoluto recente. Fato que é totalmente errôneo, a tomar por base a mais breve análise histórica ocidental: a elite sempre esteve envolvida com condutas imorais e, atualmente, tipificadas como crimes contra administração pública e a contra ordem econômica e tributária. Logo, caso fosse readequado aos padrões históricos de outros períodos, poder-se-ia asseverar – por mero sarcasmo – sobre os Crimes da Toga dos imperadores romanos, os Crimes do Manto da nobreza medieval, o os Crimes do Rufo da elite renascentista e, por óbvio, e não menos nefasto, os Crimes da Murça Escarlate dos portadores do anel do pescador, os quais, há dois mil anos, comentem de forma contumaz cometem condutas que coadunam muito semelhantes às estudadas e elencadas por Edwin Sutherman . Sendo assim, em homenagem à filosofia de Friedrich Nietzsche, o qual reflexe sobre a influência funesta da elite na construção moral e, por conseguinte, a toda estrutura social, a qual ele denomina aristocracismo. Assim, é de se sopesar que um termo mais  apropriado poderia ser assim cunhado: Crimes da Aristocracia ou Crimes do Aristocracismo .  
Como determinou Celso Antônio Três, o então Procurador da República, no Brasil, inicialmente a Lei Número 7.492/86, relativa aos crimes contra o sistema financeiro, restou qualificada como a do colarinho branco. Todavia, posteriormente, uma vez ostentando características similares, autores de elevado status sócio-intelectual, sofisticação do modus operandi, alta lucratividade das operações, literalmente, empreendedores do crime, organização empresarial, passam a receber a apropriada rotulagem, a exemplo dos delitos contra o consumidor, Lei Número 8.078/90, ordem tributária, econômica e previdenciária, Leis Número 8.137/90 e 8.176, mercado de capitais, artigo 27 da Lei Número 6.385/76, lavagem de dinheiro, Lei Número 9613/98, crime organizado, Lei Número 9.034/95, estelionato coletivo, artigo 171 do Código Penal, e especialmente, dada sua histórica e devastadora destruição da res publicae, a crônica corrupção, aí incluída a improbidade administrativa, Lei Número 8.429/92 . 
A crítica que se propõe, embora não seja o tema central da pesquisa, baseia-se no argumento defendido por Sutherland, bem como tantos outros autores, como os já citados Três e Feldens, sobre o argumento de que é necessário majorar as penas dos crimes praticados pela elite, pois são eles que causam dano maior a sociedade. Não obstante seus discursos inflamados em prol de uma sociedade mais igualitária, onde pobres e ricos deveriam responder igualmente aos danos, com a devida vênia, pergunta-se: qual crime causa maior dano ou trauma à vítima, o contribuinte ou consumidor que pagar a mais por sua mercadoria, por conta do sistema corrupto de propina que, em última instância, acarreta em um maior custo do produto, o munícipe que tem seu chefe do executivo envolvido em crime de superfaturamento de obras, ou será que o sofrimento maior ocorre ao pai de família que recebe a infortunada notícia de que seu filho fora assassinado com requintes de crueldade, ou a mãe ouve de sua filha a narração da cena de estupro que passara, ou então a família que tem seu parente amado sequestrado por dias e mantido, em condições sub-humanas, em um cativeiro? Será que de fato Sutherland, assim seus seguidores, tem razão ao definir que crimes contra a administração pública, a ordem econômica, previdenciária, tributária ou financeira são mais nefastos que os crimes cometidos com violência ou grave ameaça? 
Quiçá estes mesmo doutrinadores – pelo menos os que ainda restam vivos e em plena sanidade – devessem fazem o seguinte experimento empírico: uma entrevista. Peguem cem homens e mulheres foram vítima de algum crime de empresário ganancioso ou um político corrupto, então lhos perguntem qual seu sentimento sobre tais crimes, qual o efeito psicológico e traumático e qual deveria ser a sanção dadas a eles. De outro lado, peguem outros cem homens e mulheres que foram vítimas de torturadores, homicidas, sequestradores, pedófilos e estupradores, então lho façam a mesma pergunta. Embora seja apenas uma inferência, certamente a resposta será: os crimes com violência e grave ameaça geram inexoravelmente consequências mais funestado às vítimas e, indiretamente, causam maior comoção e instabilidade do que os crimes de ordem ditos de colarinho branco, por uma simples razão: existe um grau maior de perversidade, exempli gratia, no dolo  de um crime de estupro, do que em um crime de corrupção passiva.
A ideia de que majorar penas é a solução para a política penal é arcaica e remonta o primitivismo, como muito bem aponta Luiz Flávio Gomes, “o castigo do transgressor implicava na destruição simbólica do crime, e, por consequência, no restabelecimento de boas relações com as divindades” . Assim, a ideia de um Estado que tem sua política penal baseada no medo do castigo já foi superado por Cesare Bonnesana, o Marquês de Beccaria . É importante ao estudo criminológico que axiologicamente o pesquisador tente se desprender ao máximo de suas paixões e seus opiniões. O sério e metódico estudo científico requer o máximo de imparcialidade. Sendo assim, discussões e influência elitistas ou antielitistas, como crime de pobre, ou crime de rico, apenas empobrecem e desprestigiam a ciência criminal. Crimes violentos podem ter agentes de qualquer casta social, porém, é óbvio que os famigerados crimes do colarinho branco, por se tratarem de delitos ligados a chefia de empresas ou cargos públicos, estão ligados a um padrão socioeconômico mais elevado. Porém, é demasiado generalista afirmar que tais condutas delituosas são padrões. Esta afirmação não apenas é leviana, como gera revolta e instabilidade social, como se coubesse a criminologia delimitar qual esfera social é mais ou menos delituosa. A ciência que estudo o crime deve se deter a questões mais nobres e importantes, como o que origina a criminalidade e como combatê-la, mas jamais incitar a rivalidade social.   

1.2. Perfil do criminoso: Psicopata ou Perverso
    Embora o termo psicopata tenha caído em desuso no ambiente acadêmico, sua utilização em texto jornalísticos e no vocabulário popular continua em alta, contudo, não obsta asseverar que de acordo com Antonio Geraldo da Cunha, seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a vernáculo origem da aglutinação entre o termo psykhé e pathós, respectivamente, mente e sofrimento, que remete à ideia de sofrimento da mente. Como será melhor demonstrado a seguir, a análise radical da palavra demonstra que ela é não coaduna com seu verdadeiro significo, uma vez uma o dito psicopata, não sofre, quem sofre são aqueles que estão ao seu lado e são suas vítimas.  Por tal motivo, muito melhor é o termo psicanalítico, que embora mais complexo, seja um sinônimo: perverso. 
    De acordo com Fiorelli e Mangini, na obra Psicologia Jurídica, tem particular interesse para a Psicologia Forense o Transtorno de Personalidade Antissocial, também denominado psicopatia, sociopatia, transtorno de caráterm transtorno sociopático, transtorno dissocial. A variação terminológica reflete a aridez do tema e o fato de que a ciência não ter chegado a conclusões definitivas a respeito de suas origens, desenvolvimento e tratamento. Sabe-se, ainda segundo os autores, que o termo psicopatia foi cunhado incialmente por Kraepelin em 1904, segundo o qual se refere a indivíduos que não se adaptam à sociedade e sentem necessidade de ser diferentes. Além da psicologia, o fenômeno também encontra amparo na psiquiatria, e são classificados como doenças psiquiátricas, são citados na Associação de Psiquiatria Americana, DSM V, e na Organização Mundial de Saúde, CID 10. De acordo com o DSM V, a doença é chamada de Transtorno da personalidade antissocial, por meio do código 301.7: 

A. Um padrão perversivo de desrespeito e violação aos direitos dos outros, que ocorre desde a adolescência, como indicado por pelo menos TRÊS dos seguintes nove critérios:
1.    Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos éticos e legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de reprovação social ou detenção (crimes);
2.    Impulsividade predominante ou incapacidade em seguir planos traçados para o futuro;
3.    Irritabilidade e agressividade, indicadas por histórico constante de lutas corporais ou agressões verbais violentas;
4.    Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia;
5.    Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras;
6.    Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter manipulado, ferido, maltratado ou roubado outra pessoa;
7.    Tendência para enganar, indicada por mentir compulsivamente, distorcer fatos ou ludibriar os outros para obter credibilidade, vantagens pessoais ou prazer;
8.    Em alguns casos, incapacidade de conviver com animais domésticos ou ter apreço pelos sentimentos dos mesmos em geral;
9.    Dissociabilidade familiar, marcada pelo desrespeito ou desapreço.
B. Existem evidências de Transtorno de Conduta com início antes dos 15 anos de idade.
C. A ocorrência do comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco .

Já o CID-10, que denomina a doença como Transtorno de Personalidade Dissocial, afirma que a patologia é caracterizada por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade .
    Ainda sobre a psiquiatria, importante destacar que o DSM-V ainda estabelece critérios diagnósticos para o transtorno e especifica três níveis de gravidades, sendo elas: leve, quando há poucos problemas de conduta, se existem, além dos exigidos para fazer o diagnóstico, sendo que os problemas de conduta causam apenas um dano pequeno a outras pessoas; moderado, quando há um número maior de problemas de conduto e o efeito sobre outros são intermediários, entre leve e grave; e, por fim, grave, quando há muitos problemas de conduta além dos exigidos para fazer o diagnóstico ou problemas de conduta que causam dano considerável a outras pessoas. Como exemplifica de forma didática em seu livro Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado, Ana Beatriz Barbosa Silva, assevera que todos os níveis de psicopatia estão ligados a delinquência e, pelo menos, algum tipo de crime. Os de nível leve, poderiam ser classificados como pequenos furtos e estelionatos, onde o grau de sadismo não é muito elevado. O nível médio está ligado à crimes de maior dano e que interessam ao tema do Colarinho Branco, nele observa-se uma maior ausência de culpa, empatia, manipulação, trapaça e pobreza emocional, muito comum no que se espera dos crimes contra ordem a administração pública, a econômica, a previdenciária, a tributária e o sistema financeiro. Já o último nível se refere ao mais alto grau da sadismo, encontrado nos casos de estupradores e homicidas contumazes .
    Em relação à evolução histórica pela qual passou o conceito da psicopatia, de forma muito apropriada menciona Renan Pereira Monteiro, em sua dissertação Entendo a psicopatia: contribuição dos traços de personalidade e valores humanos, no início do século XIX, em 1801, Pinel falava sobre a insanidade sem delírios, uma década depois Rush a descreve como perversão das faculdades morais, em 1835 Prichard assevera sobre um defeito na personalidade, já no apogeu do século, com o influência e as novas descobertas no campo médico e biológico, Koch, em 1891, aponta, pela primeira vez, a psicopatia como tendo causas genéticas. No início do século XX, Kraepelin, contemporâneo de Freud, descreve os psicopatas como perversos, cruéis, criminosos, vigaristas e mentirosos, já em 1941, Cleckcley comenta sobre os traços afetivos e interpessoais, em 1952, com o DSM, a psiquiatria os descreve em seus aspectos sociais, traços de personalidade e condutas desviantes. O DSM, de sua primeira edição até a quinta e mais moderna, já consideram os consideram por critérios comportamentais. Um dos mais proeminente na avaliação da psicopatia é Robert Harem que refinou o conceito elaborado no trabalho seminal de Cleckley, culminando no desenvolvimento da Psychopathy Checklist, o PCL. Neste sentido coube a Hare, ainda na década de 1980, a primeira avaliação formal da psicopatia, combinando traços de personalidade e comportamentos antissociais. Ele operacionou o construto por meio da PCL e, posteriormente, a revisou, em 1991, 2003 e, mais recentemente, junto com Neumann, em 2005 .
    De acordo com Robert Hare, os psicopatas têm total ciência dos seus atos, a parte cognitiva ou racional é perfeita, ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles está no campo dos afetos e das emoções – ou segundo a perspectiva psicanalítica, como será alhures esclarecido, na desenvolvimento do Superego –. Assim, para eles tanto faz ferir, maltratar ou até matar. Ainda segundo Hare, o número de psicopatas burocratas ou colarinho branco é significativo em cargos de liderança e chefia. Por serem de difícil reconhecimento inicial, eles costumam tiranizar seus colegas de trabalho e alguns chegam a causar grandes prejuízos financeiros para as empresas que trabalham ou aos cofres públicos .    

2. DESENVOLVIMENTO
    A psicanálise é a ciência cujo objeto central é o estudo do inconsciente. Embora faça grande apelo ao aspecto sexual, esta ciência não pode ser limitada às pulsões e aos desejos de que fazem parte seu estudo. Seu papel, enquanto conhecimento, é muito maior e complexo. Embora polêmica e como mencionada por alguns atores, por exemplo o próprio Edwin Sutherland, como exagerada, uma análise mais acurada demonstra que é por meio da psicanálise, e apenas por ela, que é possível refletir e pensar sobre o inconsciente – ou pelo menos, nele enquanto um objetivo cientificamente passível de ser analisado. 
    Sendo assim, tomada a perspectiva psicanalítica como baldrame teórico, mormente por meio da releitura de Sigmund Freud, é possível, no que se refere à criminologia, pensar na questão do agente ativo, o delinquente,  ou, como entendido aqui, como perverso. Já sendo possível, como desenvolvido anteriormente, que perversão, enquanto estrutura clínica psicanalítica, remete à psicologia ou psiquiatria forense como a patologia vulgarmente conhecida por psicopatia. Dessarte, a figura do criminoso, como aponta a criminologia, pode ser entendida pela figura do perverso. O, assim batizado, Crime do Colaria Branco, então, representa uma das facetas deste fenômeno perverso, o qual, perante o entendimento psicanalítico freudiano, está intimamente ligado à sexualidade e ao desenvolvimento da criança. Assim como os demais crimes, os quais demonstram de seus agentes características como a frieza, a manipulação e a falta de remorso, as quais, em última instância, está ligada com uma má formação do juízo de moralidade. Ora: qual a genealogia da psicopatia e qual sua possível relação com os Crimes de Colarinho Branco? Em outras palavras, de acordo com o entendimento freudiano, como é possível entender o desenvolvimento perverso do indivíduo e qual sua relação o tais crimes? 

2.1. Conceito de perversão
O conceito de perversão tem muito a ver com as origens etimológicas da palavra. O substantivo deriva do verbo latino pervertere, que significa tornar-se perverso, corromper-se, depravar-se ou desmoralizar-se . Laplanche & Pontalis relatam que o conceito de perversão é extremamente amplo na ciência, existindo quatro possíveis ambiguidade a respeito dos desvios perversos: a perversão moral, a perversão social; a perversão nutricional; e a perversão sexual . A partir de meados do século XIX, o saber psiquiátrico incluiu entre as perversões práticas sexuais tão diversificadas quanto o incesto, a homossexualidade, a zoofilia, a pedofilia, a pederastia, o fetichismo, o sadomasoquismo, o travestismo, o narcisismo, o auto-erotismo, a coprofilia, a necrofilia, o exibicionismo, o voyeurismo e as mutilações sexuais. Em 1987, a palavra perversão foi substituída, na terminologia psiquiátrica mundial, por parafilia, que abrange práticas sexuais nas quais o parceiro ora é um sujeito reduzido a um fetiche, ora o próprio corpo de quem se entrega à parafilia, ora um animal ou um objeto. Retomado por Sigmund Freud a partir de 1896, o termo perversão foi definitivamente adotado como conceito pela psicanálise, que assim conservou a ideia de desvio sexual em relação a uma norma. Não obstante, nessa nova acepção, o conceito é desprovido de qualquer conotação pejorativa ou valorizadora e se inscreve, juntamente com a psicose e a neurose, numa estrutura tripartite .
            As perversões morais dizem respeito aos conflitos de valores, ou seja, as respostas que o sujeito dá ao ambiente, os autores citam a delinquência e o vandalismo. Sobre a perversão social, exemplificada pelo proxenetismo e promiscuidade, ambos genericamente relacionados com a prostituição . Apesar das controversas a respeito das ambiguidade do tema, para a psicanálise o fenômeno da perversão é analisado apenas através da ótica sexual. Em outras palavras, a perversão na psicanálise remete a idéia de perversão sexual. Ainda segundo os autores, perversão é o desvio em relação ao ato sexual normal. Em suma, ocorre quando ao invés do sujeito investir sua energia libininal na zona erógena genital, necessariamente na relação heterossexual, o sujeito passa a investir libido de outras formas .
            Freud, em 1905, classificou o desvio sexual em de três formas diferentes: desvio do objeto; desvio da zona erógena; ou desvio de ordem extrínseca. O autor também comenta que estes fenômenos podem ser ocasionais ou recorrentes, e todas são consideradas perversões . Ainda declara o autor, que no caso segundo desvio sexual, o deslocamento ocorre de objeto para objeto, ou seja, existe uma troca. O sujeito investe energia em outro elemento que não seja o genital da espécie de sexo oposto. Estão nesta classe de perversões os relacionamentos homossexuais e bissexuais, onde o investimento energético libidinal se dá para um membro do mesmo sexo, ou no caso do bissexualismo, quando há alteração no gênero do parceiro.
            Mesmo o ato copular dito ate aqui de ‘normal’, ou seja, a relação sexual heterossexual genital é discutível para Freud. Ele acreditava que qualquer investimento sexual é potencialmente psicopatológico: “O interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é também um problema que exige esclarecimento, e não uma evidência que se possa atribuir a uma atração (saudável) de base química” . De acordo com Zimerman no campo da psicanálise, Freud foi o pioneiro nos estudos das perversões, foi ele quem melhor “dedica um estudo mais sistemático e consistente sobre as perversões sexuais” . 
            Castro sopesa que no primeiro momento de construção teórica freudiana a expressão de perversão sexual designava a qualidade de aberração da própria sexualidade, Freud era influenciado pela visão científica preconceituosa e moralista de sua época. Mas, a partir desse momento, distancia-se da orientação medica, criando “um corte epistemológico com o saber vigente” . Freud passa a considerar inadequada a palavra perversão como sinônimo pejorativo e exploratório, logo “a extraordinária disfunção das perversões força-nos a supor que tampouco a predisposição às perversões é uma particularidade rara, mas deve, antes, fazer parte da constituição que passa por normal” .
            Após este período de influência moral, Freud constitui um pensamento mais imparcial, analisa. A obra de Freud pode ser distinguinda em três momentos essenciais dessa teorização. O primeiro modelo baseia-se no axioma da neurose enquanto negativo da Perversão. No segundo momento relaciona-se com a teoria do complexo de Édipo, núcleo das neuroses e também das perversões. Já o terceiro momento, define a recusa da castração como mecanismo essencial da perversão, que ganha o nome de fetiche . É na obra de 1905, Três Ensaios sobre Sexualidade, que Freud alude a máxima: “a perversão é o negativo da neurose” , e menciona pela primeira vez o conceito de perversão. Deste momento teórico, segundo Castro, a idéia genérica que se tinha era que no mecanismo de neurose os desejos sexuais infantis eram recalcados, enquanto na perversão eles são realizados. Isto demonstra que os atos perversos tinham conteúdos idênticos ás das fantasias inconscientes histéricas .
            Zimerman discorre que Freud faz da neurose o ‘negativo’ da perversão , porque nos neuróticos os impulsos pervertidos eram recalcados, ou seja, todo desejo infantil era mantido no inconsciente. No mecanismo da neurose a única possibilidade de realizar o desejo infantil é através de sintomas neuróticos. As histerias de Freud, por exemplo, realização seu desejo, o recalcado infantil, através de sintomas psicossomáticos. Estes sintomas tinham sempre uma ligação com o recalque infantil, e era por essa ponte que o desejo infantil era alcançado . 
            Não obstante, no texto ‘Fetichismo’ de 1927 Freud rompe com a ideia anterior, e cita que a perversão passa a ser associado com o fetiche do Complexo de Castração, mais precisamente com a recusa da própria castração. Zimerman assevera que em um desenvolvimento não patológico, a criança se desvencilha do Complexo de Castração sem maiores danos psicológicos se desapegando do pênis da mãe. Entretanto, contextos de ansiedade podem fazer com que o pênis se torna muito importante para a criança, e este negue sua não existência . O fetiche se instaura, com a função de preservar o falo materno da extinção. Nas palavras de Freud “o fetiche é um substituto do pênis da mãe em que outrora acreditou e que não deseja abandonar” . Segundo Freud, ainda no mesmo texto, quando o fetiche é instaurada ocorre uma interrupção instantânea da memória, semelhante a amnésia traumática. E a última impressão antes do trauma que é retida como fetiche. Em outras palavras o comportamento perverso que se da pelo fetiche serve de ponte para o falo materno recalcado. 
            Freud elucida esse fenômeno com o caso de um homem cujo fetiche era de pés e sapatos. Seu comportamento perverso se dava por liberar mais energia libidinal para os pés da parceira do que pela relação coito-genital em si. Freud esclarece que neste caso o fetiche se deu pela lembrança dos pés da mãe no contexto em que espiava o genital da mãe por baixo de sua saia . Assim, na apreciação de Laplanche & Pontalis ela não é reduzida a um desvio relativo a tendência predominante de um grupo social isolado. Ela é um fenômeno recorrente em todas as culturas, nas mais diferentes formas:

Poderíamos definir a sexualidade humana como sendo, no fundo, perversa, na medida em que não se desliga nunca inteiramente das suas origens, que lhe fazem procurar a sua satisfação, mas não numa atividade específica, mas no ‘lucro do prazer’ .

2.2. Desenvolvimento da Criança
    Embora, em princípio, a perspectiva da psicanálise demonstre ser uma ciência da sexologia, é importante notar que o vincula da sexualidade com seu principal e pioneiro pensador, Sigmund Freud, ocorreu em virtude do próprio contexto histórico em que o médico viveu. Como neurologista, suas primeiras pacientes haviam sido diagnosticadas como histéricas: inúmeros relatos de mulheres de histórico sadio e, sem qualquer explicação aparente, se mostravam com sérios problemas: cegas, paralíticas, catatónicas. Porém, sem qualquer sinal de lesão neurológica. A princípio pensou que as pacientes estavam a fingir ou a querer chamar a atenção de seus maridos, por tal motivo se manteve o nome que inicialmente os médicos as dignosticaram – mulheres histéricas! As cegas, por exemplo, apresentavam retração da retina, fato que não poderia ocorrer com uma pessoa que estivesse realmente com uma deficiência visual, por outro lado, elas não respondiam ao reflexo de fechar as pálpebras quando os médicos aproximavam objetos de seus olhos. Já as paralíticas, mesmo não apresentando qualquer sinal de lesão neural, não respondiam a qualquer estímulo de dor.
    Após um cuidadoso exame, Freud notou a relação entre os casos de histeria e seu histórico sexual. Muitas das mulheres que apresentam sintomas histéricos eram viúvas jovens ou senhoras que não tinham vida sexual ativa. Não demorou muito para concluir que a histeria estaria relacionada com o contexto social extremamente repressor. Tanto que muitos médicos pós-freudianos, como Wilhelm Reich passaram a receitar a masturbação para as mulheres, atividade que aliviava os sintomas histéricos . Em que tange as relações familiares, até o advento do patriarcado, os filhos homens permaneciam apegados à mãe apenas no início da infância, tão logo completavam a meninice passavam a se socializar mais com outros meninos, nesta idade os meninos já começavam a se espelhar na virilidade do pai. Não é estranho notar que o sexismo e o desprezo masculino pela mulher já fosse notado tão prematuramente, a ponto de durante a própria infância o menino se sentisse incomodado com a figura materna. Sem embargo, o fim do patriarcado e a nova estruturação familiar fez com que a mãe tomasse uma posição mais importante no seio da família. Os meninos passaram a se aproximar mais delas e necessitar de seus cuidados por mais tempo. Contestando todos os valores paternos, os filhos se reaproximavam inconscientemente dos valores maternos, tradicionalmente inimigos da guerra, ignorando a concorrência, estranha ao poder e à opressão. A inversão das alianças aconteceu, pondo fim à autoridade e ao prestígio milenar do pai e do marido. Passando mais tempo com a mãe, os filhos demoraram mais tempo para se socializar com outras crianças. Esse fenômeno foi decisivo para o que mais futuramente Freud chamaria de Complexo de Édipo. Segundo a interpretação do renomado discípulo de Freud, Wilhelm Reich, em sua obra A Revolução Sexual: 

A criança dirige seus primeiros impulsos genitais amorosos para as pessoas mais próximas de sua vizinhança, que são, na maioria dos casos, os pais. Tipicamente, a parte heterossexual é amada e a do sexo igual é odiada inicialmente. Contra esta se desenvolvem impulsos ciumentos e ódio, mas ao mesmo tempo também sentimentos de culpa e medo. O medo refere-se em primeiro lugar aos próprios impulsos genitais perante a parte do sexo oposto. Este medo, em virtude da impossibilidade real de satisfação do desejo de incesto, leva à repressão. É dessa repressão que se origina primariamente a maioria dos distúrbios amorosos mais tarde. Assim, não haveria nenhuma repressão se o menino, por exemplo, tivesse de renunciar ao desejo genital pela mãe, mas se lhe fosse permitido o jogo genital com as meninas de sua idade, bem como o onanismo socialmente .

2.2.1. Estrutura e dinâmica da personalidade: Id, Ego e Superego
    Em sua teoria mais rudimentar, a Primeira Tópica, Freud desenvolve que a psique humana está divida em três estruturas, quais sejam: consciente, pré-consciente e inconsciente. A primeira estrutura se refere ao agora, em relação aos pensamentos do indivíduo, pode-se dizer que é aquilo que ele está pensando e desejando, mas, principalmente, aquilo que ele sabe que está pensando e desejando. A segundo estrutura é uma estrutura semelhante a primeira, também de acesso direito ao indivíduo, porém, no momento do agora não está acessado. Por fim, a terceira estrutura se refere aos desejos e pulsões que não podem ser acessados ao indivíduo. Ao contrário do pré-consciente, que pode ser lembrado, o inconsciente jamais é acesso. Em uma comparação grosseira, embora pedagógica: o consciente é aquilo que o indivíduo está a pensar, o pré-consciente é aquilo que ele já pensou e está acessível em sua memória, já o inconsciente são recordações e recalcadas recalcados e que não podem ser acessados. 
    Posteriormente, no ano de 1923, em seu texto O ego e o id, Freud reestrutura sua teoria, doravante, a estrutura psíquica será formada pelo Ego, o eu, o Superego, aquele que está acima de mim, e o id, o outro ou o aquilo. De entendimento mais complexo que a Primeira Tópica, a Segunda representa uma redefinição e uma evolução teórica. Grosso modo, segundo Freud, o ego representa o próprio indivíduo consciente, ao passo que o Superego relacionada com os valores morais e imperativos, já o id está ligado às questões mais profundas do indivíduo, seus desejos, impulsos e pulsões recalcados e inconscientes . Como bem elabora Laplanche & Pontalis, o ego, do ponto de vista tópico está numa relação de dependência tanto para com as reivindicações do Id, como para com os imperativos do Superego e exigências da realidade, embora se situe como mediador, encarrega dos interesses da totalidade da pessoa e de sua autonomia. O Superego é um juiz, um censor relativamente ao ego – como será demonstra a seguir está intimamente relacionado com o Complexo de Édipo e com o medo da castração. O Id representa o lado pulsional da psique e está, a todo momento, em conflito com o Ego e o Superego, pois está ligado ao princípio do prazer .
    A lógica biológica da divisão psíquica em estruturas diferentes está no fato de que lembranças que possam causar algum tipo de angústia, são recalcadas, assim, do consciente humano era se torna inconsciente. Um exemplo de como funciona o aparelho psíquico humano está na clássica Cena Primária, que segundo os psicanalistas seria a primeira vez que a criança se depara com os pais em um contexto sexual, seja pela flagrante literal ou pela própria fantasia. A criança ao tempo do fase edípica, onde deixar sua sexualidade narcísica e passa a enxercar o outro, por evidente, nota aqueles que lhe são mais próximos: ela notara seus pais, e muito rapidamente se interessa e fantasiará sobre o que eles fazem de tão misterioso. É nesta mistura de realidade e fantasia que a criança se deparada com a ideia de que seus pais fazem certas atividades das quais ela está excluída.     
O desejo de participar, a curiosidade ou a inveja do parceiro ocorrerá. Todo este processo é muito natural à criança e, embora possa parecer complexo, se torna parte de suas fantasias lúdicas e suas experiências cotidianas. Porém, ao que importa para a psicanálise é que estas lembranças muito em breve não serão mais acessíveis ao seu consciente, por um motivo muito óbvio, ao se desenvolver e se aproximar da fase genital, próximo a puberdade, qualquer desejo incestuoso é imediatamente censurado por seu juízo de moralidade, ou seja, por seu Superego. A lembrança de que um dia desejou incestuosamente o pai ou a mãe se torna tão aterrador que seria demasiadamente perturbador a consciência adulta, sendo assim, ela automaticamente é recalcada. Em outras palavras, o indivíduo não se esquece dela, sua psique torna-a parte de seu inconsciente – vale ressaltar que este exemplo representa uma criança considerada patologicamente normal, a qual tenha passado de forma saudável pelo Complexo de Édipo e de Castração, assim, teoricamente, sua estrutura clínica seria a neurótica, podendo ser histérico ou obsessivo – como será melhor examinado na sequência. 

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2.2.2. Desenvolvimento Psicossomático: Fase Oral, Anal, Fálica e Genital
    De acordo com a teoria psicanalítica todas as crianças passam pelas fases do desenvolvimento psicossomático: oral, anal, fálica e genital. A Fase Oral, identificada nas crianças do nascimento até aproximadamente o primeiro ano de vida, se refere ao momento em que a criança descobre o mundo pela boca, por tal motivo, o comportamento natural de levar tudo que toca a ela. Mais do que provar o mundo, a criança antes do primeiro ano de idade tem sua zona erógena localizada na mucosa oral, sendo assim, os objetos que entram em contato com ela, desde seu dedo até seus brinquedos, lhe dão extremo prazer e satisfação. Laplanche & Pontalis lembram que esta é a fase mais importante do desenvolvimento do indivíduo pois é graças a amamentação que lhe é garantido o sustento vital e a possibilidade de se desenvolver de forma saudável. Não é demais ressaltar que assim como a criança sente prazer ao levar pequeno objetos à boca, também é na relação mãe-bebê, por meio do aleitamento, que ela terá seu primeiro contato com outro ser, ainda assim sua relação será absolutamente narcísica, pois o que lhe interessa é apenas o prazer em ser alimentada .
    Entre o primeiro e o terceiro ano de idade a criança entra na Fase Anal, onde se iniciará a descoberta do controle do esfíncter, ao perceber que pode reter e soltar suas fezes na hora que quiser, e ao mesmo tempo que este processo lhe renderá elogios dos cuidados, isto também trazer-lhe-á prazer e satisfação. Por outro lado, ao receber críticas ou repulsa dos cuidadores, por não ter conseguido ou querido fazer uso de sua nova ferramenta de forma correta, o desagrado também refletirá na construção de sua personalidade, pois é nesta época em que a criança desenvolve seus primeiros conceitos de higiene. Na explicação de Laplanche & Pontalis, o controle esfincteriano deve, sobretudo, ser considerado como um modelo de como processa-se o controle motor em geral. As sensações de domínio ou de sujeição, o prazer na expulsão ou retenção, a intermediação entre aquilo que é uma produção e uma posse do bebê, e, confronto com as exigências do mundo externo, as implicações emocionais nos atos de receber, reter, eliminar, tomar e dar . 
    A terceira fase, Fálica ou Edípica, ocorre entre os três e seis anos, é nesta fase que a criança irá passar pelos dois mais importantes processos de seu desenvolvimento psíquico, os quais irão definitivamente moldar sua personalidade e lhe trarão consequência definitivas para sua vida, mormente no que se refere às estruturas clíticas: neurose, psicose e perversão. Não obsta ressaltar, como apontam Laplanche & Pontalis, a expressão fálica se origina no conceito freudiano de que até aquela idade as crianças de ambos os sexos pressupõem a existem de genitais masculinos em todos os sexos, fato que irá surpreendê-los com a descoberta, a seguir, que apenas os meninos possuem pênis. Esta descoberta terá implicação direta com o Complexo de Édipo e, principalmente, com a Castração. 
    A última fase do desenvolvimento sexual se refere a genital, que se inicia aos doze anos e se estende por toda a vida. Nesta fase, a criança já passou – ou não – pelo Complexo de Édipo e também pelo Complexo de Castração, e, tendo entendido que seus pais, que até então era figura central em sua relação social, não representam mais e nem merecem a mesma atenção, os, então, pré-adolescentes se voltam para outras figuras e se permanecem recalcadas suas memórias de desejos incestuosos do período edípico. A puberdade fará com que os jovens passem a se interessar e por se aproximar de outras pessoas, em um desenvolvimento saudável, será nessa idade que passaram a desejar sexualmente outros colegas dos quais convivem socialmente. 

2.2.3. Complexo de Édipo
    Embora Freud tenha considerado utilizar a peça de Shakespeare, Hamilet, a qual traz em sua trama a mesma relação incestuosa – ainda mais por estar de forma mais próxima da realidade de seus pacientes – entre mãe e filho, como nome e base para sua teoria do desenvolvimento psíquico incestuoso infantil, ele considerou que utilizar o clássico grego seria mais erudito e apropriado, embora a encenação fosse deveras dramática e caricatural. Assim como na peça de Édipo Rei, de Sófocles, onde Édipo, abandonado por seus pais, após serem advertidos pelo oráculo da futura tragédia, e vindo a ser criado em outro reino, depois de crescer, torna-se rei, reencontra o pai, Laio, mata-o num confronto, desconhecendo totalmente seu parentesco. Como triunfo, Édipo tem o direito de desposar a viúva Jocasta, que, em realidade, é sua mãe. Ao final, a verdade é revelada pelo mesmo oráculo, Jocasta se enforca e Édipo, ao encontrar o cadáver de sua mãe vaza os olhos com a fivela de seu cinto  .
É durante a Fase Fálica do desenvolvimento sexual da criança que se observa o fenômeno do Complexo de Édipo. Até este período a criança tem o que Freud demomina de Narcisismo Infantil, onde significa que ela se basta para seu prazer, seu mundo, suas interações sexuais se limitam a si, seja por meio das zonas erôgenas orais ou anais . Todavia, por volta dos quatro anos de idade a criança percebe que existe outros seres ao seu redor, desta forma, é por meio da interação com seus cuidados que o Édipo se inicia.
De acordo com Zimerman, para a teoria freudiana, o Complexo de Édipo comporta duas formas: uma positive, que genericamente consiste num desejo sexual pelo genitor do sexo oposto, bem como um desejo de morte pelo genitor de mesmo sexo; e uma forma negative, na qual há um desejo amoroso pelo genitor do mesmo sexo e um ciúme ou desejo de desaparcimento do outro genitor . Por outro lado, Roudinesco argumenta que o Complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo. Essa representação pode inverter-se e exprimir o amor pelo genitor do mesmo sexo e o ódio pelo do sexo oposto. Chama-se Édipo à primeira representação, Édipo invertido à segunda, e Édipo completo à mescla das duas. O complexo de Édipo aparece entre os três e os cinco anos. Seu declínio marca a entrada num período chamado de latência, e sua resolução após a puberdade concretiza-se num novo tipo de escolha de objeto .
Destarte, pode-se ententer que o Complexo de Édipo, conforme mostra o mito de Sófocles, que na fantasia infantile, a dinâmica edípica ocorre pela aproximação das meninas para com seu pai e dos meninas para com suas mães, ao mesmo tempo que ocorre tal aproximação, existe um distanciamente do genitor do mesmo sexo, assim, o menino se tornará mais distante do pai e a menina da mãe. Este fenômeno ocorre de forma inconsciente para a criança e é considerado normal pelos pais, os quais também acabam por se influenciar da dinâmica edípica e igualmente se aproximam do descendente de sexo oposto e se distanciam do sexo oposto. Ademais, importante ressaltar que na fantasia inconsciente do id, o distanciamente do mesmo sexo por parte da criança não é apenas um processo de inimizade, ele representa uma verdadeira aversão e agressão, como se tudo que houvesse de ruim ou fantasioso negativo no universe infantil tivesse relação com aquele pai ruim ou aquela mãe ruim.
    Ainda com base no mito edípico de Sófocles, a criança vive um período de agonia, pois vê seu objeto de desejo incestuoso tomado por seu inimigo, o que lhe causa ainda mais raiva. Como resultado, a criança fantasia destruir seu rival e tomar seu objeto apenas para si. Assim como fez Édipo, ao matar Laio e desposar Jocasta, inconscientemente a criança também desejará reviver a destruição do genitor do mesmo sexo. Contudo, importante ressaltar que nesta fase todas as crianças acreditam que têm genitais igual e, por consequência, têm um pênis . Mesmo as meninas, embora se observem durante o banho ou durante os momento de toque íntimo, o fato de terem uma vagina não toma a atenção das meninas, elas continuam a acreditar seu pênis está lá. Simplesmente é como se elas não se dessem contam que não o possuem, até então. Ainda no caso das meninas, como estão ocupadas demais ligadas ao pai, elas acreditam, em sua fantasia inconsciente, que também possuem um pênis, ou seja, um falo . É no momento em que elas tomam consciência da inexistência de seu pênis que elas passam do Complexo de Édipo para o Complexo de Castração.

2.2.4. Complexo de Castração
    Como mencionado no tópico anterior, durante a Fase Oral e a Fase Anal, quando a criança tem aproximadamente dois ou três anos, ela entende muito bem sobre a existência fálica. É na observação da relação de poder e dominação entre pai e mãe que a criança nota quem é o genitor fálico, ou seja, aquele que detém o poder. Porém, em seu imaginário infantil, a criança, sobretudo a menina, tem a crença de que todos os seres humanos são possuidores de um pênis, inclusive ela. Porém, com o desenvolvimento edípico, em que a criança se aproxima de seu genitor ela passa a dar mais atenção a seu corpo e ao corpo de seus genitores. Não demora muito para notar que apenas os homens são possuidores do preciso falo: aquele objeto que lhe dá poder e prestígio social – ou, pelo menos, poder dentro de sua casa, onde claramente as crianças notam, desde de cedo, que é o pai o mais forte, o mais viril e o festejado. 
    Ainda de forma inconsciente e natural, as meninas, ao notar a ausência de seu pênis, de forma imediata concluem que alguém lhe castrou e tão logo encontram um culpado, neste caso a mãe, invejosa da relação incestuosa edípica. De outra banda, as meninas, quando percebem que suas mães não tem pênis concluem também que alguém lhe castrou, ao avesso das meninas, por estarem demasiadamente próximo de suas mães, sua fantasia incestuosa lhe fazem chegar à lógica de que fora o pai, maldoso e vingativo, quem cortou o pênis materno. Enquanto a menina castrada se sente angustiada por já estar castrada, ela tem mais um motivo para se aproximar do pai protetor e se afastar da mãe castradora. Já o menino, ainda com seu objeto fálico intacto, teme que o mesmo seja cortado, como ocorreu com sua mãe, ele igualmente se aproxima ainda mais dela e se afasta de seu pai, com medo que ele o castre também.

Do ponto de vista do objeto, a castração só pode ser a representação simbólica da ameaça de desaparecimento na medida em que esta não concerne ao pênis, objeto real, mas ao falo, objeto imaginário. Esse deslocamento permite a Lacan estabelecer uma inexistência de diferença entre a menina e o menino do ponto de vista do desenrolar do Édipo, ambos desejando, num primeiro momento, ser o falo da mãe, posição incestuosa da qual têm que ser desalojados pelo “Pai simbólico”, marca incontornável do significante, antes de se chocarem com o “Pai real”, portador do falo e reconhecido como tal pela mãe. Além disso, tal abordagem se abre para a concepção lacaniana da psicose, na qual a evitação da castração simbólica leva a seu retorno no real .

    Mais do que um marco no desenvolvimento sexual da criança, o Complexo de Castração representa, de acordo com a perspectiva psicanalítica, o início elaborativo da construção simbólica dos juízos de valor, questões religiosas e tudo o que está relacionado ao certo e ao errado, ao bem e ao mal, em suma, é durante a Castração que a criança desenvolve seu Superego, que, como já menciona, está intimamente ligado com a noção de moralidade. Para os meninos, ter seu pênis amputado e se tornar igual sua mãe, é o que indiretamente está relacionado com a ideia de submissão e domínio de um mal agressivo e opressor. Já para as meninas, é a inveja do pênis, ou a inveja de ter perdido seu pênis, que faz com que elas temam sua mãe e se aproximem da figura protetora paterna, que também pode ser entendido como a figura dominante e opressora, pois possui o falo. Dessarte, o Complexo de Castração é o divisor de águas no desenvolvimento da personalidade da criança que a torna, na prática, querer ser um menino bom ou uma menina boa, para não ter ser castrado ou por já ter sido.
    A pensar da forma estrutural, são três as possibilidade de estruturas clínicas, quais seja: a neurose, a psicose e a perversão. O neurótico, embora pareça nefasto, é o indivíduo que melhor passou pelo Complexo de Édipo e de Castração, em outras palavras, é aquele indivíduo que atravessou seu desenvolvimento sexual de forma sadia. O neurótico vivenciou o desejo do incesto, porém jamais teve seu objeto, assim se voltou contra seu rival edípico, e ao se dar conta da dinâmica de castração entendeu que estaria seguro com seu genitor de sexo oposto. Como a psicanálise é baseada na teoria da patologia, a neurose representa aquilo que se espera de um indivíduo considerado socialmente normal. Como sintoma ele terá todo o processo edípico e castrativo recalcado em seu inconsciente, o que poderá lhe trazer consequências na vida a adulta, como o desenvolvimento de patologias histéricas, obsessivo-compulsivas ou fobias. Assim, seria necessário um analista para que o indivíduo entendesse o processo incestuoso que passara na infância e se curasse dos sintomas, caso os mesmos se tornem insuportáveis.

Partindo da distinção entre o narcisismo primário, no qual o sujeito investe a libido por ela mesma, e o narcisismo secundário, onde há uma retirada da libido para as fantasias, Freud passou a definir a oposição entre neurose e psicose como o resultado de duas atitudes provenientes de uma clivagem do eu. Na neurose, há um conflito entre o eu e o isso e a coabitação de uma atitude que contraria a exigência pulsional com outra que leva em conta a realidade, ao passo que, na psicose, há uma perturbação entre o eu e o mundo externo, que se traduz na produção de uma realidade delirante e alucinatória. Freud completou esse edifício estrutural introduzindo nele um terceiro elemento: a perversão. Após ter feito da neurose, em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, o “negativo da perversão”, ele caracterizou esta última como uma manifestação bruta e não recalcada da sexualidade infantil .

    A segunda estrutura clínica, a psicose, ocorre quando o indivíduo não passa pela Complexo de Édipo. Ou, caso tenha passado, não o fez de forma sadia. Talvez por não ter conseguindo superar e recalcar seus desejos incestuosos. Embora tenha desenvolvido seu Superego, por ter de alguma forma desenvolvido o medo da castração, não logrou êxito em vivenciar de forma sadia seu Édipo. A consequência direta para aqueles que não passam ou não superam seu Édipo é o desenvolvimento da estrutura psicótico, a qual apresenta como sintoma o delírio. Na fase adulta, uma das possíveis patologias vivenciados pelos pacientes psicóticos é a esquizofrenia ou a paranoia. Observam-se nestas patologias a exata imprecisão entre o mundo real e o imaginário, de forma que é impossível ao indivíduo estabelecer o que é realidade e o que fruto de sua imaginação. Por este motivo, ele será atormentado por episódios de alucinações, que nada mais são do que criações de sua mente, os quais, na percepção psicótica, fazem parte do mundo real. Enquanto o neurótico fóbico, por exemplo, que possui aracnofobia, imagina que possa ter aranhas em sua cama, e por tal motivo não consegue se deitar nela, o paciente psicótico terá a real percepção de ver as aranhas correndo em sua cama, como se seus pensamentos e fantasias fossem realidade. Assim como assevera Freud em seu texto Neurose e psicose: “A neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o mundo externo .

Nascida de uma escuta “particular” do sofrimento humano, inventada por um homem que não era psiquiatra e que não gostava nem dos psicóticos, como ele mesmo diria a Istvan Hollos, nem da loucura carcerária, a psicanálise desenvolveu-se no terreno de uma medicina de consultório, na qual o diálogo secreto entre o terapeuta e o paciente primava sobre a preocupação nosográfica. Sob esse aspecto, a neurose histérica das mulheres da burguesia vienense tratadas por Freud e Josef Breuer em nada se assemelhava à loucura histérica, muito próxima da psicose, posta em cena por Jean Martin Charcot na Salpêtrière. Todavia, do ponto de vista doutrinal, as duas formas de doenças nervosas foram catalogadas sob o rótulo de neurose. Freud dedicava toda a sua atenção à neurose, considerada curável, em detrimento da psicose, que ele julgava quase sempre incurável. As três grandes análises que ele efetivamente conduziu foram publicadas como casos de neurose — neurose histérica em Dora (Ida Bauer), neurose obsessiva no Homem dos Ratos (Ernst Lanzer) e neurose infantil no Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff) —, enquanto seu único estudo redigido sobre um caso de psicose foi o comentário de um livro, Memórias de um doente dos nervos, escrito por um homem tomado de paranóia, Daniel Paul Schreber .

    Por fim, e como temática central do presente artigo, a perversão se apresenta como terceira e, possivelmente, mais perniciosa estrutura clínica, pois enquanto o neurótico representa a grande maioria da população normal e os psicótico, cujos sintomas, salvo algumas exceções, angustiam apenas aqueles que os tem – e por evidente seus familiares e pessoas próximas, a perversão é uma estrutura que desperta especial interesse da Psicologia Forense e da Criminologia, pois representam aqueles indivíduos que não possuem um Superego desenvolvido, ou seja, não tem juízo de moralidade. Seu desenvolvimento ocorre pelo não desenvolvimento do medo da castração, são indivíduos que não passaram pelo Complexo de Castração, sendo assim, no caso dos homens, foram meninos que desenvolveram o medo de ter seu pênis amputado pelo pai, por conta de suas investidas incestuosas, ou, no caso das meninas, são mulheres que, quando meninas, não invejaram o pênis de seus pais, tampouco desenvolveram o medo ao fantasiar que suas mães haviam lhe amputado seu suposto pênis. Sem o Complexo de Castração, cria-se uma figura humana distorcida, onde não há trauma edípico e castrativo para ser recalcado, nem o delírio psicótico. O perverso não fantasia, ele exerce seu gozo  e pratica seu fetiche , sem pudor e sem medo. Sendo assim, ele se torna, na grande maioria das vezes, perigoso à sociedade. 

Se a sexualidade perversa não tem limites, é porque se organiza como um desvio em relação a uma pulsão, a uma fonte (órgão), um objeto e um alvo. A partir desses quatro termos, Freud distinguiu dois tipos de perversões: as perversões do objeto e as perversões do alvo. Nas perversões do objeto, caracterizadas por uma fixação num único objeto em detrimento dos demais, ele incluiu, por um lado, as relações sexuais com um parceiro humano (incesto, homossexualidade, pedofilia, auto-erotismo) e, por outro, as relações sexuais com um objeto não humano (fetichismo, zoofilia, travestismo). Nas perversões do alvo, distinguiu três espécies de práticas: o prazer visual (exibicionismo, voyeurismo), o prazer de sofrer ou fazer sofrer (sadismo, masoquismo), e o prazer pela superestimação exclusiva de uma zona erógena (ou de um estádio), isto é, ou da boca (felação, cunilíngua) ou do aparelho genital .

    Sem o fantasma do medo, do remorso e da angústia, o perverso vive seu fetichismo despudoradamente. Ardis mentirosos e manipuladores, de acordo com a perspectiva psicanalítica, sem um Superego bem desenvolvido para lhe frear os desejos, estes indivíduos fazem aquilo que quiserem e na hora em que quiserem. Há inúmeros exemplos dentro de uma sociedade que se pode apontar como clássicos perversos: os assassinos seriais, os quais tem prazer em matar; os pedófilos, cujos desejosos incontrolados transformam inúmeras crianças e pré-adolescentes em vítimas; e, do ponto de vista dos, assim chamados criminosos do Colarinho Branco, os empresários e políticos corruptos. É neste passo que se entra na delinquência, pois muitos dos atos desejados pelos perversos, além de imorais, são criminosos. 
    
3. CONCLUSÃO
    Ao avesso do que estabelece a perspectiva psicanalítica, Sutherland, em sua obra Crime de Colarinho Branco, sugere que a gênese para tais crimes está no mesmo processo geral que conduz a outros comportamentos criminosos, ou seja, a associação diferencial. A hipótese da associação diferencial indica que o comportamento criminoso é aprendido em associação com aqueles que definem de forma favorável tal comportamento criminoso e em isolamento daqueles que o definem de forma desfavorável. A pessoa em situação apropriada se engaja em tal comportamento criminoso se, e somente se, o peso das definições favoráveis excede  peso das definições desfavoráveis . 
    Como entusiasta de sua teoria sociológica, Sutherland, ainda na mesma obra, ataca outras teorias criminológicas que tentam explicar a delinquência, entre elas a psicanálise, de acordo com ele, frequentemente sugere-se que o crime deve ser explicado pelas características psicológicas dos infratores. Estudos do crime que partem das características psicológicas têm uma longa e variada história, sugere o autor. E ainda complementa dizendo que todas as escolas utilizam a mesma lógica e diferem apenas nas “características que acreditam ser importantes na causa do comportamento criminoso” . O autor ainda chega ao cúmulo da leviandade ao afirmar categoricamente sobre a psicanálise:

Mesmo esses defensores sugeriram apenas em sentido jocoso que os crimes da Ford Motor Company ocorram graças ao Complexo de Édipo, ou aqueles cometidos pela Aluminum Company of America tem ligação com um Complexo de Inferioridade, ou aqueles da DuPont teriam origem em uma experiência traumática, ou aqueles da Montgomary Ward são uma forma de regressão à infância. Algum suporte analógico pode ser encontrado no último caso mencionado pelo fato de que o presidente-executivo da empresa foi carregado de seu escritório nos braços de agente de autoridade parental .

    Em suas conclusões, a despeito de todo seu discurso anti-elitista ao longo de sua obra, o autor confessa que “tais evidências não justificam a conclusão de que a classe alta é mais criminosa ou menos criminosa do que as classes mais baixas, tais evidências não são suficientemente precisas para justificar comparações e padrões em comum”  . Então por que motivo, durante toda sua discussão, ele fez comparações entre moralidade, educação familiar e lucratividades de empresas, ao afirmar em seu miolo que empresas maiores tendem a cometer mais delito? . Seu livro mais se assemelha a uma dissertação de aluno incipiente, que começa a discorrer sobre determinado assunto sem ao certo saber onde irá chegar. Ele apresenta diversas estatísticas e fatos, para então concluir que não há elementos suficientes para comprovar sua própria tese. Certamente, de algum mudo seu objetivo fosse atacar, por algum motivo neurótico as classes mais abastadas. E por fim anuncia sua própria derrota em tentar comprovar o que queria. Psicanaliticamente, quiçá a pergunta que se deve fazer é, qual o motivo para tanto ódio de Edwin Sutherland contra os ricos? Será que sua infância modesta no Estado de Nebrasca tenha lhe afetado tão patologicamente a ponto de criar um tamanho ódio aos ricos?
    Contudo é no último parágrafo de seu livro que o autor anuncia seu total desconhecimento psicológico e psiquiátrico: “obviamente, as hipóteses de que os crimes estão relacionados a patologias pessoais ou sociais não se aplicam aos crimes de colarinho branco, e, se não explicam tais crimes, estas patologias não são fatores essenciais aos crimes em geral” . Data maxima venia, embora Sutherland seja ainda considerado um sociólogo de destaque e sua obra ainda ecoe de forma considerável no debate acadêmico da criminologia, com qual autoridade do campo científico o autor asseverar sobre as causas patológicas da criminalidade, pois até onde demonstra sua biografia se formou em política e sociologia na Universidade de Chicago. Dessarte, diante de tudo que foi desenvolvido e exposto sobre a teoria psicanalítica, ainda que de forma introdutória – visto que a pesquisa se trata de um artigo – não seria muito leviano por parte do autor desconsiderar as variantes psicológicas na gênese da criminalidade? Talvez o estudo mais aprofundado da Escola Psicanalítica demonstre que ela não representa apenas um estopim para chacota ou para sarcasmo.   
    Em epítome, o estudo da Psiquiatria Forense, no que se refere às patologias descritas no CID-10 e no DSM-V, bem como o nível de gravidade das doenças mentais, juntamente com o desenvolvimento do Complexo de Castração e a questão da Perversão, em alusão à teoria psicanalítica, demonstram que a construção superegoico incompleto, assim como a disfunção do fenômeno castrador afetam diretamente a personalidade e tem consequências funestas ao indivíduo durante a fase adulta. Desta feita, o Transtorno da Personalidade Antissocial ou o Transtorno de Personalidade Dissocial, etimologicamente em equívoco chamados de psicopatia, tem sua genealogia na fase pós-edipiana, quando a criança não desenvolve o medo da castração: no caso do menino, o medo que seu pai lhe ampute o pênis; no caso da menina, o medo em já ter seu pênis amputado pela mãe. Sem esta dialética do medo, o indivíduo não consegue desenvolver de forma satisfatória seu Superego e, por conseguinte, é incapaz de estabelecer juízos de valor sobre o que é bom e mau e sobre o que é certo e errado, o que torna o indivíduo incapacitado para responder de forma adequada às regras de convívio social, a moralidade e, maxime, o ordenamento jurídico. Não obsta ressaltar, in fine, que o presente artigo aponta também para a importância da criminologia se voltar, ou retornar, ao estudo acurado da Escola Psicanalítica como meio de se compreender a delinquência, – a se ressaltar: independente da natureza do crime ou da classe econômica do agente!

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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