Introdução ao estudo do processo administrativo tributário brasileiro

05/11/2017 às 18:28
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O presente estudo científico tem por objetivo tecer considerações acerca do processo administrativo tributário brasileiro. O tema será abordado em linhas gerais, destacando-se a questão conceitual, as características e a legislação aplicável.

RESUMO: O presente estudo científico tem por objetivo tecer considerações acerca do processo administrativo tributário brasileiro. O tema será abordado em linhas gerais, destacando-se a questão conceitual, as características, a legislação aplicável, os diversos princípios relacionados ao assunto, bem como faremos um distinção entre processo administrativo e judicial.

Palavras-chave: Direito Processual Tributário. Processo e procedimento tributário. Contencioso tributário. 


1.NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 

1.1. Questão conceitual

Na lição de Kiyoshi Harada[2], “processo administrativo tributário é o meio de composição de litígio ou de declaração de direito, com fundamento em uma relação jurídica de natureza tributária”.

Segundo James Marins[3], “o processo administrativo tributário refere-se ao conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a Administração Pública. O procedimento fiscal tem caráter ‘fiscalizatório’ ou ‘apuratório’ e tem por finalidade preparar o ato de lançamento”.

Para Hugo de Brito Machado[4], o processo administrativo tributário é uma série ordenada de atos administrativos mediante o qual manifesta-se a Administração Tributária a respeito de uma relação sua com um contribuinte, ou responsável tributário ou mesmo com um terceiro, ou simplesmente interpreta a legislação tributária.

Entendemos que o processo administrativo fiscal consiste no conjunto de atos e termos, disciplinados em lei, destinados a regular e solucionar as lides fiscal-tributárias estabelecidas entre o Fisco e o contribuinte, envolvendo a aplicação da legislação tributária.


2. CARACTERÍSTICAS

O processo administrativo fiscal possui, basicamente, as seguintes características:  

2.1.Existência de uma relação linear

Diversamente do que ocorre com o processo judicial, em que há a presença de três pessoas (autor, juiz e réu), no processo administrativo temos apenas dois sujeitos processuais (relação linear): a) a Administração: que é parte e ao mesmo tempo autoridade julgadora; e b) o sujeito passivo: que é o contribuinte ou o responsável tributário. 

2.2.Estrutura hierarquizada

A Administração mesma cria órgãos estruturados hierarquicamente (vários graus de Jurisdição administrativa) para apreciar e julgar os processos administrativos tributários. No âmbito federal, por exemplo, as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (De acordo com a Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007, as DRFBJ são órgãos de deliberação interna e de natureza colegiada da Secretaria da Receita Federal do Brasil) decidem, em primeiro grau, cabendo recurso de suas decisões para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Como instância especial, encontra-se a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).

Nos estados e municípios, existem também órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição administrativa, bem como há a possibilidade de se instituir pela legislação local uma instância especial.

2.3. Ausência de poder expropriatório

Não foi dado à Administração Pública, contudo, o direito de expropriar diretamente os bens do devedor e assegurar o recebimento direto do crédito tributário. É preciso, quando o contribuinte se recusar a efetuar o pagamento do tributo, que se utilize o Poder Judiciário a fim de compelir o devedor a cumprir com a obrigação tributária.

Essa vedação de expropriação direta dos bens do devedor está contida no art. 5º, inc. LIV, da Carta Política de 1988, o qual vaticina que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 

Destarte, julgado improcedente o pedido contido em processo administrativo tributário ou no caso de revelia, deve ser intimado o sujeito passivo para fazer o recolhimento voluntário do que deve ao fisco. Uma vez não cumprida a obrigação, a Fazenda Pública terá de levar a questão ao conhecimento do Poder Judiciário. A ação de execução fiscal é a medida judicial adequada para tal fim. 

2.4. Eficácia limitada das decisões administrativas

As decisões emanadas das instâncias administrativas não são  definitivas. No Brasil prevalece a regra segundo qual incumbe ao Poder Judiciário dar a última palavra acerca de um determinado litígio.

A inafastabilidade do controle jurisdicional ou universalidade da jurisdição está encartada no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988, que prescreve “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça da direito”.

Destarte, o contribuinte, não obstante venha a ter seu pleito indeferido em todas as instâncias administrativas, poderá levar o fato litigioso à apreciação do Poder Judiciário. 


3. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

O processo administrativo tributário da União é disciplinado pelo Decreto n°. 70.235, de 03 de março de 1972. Essa norma foi recepcionada como lei ordinária pela Constituição Federal de 1988. Está plenamente em vigor. Após o advento da Lei n°. 11.457, de 16 de março de 2007, tal diploma legal passou a disciplinar também as atividades relativas à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições previdenciárias. 

Nos estados-membros, no Distrito Federal e nos municípios brasileiros, há de se observar a legislação respectiva para se saber qual o diploma legal a seguir no que concerne aos procedimentos administrativos tributários estaduais, municipais e do Distrito Federal.


4. PRINCÍPIOS NORTEADORES

A Constituição Federal de 1988 assevera que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV); que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI); e que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV). 

Destarte, sempre que o contribuinte ou o responsável tributário  discordar de auto de infração ou de notificação de lançamento contra si emitido, poderá se valer do processo administrativo ou judicial tributários. Em ambos, hão de ser assegurados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. 

Determina, ademais, a Carta Política vigente que a Administração Pública será informada pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput).

Visando regulamentar esses comandos normativos constitucionais, adveio a Lei n. 9.784/99 (Código de Processo Administrativo Federal), que, em seu art. 2º, estabeleceu as regras a serem observadas em todos os processos administrativos da alçada da União. Dispõe aludido dispositivo legal que a Administração Pública deverá obedecer, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Por seu turno, determina que, em todos os processos administrativos deverão ser observados os seguintes critérios pelo agente público: a) atuação conforme os ditames da lei e do Direito; b) atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; c) objetividade no atendimento do interesse geral, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; d) atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; e) divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição; f) adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; g) indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; h) observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; i) adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; j) garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; k) proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; l) impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; e m) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. Por oportuno, entendemos que a Lei n. 9.784/99 é plenamente aplicável ao processo administrativo fiscal federal, salvo os dispositivos de cunho nitidamente procedimental, eis que nesta parte é aplicável a legislação específica, ou seja, o Decreto n. 70.235/72.

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Em resumo, diversos são os princípios e regras constitucionais e legais, a maioria deles acima elencados, que devem ser observados pela administração e administrados no curso dos processos administrativos em geral e, em especial, quando da tramitação do processo administrativo tributário. 


5. PROCESSO ADMINISTRATIVO E PROCESSO JUDICIAL

No Brasil, como em muitos países ocidentais, adotou-se a regra da jurisdição una. Incumbe ao Poder Judiciário dar a última palavra acerca de um determinado litígio.

Não obstante incumbir ao Poder Judiciário a solução dos conflitos  intersubjetivos de interesses de forma definitiva, existe previsibilidade de a questão ser apreciada preambularmente no âmbito da Administração Pública.

Havendo discussão acerca de determinado crédito tributário, por exemplo, a controvérsia pode ser objeto de processo administrativo ou de processo judicial.

Saliente-se que, no Brasil, é vedado se discutir simultaneamente a mesma questão tributária no âmbito judicial e administrativo. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 38 da Lei n.º 6.830/80: “A propositura, pelo contribuinte, de ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”.

No mesmo diapasão, foi editada a Súmula n.º 1 do Conselho de Contribuintes: “Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial”.

A decisão emanada do processo judicial, desde que o Poder Judiciário tenha apreciado o mérito da demanda, é definitiva. Dizemos que, nesse caso, há a formação de coisa julgada material dotada de definitividade, o que enseja segurança jurídica não apenas para o administrado como também para a própria Administração Pública.

A decisão administrativa, tomada no seio do processo administrativo, não é, por sua vez, definitiva, pois, mesmo havendo o trânsito em julgado na esfera administrativa, é possível que a matéria seja levada ao conhecimento do Poder Judiciário, salvo quando a Administração decidir de forma definitiva e favoravelmente ao pleito do administrado. Com efeito, o crédito tributário, nessa hipótese, estará extinto em consonância com o previsto no art. 156, inc. IX, do CTN: “extingue o crédito tributário a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não possa ser objeto de ação anulatória”.  


6. PROCESSO ADMINISTRATIVO NO SENTIDO AMPLO E NO SENTIDO ESTRITO

No sentido amplo, emprega-se processo administrativo ou procedimento administrativo para representar praticamente toda e qualquer rotina de trabalho no âmbito da administração pública. Pedidos de remoção, exoneração, férias ou aposentadoria de um servidor público, por exemplo, são objeto de um “processo” ou um “procedimento” no âmbito das repartições públicas brasileiras.

Poderiam ser chamados de meros “procedimentos administrativos” ou “processos administrativos em sentido lato”.

O processo administrativo em sentido estrito ou processo administrativo propriamente dito é, diversamente, o instrumento no qual se desenvolve uma controvérsia ou uma lide entre o particular e a Administração Pública e esta soluciona o litígio aplicando a norma legal no caso concreto.

Em matéria tributária, a propósito, é comum a presença de processos ou procedimentos administrativos em sentido amplo (exemplos: a) pedido de restituição de tributo indevidamente pago; b) pedido de reconhecimento de isenção ou imunidade tributária; e c) consulta sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária) e em sentido estrito (exemplo: o contencioso administrativo fiscal), no qual se discute a legalidade da determinação e exigência do crédito tributário e onde há litígio entre o fisco e o contribuinte.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise acerca dos elementos introdutórios relacionados ao processo adminsitrativo tributário é essencial para o conhecimento, discussão e análise da matéria processual trabalhista.

Esperamos estar contribuindo com a discussão da matéria. 


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CASTARDO, Hamilton Fernando. Institutos de processo administrativo fiscal. Campinas: Apta Edições, 2012.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 3.ª ed. São Paulo: Atlas, 1998.

MACHADO, Hugo de Brito Mandado de segurança em matéria tributária. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 264.

MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2003, p. 200.

MELO, José Eduardo Soares de. Processo tributário administrativo: federal, estadual e municipal.. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.


Notas

[2] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 3.ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 489.

[3] MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2003, p. 200.

[4] MACHADO, Hugo de Brito Mandado de segurança em matéria tributária. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 264.

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