Comentários sobre a prorrogação dos contratos administrativos: aspectos constitucionais, administrativos e orçamentários

10/11/2017 às 12:43
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Comenta as regras que delimitam as possibilidades de prorrogação de contratos administrativos para além da vigência dos seus respectivos créditos orçamentários.

No que tange à extensão temporal, o contrato administrativo de prestação de serviços de natureza continuada pode ter sua duração prorrogada, ordinariamente, até o limite de 60 meses, e, extraordinariamente, até 72 meses, nos termos do que estabelece o art. 57 da lei 8.666/93.

Tais contratos caracterizam-se por possuírem um objeto que se estende no tempo, executando serviços repetitivos ou um conjunto de demandas previamente estipuladas que são faturadas, em geral, mensalmente. Não estão atrelados a um evento específico, cuja realização do objeto demarca o início e fim de sua validade. A esse respeito, vejamos o esclarecimento que nos presta Marçal Justen Filho[1]{C}, ao diferenciar o contrato comum (contrato de escopo) do contrato continuado:

Os contratos de escopo impõem à parte o dever de realizar uma conduta específica e definida. Uma vez cumprida a prestação, o contrato se exaure e nada mais pode ser exigido do contratante (excluídas as hipóteses de vícios redibitórios, evicção etc.)

...

Já os contratos de execução continuada impõem à parte o dever de realizar uma conduta que renova ou se mantém no decurso do tempo. Não há uma conduta específica e definida cuja execução libere o devedor.

Também o Tribunal de Contas da União (TCU), na PORTARIA-TCU Nº 128, DE 14 DE MAIO DE 2014, que disciplina em seu âmbito tais serviços, assim os distinguiu:

Art. 3º Quanto à duração, os contratos de serviços podem ser classificados em:

I - continuados: serviços cuja necessidade de contratação deva se estender por mais de um exercício financeiro e continuamente, na forma do art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; ou

II - não-continuados: serviços que tenham por escopo o fornecimento de bens ou utilidades, ou a prestação de serviços específicos em um período pré-determinado. (grifamos)

A Lei nº 8.666/93, ao estabelecer as seguintes regras no que tange à possibilidade de prorrogação contratual, as quais estão diretamente vinculadas à natureza dos contratos, assim estipula:

Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;

A disposição legal supratranscrita dá conta de uma regra geral e de duas exceções. A regra geral é a de que os contratos administrativos para aquisição de bens e serviços devem ter sua vigência restrita aos créditos orçamentários disponíveis para a referida contratação, ou seja, os créditos do exercício vigente, já que os orçamentos públicos são anuais.

Da leitura do caput do art. 57, também é possível compreender o caráter eminentemente orçamentário do comando por ele veiculado. Essa conclusão ganha ainda mais relevo pelo fato de a Lei nº 4.320/64 (Normas Gerais de Direito Financeiro), por meio do seu art. 34, definir a duração do crédito orçamentário como coincidente com o ano civil (31 de dezembro).

Logo, segundo o art. 57, caput, os contratos administrativos poderão ter vigência até 31 de dezembro do ano em que celebrados ou, caso extrapolem este limite para atingir 12 meses de vigência, devem ser totalmente empenhados e inscritos em restos a pagar, ressalvadas as hipóteses que o próprio art. 57 indica em seus incisos – as prorrogações.

A referida regra geral (restrição da duração à vigência dos créditos orçamentários) tem origem constitucional, e visa a garantir que o Poder Público se obrigue contratualmente somente quando já tenha assegurado os créditos orçamentários para fazer frente à despesa que está contratando. Não é à toa que os contratos administrativos devem citar expressamente, em uma de suas cláusulas, a dotação orçamentária destinada a suportar a despesa que se está criando por meio do contrato.

Note-se que a Constituição Federal de 1988 assim se expressa sobre as vedações no uso de recursos orçamentários:

Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

 

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

Diante da vedação constitucional, não restou outro caminho à Lei nº 8.666/93 senão o de consagrar, como regra geral, a de que os contratos não extrapolem a vigência dos créditos orçamentários que já lhe estão assegurados anualmente, ou seja, os créditos orçamentários previstos para o exercício em que o contrato foi firmado. Se um contrato não continuado extrapolar o limite do dia 31 de dezembro do exercício que foi contratado, seus créditos devem ser totalmente empenhados e inscritos em restos a pagar, de modo a atender aos meses restantes de execução.

Por essa lógica, verifica-se que a prorrogação de contratos administrativos é tema multifacetado, abrangendo a disciplina constitucional, o direito orçamentário e financeiro e também o direito administrativo, servindo-se, eventualmente, também do direito civil, em contratos que envolvem, por exemplo, seguros e locações.

Continuando, verificamos, pela redação do art. 57, que a primeira exceção a permitir que a duração dos contratos extrapole o período de vigência dos respectivos créditos orçamentários, é a contida no inciso I, do art. 57 já transcrito. Tal exceção é dirigida aos contratos denominados contratos de escopo, definidos por Marçal Justen Filho[2] como contratos que “impõem à parte o dever de realizar uma conduta específica e definida. Uma vez cumprida a prestação, o contrato se exaure e nada mais pode ser exigido do contratante”, e somente autoriza que o exercício dos créditos orçamentários seja extrapolado quando outra peça orçamentária, o Plano Plurianual, contiver previsão acerca do objeto do contrato, e desde que a possibilidade de prorrogação esteja contida no edital da licitação.

A segunda exceção à vigência contratual restrita aos créditos orçamentários destina-se, exatamente, a sustentar os contratos de serviços continuados, já aqui definidos.

Portanto, os entes públicos, ao promoverem contratações comuns, entendidos como contratos que não sejam de natureza continuada, devem observar às seguintes regras:

{C}a)      {C}Manterem a duração contratual atrelada à vigência dos créditos orçamentários assegurados no momento da contratação. Em caso de necessidade de renovação, deve realizar nova licitação (regra geral).

{C}b)      {C}Somente prorrogarem os contratos comuns quando os projetos onde a despesa se realiza estejam previstos no Plano Plurianual da respectiva esfera de governo, e se houver previsão editalícia para tanto (primeira exceção).

Qualquer hipótese diferente dessas poderá tisnar a contratação de irregular, sujeitando os gestores às sanções previstas na legislação que trata de ilícitos contra a ordem orçamentária e contratações públicas.

A segunda exceção, contudo, aquela que está prevista no inciso II, art. 57 da Lei 8666/93, e que permite a prorrogação até 60 meses dos contratos continuados foi uma homenagem do legislador o princípio da racionalidade administrativa, que é um consectário lógico do princípio constitucional da eficiência, posto no art. 37 da Constituição Federal, pois seria contrariar o interesse público exigir-se, de forma contraproducente, que a cada exercício os entes públicos relicitassem serviços classificados como de natureza continuada, cujas características são exatamente a necessidade de estarem sempre disponíveis para uso contínuo do órgão contratante, nas hipóteses permitidas por lei.

A racionalidade administrativa impõe que se faça uma licitação e que dela decorra um contrato que tenha permissão, por via da prorrogação, de extrapolar o exercício em que foi contratado, e seus créditos orçamentários, para estender-se até 60 meses, tudo com o objetivo de dar mais eficiência e trazer mais vantagens à Administração Pública, eliminando também os custos do procedimento licitatório, que não são baixos.

A interrupção, no caso do contrato continuado, tem efeitos nefastos, e deve ser evitada. Para tanto, a lei sabiamente autorizou a prorrogação. O Acórdão 132/2008, Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União, aponta no mesmo sentido:

Na realidade, o que caracteriza o caráter contínuo de um determinado serviço é sua essencialidade para assegurar a integridade do patrimônio público de forma rotineira e permanente ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do ente administrativo, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional.

As prorrogações realizadas nos limites legais podem resultar em duas vantagens fundamentais à Administração Pública: uma de ordem técnica e outra de ordem financeira.

Tecnicamente, costuma ser vantajosa a prorrogação, pois garante à Contratante a preservação de uma equipe técnica já familiarizada com os serviços necessários e plenamente mobilizada, desde que, obviamente, o serviço esteja sendo executado de forma satisfatória.

Financeiramente, a prorrogação do Contrato vigente geralmente também é vantajosa, tendo em vista que o seu valor, mesmo corrigido pelos índices contratuais, não supera o preço eventualmente obtido em nova licitação, isso sem falar nos custos da própria licitação.

            Entre garantir uma contratação já existente, com vantagens já demonstradas para a contratante, ou aventurar-se em nova licitação, assim se posiciona o emérito doutrinador DIÓGENES GASPARINI[3]:

O preço contratado, até por razões óbvias, deverá ser melhor que o conseguido através de uma licitação. Com efeito, o contratado já está familiarizado com a execução do contrato e, por conhecer bem o serviço que executa, pode suprimir etapas e eliminar custos. Ademais, o contratado conhece o proceder da Administração Pública quanto às exigências para o pagamento e a demora para que seja efetivado, por isso pode precaver-se sem onerar custos ou realizar despesas. Em suma, o contratado, por conhecer todos os aspectos da execução do contrato, pode rever sua estrutura de preço e oferecê-lo em condições de pagamento mais vantajosas para a Administração Pública contratante, sem necessidade alguma de degradar a qualidade do serviço prestado. Seu preço poderá ser menor e, portanto, melhor que o praticado em média pelo mercado, dado que seus proponentes não desfrutam desses conhecimentos.

Essa também é a posição firmada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no paradigmático Acórdão nº 1214/2013 – Plenário, onde, ao analisar as condições de gestão de contratos continuados no âmbito da Administração Pública, por meio de grupo de trabalho formado conjuntamente com a Advocacia-Geral de União e Ministério do Planejamento, posicionou-se da seguinte forma:

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“III. g – Prazo de vigência dos contratos de prestação de serviços de forma contínua

 

196.   Conforme determina o art. 57, inciso II, da Lei 8.666/93, a duração dos contratos ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ser prorrogados por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosos para a administração, limitada a sessenta meses.

197.   Portanto, como regra, a fixação do prazo de vigência dos contratos para a prestação de serviços de natureza contínua deve levar em consideração a obtenção de melhor preço e de condições mais vantajosas para a administração e não a vigência dos respectivos créditos orçamentários.

198.   Seguindo orientação do TCU, tem sido praxe a administração pública firmar a vigência desses contratos por 12 (doze) meses e prorrogá-los sucessivamente, por iguais períodos, até o máximo de 60 (sessenta) meses.

199. Porém, o Grupo de estudos compreende que essa regra deve ser entendida de maneira que reste claro que o prazo de vigência fixado atende à sua finalidade, que é a obtenção do melhor preço e das condições mais vantajosas para a administração.

200.   É pertinente concluir que, quanto maior o prazo de vigência desses contratos, maior é a segurança das empresas para ofertar seus preços, tendo em vista a estabilidade que lhes é oferecida no negócio. Com isso, é esperado um aumento da concorrência, com a expectativa de melhores preços e a participação de empresas melhor qualificadas para prestar os serviços.

201.   Ademais, o prazo de vigência de 60 (sessenta) meses só traz benefícios à administração, visto que os procedimentos atualmente adotados para a prorrogação serão significativamente reduzidos.

...”

Concluímos, diante das considerações aqui trazidas, que a possibilidade de prorrogação de contratos administrativos é composta de um conjunto de exceções ao caput art. 57 da Lei nº 8.666/93, e que o uso dessa possibilidade de extensão temporal, se bem conduzido, pode trazer benefícios à execução dos serviços necessário ao bom e ininterrupto funcionamento da Administração Pública.

A descontinuidade e as oscilações na execução de serviços e obras públicas têm se constituído em uma mazela que atinge toda a sociedade, que espera por eficiência do Estado. Assim a prorrogação contratual, quando presentes seus pressupostos, constitui-se em excelente prática administrativa para atendimento ao interesse público.

{C}[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 695

{C}[2] ___________________. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 695.

{C}[3] GASPARINI, DIOGENES. Prazo e Prorrogação do Contrato de Serviço Continuado. Revista Diálogo Jurídico. Número 14. 2002, P. 22

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Sobre o autor
Ricardo Coelho

Advogado, sócio do Escritório Ricardo Coelho Advocacia, especialista em Direito Empresarial, mestrando na Universidade Federal de Santa Maria.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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