Do interrogatório judicial ao direito a não autoincriminação do acusado

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11/11/2017 às 12:16
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2 DA NULIDADE ABSOLUTA E DO NOVO INTERROGATÓRIO

2.1 DA NULIDADE ABSOLUTA PELA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA O ATO DO INTERROGATÓRIO JUDICIAL

Sempre que possível, deverá ser realizado o ato do interrogatório do acusado, sob pena de nulidade, conforme determina o artigo 564, inciso III, e, do Código de Processo Penal, conforme menciona Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar32.

Determina o presente artigo:

Art. 564 A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(...)

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

(...)

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente e os prazos concedidos à acusação e à defesa.

Sabe-se que para ser reconhecida a nulidade de qualquer ato, a parte que se sentir prejudicada deverá demonstrar o real prejuízo sofrido, conforme determina o artigo 563 do Código de Processo Penal, tendo em vista que não há nulidade sem prejuízo, aplicando-se, assim, o princípio do pas de nullité sans grief, a não ser que a nulidade seja absoluta, onde o prejuízo é presumido33.

A nulidade ocorre não da ausência do acusado durante o ato aprazado, mas sim da supressão arbitrária pelo juízo, cancelando o ato sem que o acusado seja devidamente notificado, suprimindo, assim, a possibilidade do acusado ser ouvido em juízo, vedando o direito de exercitar sua autodefesa. Ainda, ocorre tal nulidade caso o juízo deixe de intimar o réu preso para comparecer em tal formalidade34.

Nestes casos, a nulidade ocorre de forma absoluta, pois o juízo deixa de realizar o interrogatório, mesmo sendo possível sua realização. Caracteriza-se, assim, prejuízo evidente para a defesa e vício insanável, tendo em vista que o réu tem direito à autodefesa e ninguém pode ser condenado pelo cometimento de ato ilícito sem que tenha sido devidamente ouvido no processo criminal35.

Nesse sentido é o entendimento de Eugênio Pacelli de Oliveira36, quando menciona que a ausência de intimação do acusado para o regular comparecimento ao interrogatório gera nulidade absoluta, pois o direito à oportunidade para o real exercício da autodefesa foi violado.

As nulidades deverão ser arguidas pela parte prejudicada conforme determina o artigo 571 do Código de Processo Penal, podendo o juiz, por provocação ou de ofício, determinar as diligências necessárias para sanar o vício. Ainda, o assistente da acusação poderá arguir a nulidade, bem como o Ministério Público, mesmo figurando como custus legis.

Salienta-se que as nulidades devem ser proclamadas a qualquer tempo, tendo em vista que “implica em flagrante desrespeito aos princípios da ampla defesa e contraditório”37.

2.3 DA REALIZAÇÃO DE UM NOVO INTERROGATÓRIO

Sabemos que o interrogatório é ato indispensável ao processo, onde o acusado tem o direito de exercer sua autodefesa, a qual consiste em direito de audiência e direito de presença, tendo a faculdade de permanecer em silêncio ou narrando os fatos, influindo, assim, no convencimento do juiz.38

No entanto é admissível que seja realizado novo interrogatório, quando o juiz entender pela necessidade de novos esclarecimentos, podendo ser realizado em qualquer fase do processo.39

O artigo 196 do Código de Processo Penal determina que a qualquer tempo poderá o juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer das partes, proceder um novo interrogatório.

Assim, havendo fundamentação das partes ou motivo que possa determinar o convencimento do juiz, poderá o interrogatório ser realizado novamente, desde que sejam obedecidas as regras, a fim de que não seja violada a ampla defesa do acusado.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou o ato do interrogatório judicial, demonstrando a sua natureza jurídica como sendo meio de prova e principalmente meio de autodefesa do acusado, tendo em vista que é por meio do interrogatório que o acusado poderá exercer o seu direito de autodefesa, tendo direito a palavra.

A autodefesa do acusado constitui especificamente em direito de presença, de poder estar presente na audiência de instrução e julgamento e ao direito de silêncio, respeitando assim o direito a não autoincriminação.

O acusado jamais será obrigado a constituir prova contra si mesmo, tendo a liberdade de escolha sobre a contribuição para a elucidação dos fatos, participando, assim, para o convencimento do juiz.

Vigora, em nosso ordenamento jurídico, o princípio do nemo tenetur se detegere, onde ninguém é obrigado a constituir prova contra si mesmo, sendo que o direito ao silêncio não poderá ser utilizado negativamente para o convencimento do juízo.

Desde que o ato do interrogatório seja realizado corretamente, não há que se falar em nulidade. Deve ser sempre respeitada as formalidades, como a oralidade, publicidade, obrigatoriedade e espontaneidade, pois o acusado jamais deverá ser obrigado a responder qualquer indagação.

Ocorrendo a ausência de intimação para o ato, haverá nulidade absoluta do feito, podendo ser arguida por qualquer das partes, bem como ser reconhecida de ofício pelo juízo. Neste caso, o prejuízo da defesa é presumido, diferentemente das outras nulidades, onde as partes devem demonstrar o real prejuízo sofrido.

No interrogatório, reconhecido pelos doutrinadores como um dos principais atos processuais, há a possibilidade do a acusado confessar a prática delitiva. No entanto, tal confissão deverá ser valorada com as demais provas colhidas aos autos, não podendo ser considerada como prova única.

Por fim, concluímos o estudo ressaltando a possibilidade da realização de um novo interrogatório, seja pela existência de alguma nulidade, como para o esclarecimento de determinados pontos que ajudem o convencimento do juiz, tanto para condenação, como absolvição do acusado.


REFERÊNCIAS

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BRITO, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

______________. Direito processual penal. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual esquematizado / Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


Notas

1 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 10 fev. 2015.

2 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.622.

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2010. p. 575.

4 AVENA, Norberto. Processo penal : esquematizado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2013. p. 525.

5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. – Artigo 5º.

6 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.621.

7 BRITO, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.203.

8 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.623.

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9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2010. p.580.

10 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.623.

11 AVENA, Norberto. Processo penal : esquematizado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2013. pp. 525-528.

12 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 430.

13 AVENA, Norberto. Processo penal : esquematizado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2013. p. 525.

14 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 361.

15 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 431.

16 AVENA, Norberto. Processo penal : esquematizado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2013. p. 528

17 STF – HC 94601/CE – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 11.09.2009.

18 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.622.

19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

20 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p.374.

21 BRITO, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.204.

22 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual esquematizado / Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 347.

23 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional.7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2011, p.625.

24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2010. p.583.

25 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 341.

26 AVENA, Norberto. Processo penal : esquematizado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2013. p. 532.

27 BRITO, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 204.

28 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2010. p.590.

29 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 361.

30 NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de processo penal e execução penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 398.

31 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 444.

32 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 429.

33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,2010. p. 536.

34 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 429.

35 TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed. Editora Jus Podivm, 2013, p. 430.

36 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 336.

37 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 351.

38 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual esquematizado / Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 341.

39 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Direito processual esquematizado / Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 341.

Sobre a autora
Mariana Dutra Bicca

Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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