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A responsabilidade civil dos fabricantes e fornecedores de produtos farmacêuticos

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24/01/2005 às 00:00
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2. A RESPONSABILIDADE CIVIL E O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1. Breve Histórico do Movimento Consumerista

No Código de Hamurabi (2300 a.C.), já se encontravam regulamentações a respeito do comércio, que de certa forma protegiam o consumidor, como a Lei 233, em que "o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas", [107] ou a lei 235, a respeito do construtor de barcos.

"O Código de Manu, na Índia do século XIII a.C., previa punição e multa àqueles que adulterassem produtos". [108]

Passando já a nossa era, na Grécia, com a Constituição de Atenas; na Europa medieval, França e Espanha; no Império Romano [109], destaca-se a prática de controle de abastecimento de produtos.

"Além disso, em Don Quixote de la Mancha, Miguel de Cervantes Saavedra, no início do século XVI, coloca como ordens baixadas por Sancho Pança, (...) a obrigatoriedade de ser anunciada a procedência e o nome do vinho que fosse adulterado (...)". (110)

A partir do século XVII, como explica Roberto Brasilone Leite:

As idéias liberais, como se depreende, surgiram com o intuito de eliminar o absolutismo do Estado e ampliar os espaços da cidadania. Nasceram na Inglaterra do século XVII com os filósofos empiristas, desenvolveram-se na França do século XVIII com os iluministas, propagaram- se pela Europa e pelo mundo, inspiraram a Independência norte-americana em 1776 (111) e triunfaram com a Revolução Francesa, em 1789 (112).

José Geraldo Brito Filomeno evidencia, neste contexto, três importantes fases de evolução:

Começando pela "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" (1789), passando ao "Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", (aprovado pela ONU em 1966) e terminando com a terceira fase, em que se encontra a Resolução nº 39/248 da ONU (09/04/85) (113).

A partir do século XIX, grandes mudanças ocorrem no mundo consumerista. Roberto Brasilone Leite, resume as mudanças ocorridas a partir do século XIX, até nossos dias, da seguinte maneira:

A fantástica evolução tecnológica iniciada no século XIX acarreta profundas transformações na realidade econômica, política e social do mundo. Essa nova realidade, por sua vez, impõe a mudança da legislação vigente, que se torna ultrapassada e inadequada para solucionar os conflitos interpessoais.

Foram surgindo, assim, novas disciplinas jurídicas. O computador e a Internet propiciaram o aparecimento do direito da informática ou direito cibernético; a consciência da devastação ecológica do planeta fez nascer o direito ambiental; as experiências genéticas e a clonagem de seres vivos deram origem a bioética e ao biodireito.

Dentre as graves mudanças que condicionam o mundo atual, destaca-se a que talvez seja a mais sensível no cotidiano do povo: a transformação de toda a população do planeta em um staff de consumidores. Hoje praticamente não existem comunidades auto-suficientes ou sustentadas por economia de escambo, o que era relativamente comum há trezentos anos. Cada um dos seis bilhões de habitantes do planeta é um consumidor – ao menos em potencial, já que 15% dessa população encontra-se abaixo da linha da miséria e não tem poder de consumo [114].

As características apontadas por Roberto Brasilone Leite constituem grandes modificações, as quais chamamos nos século XXI, de globalização. Essa globalização é largamente atacada por grande parte da população mundial, devido justamente, ao aumento da linha de miséria, cenário ao qual o Brasil possui destaque.

2.2. Evolução da Legislação de Consumo no Brasil

Na doutrina brasileira, predominava o princípio da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da Obrigatoriedade Contratual [115] (também chamado pacta sunt servanda) [116], protegendo-se tão somente a relação contratual e não seus efeitos.

Com a Revolução Industrial do século XIX, a produção artesanal foi substituída pela máquina. Houve intensa migração da população da zona rural para a zona urbana e a abertura de indústrias, passando a responsabilidade do chamado produtor-consumidor, para o fabricante. O maquinário produzia em larga escala (produção em massa), o que provocou uma grande taxa de desemprego, e de outro lado, a exploração da população, muitas das vezes, de forma fraudulenta, para que ocorresse a demanda dessa grande quantia de produtos. [117]

A sociedade de consumo foi, primeiramente, uma grande evolução do Direito Civil; o Código de 1916, continha à primeira norma de uma relação de consumo no Brasil. [118]

Porém, foi entre as décadas de 40 e 60 que realmente surgiu um direito do consumidor, começando, principalmente, após a 2º Guerra Mundial. Nessa época, o advento da televisão foi um marco, já que com ela surgiu o marketing.

Em 1940, o Código Penal, editado por Getúlio Vargas, trazia normas relacionadas aos crimes contra o consumidor; (arts. 272 e 273, corrupção, falsificação ou alteração de substância alimentícia ou medicinal).

Dentro deste conceito penal, Sônia Maria Vieira de Mello ainda cita:

Lei n. º 1.521 de 26/12/51, que trata dos crimes contra a economia popular, tutelando os consumidores diante de situações referentes à fraude dos fornecedores, quanto à quantidade ou qualidade dos bens adquirido (119).

A referida Lei, foi, durante anos, largamente utilizada nas questões consumeristas e, ainda hoje, podemos ver casos em que a mesma é de grande valia.

Roberto Brasilone Leite complementa:

Já em 1960 cinco normas importantes são editadas: a Lei Delegada nº 4 (26/09/62); a Lei nº 4.137 (10/12/62), esta revogada pela Lei 8.884 de 11/06/94 (Lei Antitruste), que se referia a infrações econômicas, visando a defesa do consumidor; a Lei da Reforma Bancária (Lei 4.495 de 31/12/64); em 1965 cria-se a Lei nº 4.728 (14/07/65), regulamentando o mercado de capitais e, em 1969 é criada a SUNAB (Superintendência Nacional do Abastecimento) (120).

Era comum a propaganda enganosa, como a de remédios milagrosos para calvície e a impotência sexual.

A partir da década de 80, órgãos especializados e responsáveis pela defesa dos consumidores são instituídos, como o Prodecon - Programa de Defesa do Consumidor (hoje Sistecom), o Conar – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, o Procon e o Decon, além do Condecon – Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

Carlos Alberto Bittar afirma:

A primeira norma legal que tratou de forma específica do direito do consumidor foi a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Ela representa o prenúncio da história do Direito do Consumidor como disciplina autônoma (121).

Com a promulgação da Constituição de 1988, em seu art. 48, das Disposições Constitucionais Transitórias, ficou determinado que o Congresso deveria elaborar um código de defesa do consumidor. Assim, em 11 de setembro de 1990 é instituída a Lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor, entrando em vigor no dia 12 de março de 1991. (Possuindo outras Garantias Constitucionais, verificadas em seus arts. 5º, XXXII, 129, III, 170, V e o citado art. 48 das disposições transitórias).

Exatamente por isso, José Geraldo Brito Filomeno finaliza:

(...) o Código de Defesa do Consumidor, (...) muito mais do que um corpo de normas é um elenco de princípios epistemológicos e instrumental adequado àquela defesa. E, em última análise, cuida-se de um verdadeiro exercício de cidadania, ou seja, a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gama de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa [122].

Após o ensejo histórico sobre os Direitos do Consumidor, passar-se-á a uma breve definição do que seja Código de Proteção e Defesa do Consumidor, para, então, adentrarmos aos conceitos principais.

A definição da palavra "código" é definida brevemente por Roberto Brasilone Leite:

"Código", provém do latim caudex, ou seja, "tabulinha de escrever". A partir do século IV, a palavra codice passou a ser utilizada no sentido de coleção de normas legais (...). "Na atualidade, código denota ''(...) o conjunto metódico e sistemático de normas legais atinentes à determinada disciplina jurídica'' " (123).

Apesar da semelhança com que os dicionários da língua portuguesa colocam, a distinção entre proteção e defesa, não é de todo redundante, já que o Código coloca as duas palavras distintamente, cada qual com sua significação.

Roberto Brasilone Leite assim explica:

A proteção referida no art. 1º, e tratada sob a denominação "interesses protegidos" nos arts. 82 e 83 têm conotação ampla e compreende todo o conjunto de princípios e instrumentos de amparo ao consumidor instituídos pelo Código, judiciais e extrajudiciais.

Já a expressão "defesa", utilizada, por exemplo, nos arts. 81 e 82, refere-se especificamente aos instrumentos de efetivação da proteção [124].

E, em seguida, dá o conceito:

O Direito do Consumidor é o ramo do direito que estuda as relações jurídicas entre fornecedor e consumidor final, em que este adquire produto daquele ou utiliza serviços por ele prestados mediante remuneração e sem caráter trabalhista (125).

Segundo o autor supra citado, a natureza jurídica de Direito do Consumidor é pública, como também explicita o art. 1º, enquanto sua finalidade primordial é, proporcionar, no tocante às relações de consumo, harmonia entre fornecedores e consumidores.

Ainda nos dizeres do autor acima citado, sete são os princípios do direito do consumidor, a saber:

(a) princípio protecionista ou da vulnerabilidade; b) princípio da intervenção estatal ou da obrigação governamental; c) princípio democrático ou da representação; d) princípio da qualidade ou da garantia de adequação; e) princípio da boa-fé objetiva; f) princípio da informação e da educação e g) princípio da efetividade da norma ou do acesso à justiça (126).

A proteção ao consumidor, portanto, é encontrada em vários tipos de relações, envolvendo desde objetos, lugares e atos, até o exercitar ou realizar do indivíduo, na ânsia de se ver satisfeito, seja materialmente, seja psicologicamente.

José Geraldo Brito Filomeno conclui, propondo a denominação "direitos do consumidor", no plural, afinal:

Congregam uma gama variada e complexa de institutos jurídicos e conceitos que pertencem a outros ramos da ciência jurídica, constituindo, o Código brasileiro a respeito, um verdadeiro "microssistema" de direitos do consumidor (127).

Ou seja, o C.D.C. utiliza-se de pré-conceitos, adquiridos em outros ramos do direito, principalmente do Direito Civil e Comercial.

Em contrapartida, J. M. Othon Sidou introduz:

Desde o tempo adamítico houve direito; e Adão e Eva devem ter sido consumidores (...) Logo, não há um direito específico do consumidor, como a contrário, há um direito civil, mercantil, cambial, familial, com natureza própria e compartida no cosmo jurídico. Há, sim, regras que, à medida da coexistência humana, impõem atenção mais acurada, soluções mais imediatas, policiamento mais prestante, na busca do equilíbrio social, uma vez que todos somos relacionados uns com os outros e exigimos, neste sentido, um mínimo de proteção128.

E conclui: "(...) a proteção ao consumidor depende basicamente do próprio consumidor".129

No ensinamento de J. M. Othon Sidou, não encontramos contrariedades espantosas. O Direito do Consumidor existe há milhares de séculos, porém, antigamente era exercitado de forma livre pelos próprios indivíduos.

Até a década de 90, quando o Código do Consumidor entrou em vigor, utilizávamos outros instrumentos em busca de proteção, seja individual, coletivamente, ou através das normas dos Códigos Civil, Comercial e das leis esparsas.

Com isso, podemos dizer que, a partir dos anos 90 tivemos a oportunidade de obter proteção nas relações de consumo, de forma imediata e eficaz, sem as antigas arbitrariedades utilizadas no passado.

Veremos agora, com detalhes, a relação de consumo e cada um dos seus elementos.

2.3. A Relação de Consumo

O Código do Consumidor possui como um de seus principais objetos, a relação de consumo, podendo esta ser vista como cooperação ou como concorrência.130

Agostinho Oli Koppe Pereira assim diz: "(...) é certo que toda relação de consumo é uma relação jurídica, mas nem toda a relação jurídica é uma relação de consumo".131

E completa explicando:

Assim, para que a relação de consumo possa ser uma relação jurídica de consumo, deve possuir os sujeitos e o objeto delineados conforme os ditames traçados pelo CDC, bastando, para a sua não- configuração, a falta de qualquer um desses elementos (...)132.

Os elementos do qual Agostinho Oli Koppe Pereira trata, sobre a relação de consumo, são necessariamente: o consumidor, o fornecedor e o produto ou serviço demandados.

Nelson Nery Júnior, assim conceitua as relações de consumo: "Aquelas que se formam entre fornecedor e consumidor, tendo como objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços pelo consumidor".133

A relação de consumo surge, como acima explicitado, com a presença de dois pólos (consumidor x fornecedor), compreendendo um negócio jurídico com princípios contratuais, a respeito de produtos ou serviços.

Leandro Cardoso Lages esclarece:

Em geral, a aquisição de bens ou serviços formaliza-se através de um acordo de vontades, no qual há uma prévia discussão a respeito da forma de prestação, pagamento, garantias, multas, indenizações, etc. A este acordo de vontades, dá-se o nome de contrato. Para uma maior segurança, o mesmo é reduzido a termo, ou seja, escrito e em seguida, assinado por ambas as partes e algumas testemunhas do ato. O contrato faz lei entre as partes, obrigando os contraentes quanto ao seu conteúdo134.

Porém, com o aparecimento de uma produção em massa, foi criado um "contrato de massa"135, ao qual o consumidor tem a obrigação de anuir, sem, contudo influenciar na sua elaboração. Consoante, de acordo com as normas, havendo algum evento danoso "(...) respondem solidariamente o fornecedor, o comerciante, o fabricante, o produtor, o intermediário e todos aqueles que intercederam na relação de consumo".136Assunto que será mais bem estudado nos capítulos seguintes.

Em relação ao termo consumo, Roberto Brasilone Leite diz:

A palavra "consumo", documentada no início do século XVI, provém do verbo latino "consumere", ''comer, consumir, gastar'', o qual, por sua vez, deriva do latim sumere, ‘tomar’, de onde resultou o verbo português "sumir". Este foi o modelo para a adaptação de consumir137.

O dicionário da língua portuguesa conceitua a palavra consumo como: 1. "Ato ou efeito de consumir; gasto. 2. Extração de mercadorias. 3. Aplicação das riquezas na satisfação das necessidades econômicas do homem. 4. Aproveitamento dos produtos".138

Agostinho Oli Koppe Pereira, assim assevera sobre o assunto:

Consumo é o processo pelo qual se derivam utilidades de um bem, ou de um serviço. De uma forma mais generalizada, também se pode descrever o consumo como a atividade de adquirir bens e serviços com o intuito de auferir satisfações139.

E complementa:

Nesse momento é de se perguntar: o que o CDC entende por bem de consumo? (...) Ao invés de falar em bem de consumo, o CDC optou por usar a nomenclatura produto ou serviço. Portanto, o bem a ser consumido, para se enquadrar no Código, pode ser produto ou serviço140.

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A conceituação de bens juntamente aos produtos e serviços serão vistos tópicos à frente, de forma detalhada.

Passemos agora, ao conceito referente a consumidor.

2.3.1. Consumidor

Várias críticas são feitas ao conceito de consumidor, uma delas diz respeito ao que Antônio Hermen V. Benjamin afirma: "a definição jurídica de consumidor não está assentada nem mesmo naqueles países que possuem legislação especial para protegê-lo".141

Agostinho Oli Koppe Pereira inicia sua perspectiva a respeito do consumidor, da seguinte forma:

(...) a princípio, toda pessoa pode ser considerada como consumidor. Porém, para se compreender juridicamente o conceito, é de se restringir sua visão aos parâmetros traçados no campo do Direito e, dentro deste, buscar subsídios tanto no âmbito legal e doutrinário, quanto no jurisprudencial142.

Realmente, como disse o autor acima, numa visão ampla, todo indivíduo poderá ser consumidor, porém, de acordo com o C.D.C., há algumas restrições a respeito deste conceito, as quais veremos a seguir.

Roberto Brasilone Leite enuncia o conceito de consumidor, referindo-se ao art. 2º caput do C.D.C.143

J. M. Othon Sidou, de forma mais completa, explica:

Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação da vontade; isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir144.

J.M. Othon Sidou, ao conceituar consumidor, pecou somente ao omitir o termo destinatário final, afinal, possui o mesmo grande repercussão no estudo da matéria.145

Enquanto isso, Thierry Bourgoignie, considerado o mais brilhante jurista belga na matéria, dá outro enfoque ao conceito de consumidor: "(...) o consumidor será toda pessoa (...) cuja utilização destinação – se faz apenas com fins comerciais ou não profissionais".146

"A comunidade Européia, na Resolução n. 543, de 17 de maio de 1973, que aprovou a Carta de Proteção do Consumidor, assim define consumidor: ''pessoa física ou coletiva a quem são fornecidos bens e prestados serviços'' ".147

Plínio Lacerda Martins, denomina o conceito do art. 2º como conceito padrão interpolando a palavra, "standard" (derivada da língua inglesa), e complementa explicando: "(...) haja vista que a lei consumerista reconhece outras pessoas como consumidoras denominando-as de consumidores por equiparação (bystandard)".148

São considerados consumidores, ainda, como explica Roberto Brasilone Leite, as pessoas jurídicas de direito público interno e externo, além das já citadas, pessoas jurídicas de direito privado; as pessoas que recebem produtos como presente; os empresários, quando adquirem bens para guarnecimento das instalações da fábrica.149

O Código do Consumidor, neste ínterim, preocupou-se em proteger as pessoas estranhas à relação de consumo ("bystandards"), as quais, porém, vieram a sofrer prejuízos de mesma monta, ou maiores do que os consumidores diretos ("standards").

Nehemias Domingos de Melo afirma o exposto acima, e em suas palavras explica:

(...) toda e qualquer vítima de acidente de consumo equipara-se ao consumidor para efeito da proteção conferida pelo C.D.C. Passam a ser abrangidos os chamados "bystander" que são terceiros que, embora não estejam diretamente envolvidos na relação de consumo, são atingidos pelo aparecimento de um defeito no produto ou no serviço150.

Em conclusão, portanto, consumidor vem a ser a pessoa a qual ocupa o pólo ativo em uma relação jurídica de consumo, seja de forma direta (art. 2º) "standard", ou equiparada, (arts. 2º parágrafo único, 17 e 29 do C.D.C.) "bystandard", e na posição de destinatário final151 (aquele que utiliza o produto e não o adquirente), com intuito de se ver satisfeito em suas necessidades físicas, materiais ou psicológicas, e ainda, poder se resguardar de práticas abusivas do mercado, com amparo da legislação.

A título de curiosidade, encerramos esse tópico, citando a existência do chamado, dia internacional do consumidor, instituído pela Organização das Nações Unidas, celebrado no dia 15 de março.152

2.3.2. Fornecedor

No Brasil, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11/09/1990, em seu art. 3º utiliza a palavra fornecedor; já no art. 12 fala do fabricante, produtor, construtor, nacional ou estrangeiro e do importador; no art. 13, adenda à nomenclatura utilizada no art. 12, o comerciante; no art. 18 volta a falar em fornecedor153.

Podemos perceber, de início, que Agostinho Oli Koppe Pereira, ao enunciar todos esses arts. do C.D.C., deixou evidente a existência de vários tipos de fornecedores, cujas diferenças, veremos nos tópicos seguintes.

Introduziremos, então, o assunto, remontando-nos ao art. 3º da Lei 8.078/90, in verbis: Art. 3º - "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados154, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Plínio Lacerda Martins conceitua fornecedor nas seguintes palavras:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica que oferta produtos ou serviços mediante remuneração com atividade, cabendo salientar que é dispensável que o fornecedor seja uma pessoa jurídica (empresa, indústria, etc), pois o art. 3º autoriza inclusive as pessoas despersonalizadas155.

Podemos, por conseguinte, realçar no conceito de fornecedor, um elemento subjetivo, ligado à pessoa, e um elemento objetivo, ou seja, "(...) a qualidade exterior que, associada ao sujeito, distingue-o e o faz classificado como fornecedor".156

Carlos Romero Lauria Paulo Neto, ao contrário, assevera:

Com efeito, não há índole subjetivista, sendo relevante apenas, para a configuração de fornecedor, que o ente, desenvolvendo atividade civil ou mercantil, seja responsável pelo oferecimento, entrada ou intermediação de produtos ou serviços no mercado, com profissionalidade157.

Podemos ressaltar a última parte deste conceito, a qual, de forma implícita, volta a falar dos tipos de fornecedores, quando diz: "(...) responsável pelo oferecimento, entrada ou intermediação de produtos ou serviços".

Da mesma maneira, Agostinho Oli Koppe Pereira assegura:

O CDC, ao definir fornecedor, diz ser aquele que exerce atividade, que pode ser de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º CDC). Assim, a atividade pode estar vinculada ao produto e ao serviço158.

Ainda como espécies de fornecedores, como dito no começo deste tópico, podemos citar: os comerciantes, fabricantes, produtores, construtores, importadores.159

Para não nos estendermos, falaremos apenas sobre alguns.

2.3.3. Comerciantes e Distribuidores

Segundo Agostinho Oli Koppe Pereira, o comerciante e o distribuidor são aqueles que:

(...) intermedeiam a comercialização do produto entre o produtor e o consumidor. Incluí-los na classe dos fornecedores é de suma importância, uma vez que, muitas das vezes, a confiança do consumidor na aquisição do produto está mais no comerciante no distribuidor do que no próprio produtor160.

Os comerciantes, são os fornecedores que possuem maior contato com o consumidor, tornando-se peça fundamental na responsabilidade civil nas relações de consumo.

2.3.4. Fabricantes

O próprio autor, Agostinho Oli Koppe Pereira, assim assevera sobre os fabricantes: "(...) não se pode entender por fabricante somente aquele que coloca o produto no mercado".

Nesse sentido se manifesta Sílvio Luis Ferreira da Rocha:

Por fabricante devemos entender a pessoa física ou jurídica que coloca no mercado produtos industrializados, manipulados ou processados, acabados ou semi-acabados. O conceito de fabricante abrange não só aquele que produz produtos acabados, mas também aquele que produz matéria-prima, componentes e peças para serem utilizados na fabricação de outros bens161.

Se utilizarmos os termos contidos no dicionário da língua portuguesa, veremos que Ferreira da Rocha explanou o conceito "fabricante", de forma clara e concisa, esquecendo-se somente de assinalar que o fabricante inclui também, aquele que dirige, organiza ou é o proprietário da fábrica.

Como veremos a seguir, o fabricante encaixa-se na classificação dos chamados fornecedores reais ou mediatos, afinal, participam da "(...) realização e criação do produto acabado ou de parte componente do mesmo, inclusive a matéria-prima (...)".162

2.3.5. Produtores

O termo produtor é definido como a pessoa que, (...) é considerada responsável a título principal. É o criador do produto, sem embargo do que o art. 3°, nos parágrafos 2° e 3°, ressalva a condição de haver sempre um responsável se não se puder apurar, na demanda pela vítima, a pessoa do produtor de fato163.

A doutrina costuma chamá-los de "responsáveis", e classifica-os da seguinte forma: a) fornecedor real; b) fornecedor presumido e; c) fornecedor aparente.

Carlos Romero Lauria Paulo Neto, assim descreve as seguintes categorias:

O fornecedor real é o que efetivamente participa da realização e criação do produto acabado ou parte componente, abrangendo assim o fornecedor final e o intermediário.

O fornecedor aparente, por sua vez, aparece como o produtor ou consumidor, na medida em que, ao apor seu nome ao produto assume a sua fabricação, bem como os riscos envolvidos.

Por fim, o fornecedor presumido é geralmente aquele que adquire produtos anônimos, industrializados ou não, para vender ao mercado de consumo. Geralmente, são importadores e comerciantes. A lei admite, por ficção, que assumam a condição de fabricantes, para que em defesa do consumidor, possam-lhes ser imputada à responsabilidade pelos acidentes de consumo164.

De acordo com Marins, o fornecedor real, também chamado de mediato, é:

(...) toda pessoa física ou jurídica que participa da realização e criação do produto acabado ou de parte componente do mesmo, inclusive a matéria-prima, ou seja, é o fornecedor final assim como o fornecedor intermediário", podendo ser portanto o fabricante, o produtor e o construtor165.

"(...) o verdadeiro fornecedor não é aquele que está sendo responsabilizado, mas outra pessoa".166 Assim é visto o fornecedor presumido por Agostinho Oli Koppe Pereira.

Sílvio Luís Ferreira da Rocha conceitua fornecedor presumido da seguinte maneira: "O fornecedor ou produtor presumido é aquele que importou os produtos, ou, ainda, vende produtos sem identificação clara do seu fabricante, produtor, importador ou construtor (art. 13, CDC)".167

O fornecedor aparente, no entanto:

(...) é aquele que, aos olhos do consumidor, responsabiliza-se pela qualidade do produto, de tal forma que o consumidor adquire o produto porque imagina que tal fornecedor participou do processo produtivo ou que infere, ao produto, a qualidade desejada pelo consumidor.

O fornecedor aparente não participa diretamente do processo produtivo. Ele apenas participa como elemento fiscalizador, uma vez que são terceiras pessoas que desenvolvem a atividade direta da fabricação168.

Estas são, portanto, as espécies de fornecedores, delineadas capítulos à frente de formas exemplificativas.

2.3.6. Produtos

J. M. Othon Sidou dá seu conceito de produto:

Produto é todo objeto, natural ou não, seja bruto ou manufaturado, em estado autônomo ou incorporado a outro produto ou a um imóvel. Se bem que os bens imóveis estejam excluídos do campo de aplicação convencional, as coisas móveis a eles incorporadas consideram-se "produto" e são como tais submetidas ao regime de responsabilidade previsto pelo instrumento169.

O C.D.C., em seu art. 3°, parágrafo 1°, define, in verbis: Art 3°- §1° - "Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial".170

Agostinho Oli Koppe Pereira, a respeito de produto possui a seguinte visão:

É de se notar, no entanto, que o § 1º do art. 3º do CDC, ao mesmo tempo que se refere a produto, também utiliza a expressão bem, quando estabelece "produto é qualquer bem". Seria uma referência ao bem em seu sentido mais amplo. A explicação de produto através da idéia de bem significa que não houve um afastamento da idéia de bem jurídico, embora, numa visão mais restritiva, o produto denote vinculação com a criatividade humana171.

Agostinho Alvim ensina que bens "(...) são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica".172

O conceito de bens, puramente analisado, é um quanto genérico, dizendo respeito a qualquer tipo de bem regulado por norma jurídica. O produto, porém, denota uma espécie de bem jurídico economicamente visto, já que integra a relação jurídica, no caso específico, relação jurídica de consumo.

Agostinho Oli Koppe Pereira conclui da seguinte maneira:

Portanto, ao se analisar o § 1º do art. 3º do CDC, deve-se vincular produto com relação jurídica de consumo. O parágrafo não fala de produto de forma geral e cotidiana, mas de produto dentro de uma relação jurídica de consumo, ou seja, o produto do parágrafo é aquele que é parte de uma relação jurídica de consumo, ou que dela pode fazer parte. Portanto, essa análise deve ser procedida tendo em vista outros aspectos.

Pode-se dizer que, embora o §1º do art. 3º diga que "produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial'' pode-se entender que nem todo bem é um produto para a relação jurídica de consumo, vez que o bem se apresenta como gênero, e o produto, como espécie"173.

O que realmente nos importa aqui é o fato do produto, já que bem, impõe-nos uma gama muito grande de especificações.

2.3.7. Serviços

O serviço visto pelo prisma do C.D.C., é conceituado, in verbis:

Art. 3°- § 2° - "Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista".

Agostinho Oli Koppe Pereira confirma, e com suas palavras diz:

O código não coloca, como possível objeto da relação jurídica de consumo, qualquer serviço, mas tão-somente aquelas atividades fornecidas no mercado de consumo, mediante remuneração. Assim, se a atividade não for fornecida no mercado de consumo, não será considerada serviço para efeitos do código. E, também, se a atividade for oferecida no mercado de consumo, mas de forma gratuita, não será considerada serviço para os mesmos efeitos174.

Os serviços serão de fundamental interesse quando falarmos na responsabilidade civil de médicos, farmacêuticos, entre outros, ou seja, a responsabilidade dos profissionais liberais.

2.3.8.Vícios e Defeitos

Primeiramente, não podemos deixar de citar os chamados vícios redibitórios, os quais imperavam, através do Código Civil, antes da instituição do Código de Defesa do Consumidor.175

Roberto Brasilone Leite ao analisar o C.D.C., afirma que o mesmo possui a seguinte classificação a respeito das imperfeições dos produtos e serviços: "(a) a dos vícios, previstos nos arts. 18 e 20; e b) a dos defeitos, regulados nos arts. 12 e 14". A seguinte classificação corresponde à natureza e aos efeitos das imperfeições.176

Apesar de vez ou outra, serem utilizadas como sinônimas, as palavras vício e defeito possuem conceituação diferenciada.

Roberto Brasilone Leite, assim conceitua os vícios:

Os vícios são as imperfeições que tornam o produto ou serviço impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, diminuem-lhes o valor, ou, ainda, as que denotam disparidade com as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem ou da oferta ou mensagem publicitária177.

Já sobre os defeitos, o mesmo autor diz:

Os defeitos dos produtos e serviços consistem em imperfeições de natureza grave, capazes de causar dano à saúde ou à segurança do consumidor. Na acepção legal, produtos e serviços defeituosos são aqueles que não oferecem a segurança que deles legítima e razoavelmente se espera (arts. 12, parágrafo 1º, e 14, parágrafo 1º)178.

Em outras palavras, J. M. Othon Sidou assevera:

Para o entendimento de defeito, em cuja noção repousa a base do regime de responsabilidade, o instrumento internacional arrima-se numa definição negativa, ou seja, o não oferecer o produto à segurança que dele se pode legitimamente esperar, em virtude de um critério objetivo179.

Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz relaciona o conceito ao Código Civil, da seguinte forma:

Para o C.C. as expressões "vício" e "defeito" são equivalentes, enquanto que no sistema do C.D.C. "defeito" é vício mais dano à saúde ou segurança, estando associado, portanto aos fatos do produto ou serviço e "vício" está associado à deficiência de qualidade ou quantidade do produto ou serviço180.

Como ensina Luiz Antônio Rizzato Nunes:

O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é um vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago181.

De maneira sucinta, podemos concluir que, os vícios dizem respeito às anomalias ocorridas no funcionamento do produto ou serviço, sem, contudo, colocar em risco a saúde dos consumidores.

E, portanto, defeituosos, são aqueles produtos que não oferecem a devida segurança que se espera deles, em função de seus riscos, seja pela ausência de informações, pela constatação de erro em seu conteúdo, etc., correspondendo à deficiência, a qual é incluída o dano, que possa colocar em risco a saúde dos utentes.

Ademais, Roberto Brasilone Leite, classifica os defeitos face à responsabilidade civil:

No que tange à responsabilidade civil, os defeitos classificam-se em defeitos juridicamente irrelevantes e defeitos juridicamente relevantes.

Os defeitos juridicamente irrelevantes para a responsabilidade civil não acarretam para o fornecedor a obrigação de reparação de danos. (São encontrados no art. 12, parágrafo 1º, inciso II, III, e parágrafo 3º, inciso III; art. 14, parágrafo 1º, inciso II e III e parágrafo 3º, inciso III).

Os defeitos juridicamente relevantes para a responsabilidade civil, ao contrário dos anteriores, obrigam o fornecedor a reparar os danos causados. Os mesmos são encontrados nos caputs dos arts.12 e 14182.

Exemplo claro de defeito de produtos farmacêuticos (medicamentos) mundialmente conhecido, é o do Talidomida.

2.4. A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor vivencia suas ações a partir do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, procurando proteger o consumidor de eventuais prejuízos ocasionados pelo fato do consumidor ocupar, na relação de consumo, uma posição tão fraca e suscetível de ser lesada183.

Em outras palavras, o Código do Consumidor foi criado como instrumento para a proteção do hipossuficiente184, em regra, o consumidor.

Nelson Nery Jr., assim diz:

As relações de consumo estavam desequilibradas no mercado, estando o consumidor sem recursos legais hábeis a torná-lo tão forte quanto o fornecedor. O Código veio para regulamentar essas relações, criando mecanismos para que se torne equilibrada, evitando a prevalência de um em detrimento do outro sujeito das relações de consumo185.

Como citado, por Roberto Brasilone Leite, no tópico sobre o Código de Defesa do Consumidor, ampliando a esfera dos princípios norteadores do C.D.C., Carlos Alberto Bittar enuncia:

(...) como princípios fundamentais do sistema nacional de defesa do consumidor os seguintes: (art. 4º) o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor; o da proteção governamental; o da compatibilização dos interesses dos consumidores e das empresas; o da informação e o da educação de fornecedores e de consumidores; o do incentivo ao controle de qualidade dos produtos e o da instituição de mecanismos alternativos de solução de conflitos; o da coibição e da repressão de abusos no mercado de consumo e no âmbito da concorrência desleal; o da racionalização e da melhoria dos serviços públicos; o do estudo constante das modificações do mercado de consumo186.

Entre os destacáveis enfoques do C.D.C., encontra-se a proteção contra produtos ou serviços perigosos, alicerçando-se no princípio da segurança à saúde. Este será um de nossos enfoques primordiais nos próximos capítulos.

No capítulo I, tivemos a oportunidade de estudar todas as formas de responsabilidade, além de suas várias espécies.

Voltando ainda, ao primeiro capítulo, relembramos o princípio "in lex aquilia et levíssima culpa venit", ou seja, o agente é obrigado a indenizar a vítima, não levando em conta a existência de culpa nem sua gravidade. Aqui é o ponto em que se baseia a Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor.

Roberto Brasilone Leite ensina que:

As mudanças introduzidas pelo Código afetam direta e objetivamente dois campos do estudo jurídico: o do contrato de consumo e o da responsabilidade civil. No primeiro, cuida das irregularidades nos contratos de consumo e dos vícios e defeitos nos bens ou serviços fornecidos. No segundo, regula a questão da responsabilidade pelos danos decorrentes de defeitos do produto ou serviço187.

E complementa:

(...) a responsabilidade civil pertinente às relações de consumo será a chamada, responsabilidade por culpa presumida; e exemplifica sua afirmação, apontando os arts. 12, parágrafo 3°, III, e 14, parágrafo 3°, II, os quais "apontam como causa excludente da responsabilidade do fornecedor a prova da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro"188.

Carlos Romero Lauria Paulo Neto, diferentemente afirma:

Assim, há a responsabilidade objetiva com culpa presumida e a responsabilidade objetiva com culpa prescindível. No primeiro caso, embora a culpa não precise ser provada pela vítima, permite-se que o agente faça prova em contrário, isto é, prova de fato que exclua sua culpa, donde se conclui que, neste caso, milita uma presunção relativa de culpa do agente, tendo-se, por conseqüência apenas, a inversão, em detrimento deste, do ônus probandi. No segundo caso, o agente da conduta lesiva será responsabilizado independentemente da existência de culpa; qualquer indagação acerca de culpa do agente; os fatos são vistos de forma objetiva, não cabendo valoração comportamental do agente ou de quem quer que seja.

Ao tratar da responsabilidade civil do fornecedor, o legislador adotou a teoria da responsabilidade civil objetiva, com culpa de todo dispensável ou prescindível. Deveras, nos artigos 12, caput, e 14, caput, previu que o fornecedor em geral responderá pelos danos causados aos consumidores, "independentemente de culpa189.

Essa temática encontra-se inserida na ética, dita por Roberto Brasilone Leite, "boa-fé objetiva".190 O fornecedor-produtor deverá, calcado em uma ética profissional e cultural, agir com prudência na realização de suas atividades, sob risco de ser responsabilizado por danos causados, sob a égide de uma responsabilidade independente da prova de culpa.

O princípio da inversão do ônus da prova foi uma grande alteração trazida pelo Código do Consumidor, encontra-se inserida no art. 6º, inciso VIII.

Podemos dizer, que este consiste na dispensa ao consumidor de apresentar a prova ou verossimilhança, obrigando assim, a mudança da responsabilidade de provar ao fornecedor.

Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova cabe a quem alega.191

Assim comenta Roberto Brasilone Leite: "Um dos grandes trunfos dos fornecedores-infratores, que impedia a decretação judicial de sua responsabilidade, era justamente a teoria clássica do ônus da prova".192

Assim, nas palavras do mesmo autor: "(...) portanto, se alegação do consumidor for verossímil, o juiz não pode deixar de inverter o onus probandi, por se tratar de um direito da parte e não de uma faculdade ilimitada ao juiz".193

E complementa, concluindo seu raciocínio:

Dessarte, desde que julgada procedente a ação de responsabilidade do fornecedor ajuizada por uma das vítimas do evento danoso, todas as demais vítimas poderão posteriormente habilitar-se no processo para promover a liquidação e execução da indenização devida, mediante execução coletiva (art. 98 do Código)19·;

A regra acima, diz respeito aos direitos difusos e coletivos, encontrados na Constituição Federal e no próprio Código do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VI.

Há ainda, o que chamamos de desconsideração da personalidade jurídica (art. 28 e parágrafos). Esta se determina, nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho, pela autorização que se dá ao Poder Judiciário:

(...) a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que, originariamente, cabia à sociedade195.

Não há, portanto, confusão entre o patrimônio da sociedade com o dos sócios, ou seja, o interesse jurídico da primeira não poderá ser perseguido pelo interesse individual dos sócios.

A isso tudo, encontra-se ligada à aplicação da competência mais benéfica ao consumidor, princípio importante no estudo da responsabilidade civil no C.D.C.

Não podemos esquecer ainda, que existem cláusulas de exoneração da responsabilidade do fornecedor, fabricante, produtor, etc., estas já foram estudadas no capítulo I, relembrando como exemplo, citamos: o caso fortuito ou de força maior.

2.5. Obrigações de Meio e Obrigações de Resultado

No campo do Direito das Obrigações encontramos as distintas, obrigações de meio e de resultado. Esta distinção relaciona-se à prova, como veremos.

Washington de Barros Monteiro conceitua:

Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio196.

As obrigações de resultado, ou determinadas197, são aquelas em que o devedor vincula-se a um resultado certo, além de o credor poder exigir a produção desse resultado. Uma vez inadimplidas, caberá ao devedor provar que a obrigação não ocorreu por sua culpa, podendo ter ocorrido um caso fortuito ou de força maior.

Ao contrário, nas obrigações de meio, ou "obrigações gerais de prudência e diligência"198, o devedor não se obriga a um resultado determinado, mas tão somente, a agir com prudência, diligência, em benefício do credor.

Nesse caso a prova cabe ao credor, devendo o mesmo demonstrar que o resultado não ocorreu, ou se deu de forma diferente, devido à falta de escrúpulos ou diligência do agente.

Concluímos, portanto, que a Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor possui a característica de Obrigação de Meio, afinal, os agentes (fornecedores ou fabricantes), possuem o dever de agir com prudência, seja na fabricação, na venda, ou mesmo no fornecimento de seus produtos e serviços aos consumidores, não sendo obrigados a que o resultado dessas ações seja determinado. A prova, portanto, de suas atitudes inescrupolosas, caberá ao consumidor, apoiado na legislação do C.D.C.

A principal distinção entre as obrigações de meio e as obrigações de resultado, dizem respeito à questão do ônus da prova.

Como exemplo: o consumidor que adquire produto farmacêutico, e vem a sofrer lesões graves, devido à medicação encontrar-se contaminada. Deverá o mesmo provar que o laboratório, ou empresa, os quais fabricaram o produto, agiram com negligência na higiene de seu estabelecimento, esta é a regra. Aplicando-se a teoria da inversão do ônus da prova, esta incumbência passará ao laboratório ou empresa.

2.6. Natureza Extracontratual da Responsabilidade

Com o grande progresso tecnológico, e o aparecimento de uma "massa consumidora", novos conceitos foram criados.

Caio Mário da Silva Pereira assim introduz:

Tornou-se, então, necessário repensar o problema da responsabilidade, sob a inspiração de novos conceitos e das exigências do comércio, principalmente em termos de produção em série, e de processos técnicos de verificação e atestação concluírem ser imune de defeitos a coisa comercializada199.

Porém, neste ínterim, a preocupação mais significativa é, proporcionar acentuada e ampla proteção ao consumidor.

O que nos interessa nesse tópico, é ressaltar a natureza extracontratual da responsabilidade civil no Código Proteção e Defesa do Consumidor, em que, o risco, ou seja, a mera possibilidade de ocorrência de um dano, às pessoas ou bens alheios, pode trazer o dever de reparação.

Assim concluímos que a responsabilidade civil no C.D.C. possui natureza estritamente extracontratual, já que, não exige a ocorrência certa, determinada de um dano, e muito menos a culpabilidade.

2.7. Natureza Objetiva da Responsabilidade

Nos remontando ao capítulo I, vemos que duas são as modalidades de responsabilidade civil: a subjetiva, se fundada na culpa, e a objetiva, se ligada ao risco (responsabilidade civil em sentido estrito ou aquiliana).

Como já pudemos ver, a responsabilidade objetiva remontou, principalmente, à Revolução Industrial, demonstrando dois princípios fundamentais, quais sejam: o da boa-fé e o da equidade.

A responsabilidade extracontratual objetiva busca suporte na teoria do risco, segundo o qual, o dever de indenizar não encontra amparo na conduta do agente causador do prejuízo, mas sim, no risco existente em suas atividades relacionadas a terceiros, devido ao proveito econômico resultante das mesmas. Assim seja, indica os casos, nos quais, o que importa é o nexo causal entre o ato do agente e o dano ocasionado à vítima.200

Nas palavras de Fábio Henrique Podestá:

Na teoria objetiva prescinde-se da idéia de culpa que em alguns casos é presumida e em outros nem se exige a prova de sua ocorrência, o que impõe inversão do ônus da prova ao agente para demonstrar que sua conduta não foi culposa201.

E complementa:

De fato, parte-se do pressuposto de que a existência da atividade econômica que presta o serviço ou coloca à disposição determinada mercadoria faz com que não seja necessária à apuração de culpa na hipótese de responsabilidade do fornecedor que pratica qualquer dano contra o consumidor, bastando-se também somente que este prove o prejuízo e nexo causal, que a indenização fluirá como conseqüência natural do evento202.

Concluímos, portanto, que, a responsabilidade civil no Código do Consumidor, possui sua natureza objetiva, afinal, a conduta culposa ou dolosa do agente não é de suma relevância; o dever de indenizar pode surgir se for verificada a relação de causalidade entre o dano e a conduta (art. 927, parágrafo único), priorizando a figura do lesado, a vítima do dano.

Como exemplo, podemos citar, o comerciante que, no exercício de sua atividade, causa danos ao consumidor. Como previsão legal, o art. 931 do Código Civil diz, in verbis: Art. 931 – "Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação".

2.8. Cláusula de não indenizar

A cláusula de não indenizar nada mais é do que, a possibilidade de se convencionar, nas obrigações de natureza contratual, que uma das partes não se responsabilize pelos danos que por ventura vierem a ocorrer; transfere-se, portanto, os riscos do contrato para a pessoa da vítima.

Caio Mário da Silva Pereira, diz que a cláusula de não indenizar é a "convenção pela qual se exime o responsável do dever de reparação (...)".203

Seguindo o mesmo raciocínio, Sílvio de Salvo Venoza conceitua a cláusula de não indenizar: "Trata-se da cláusula pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial".204

A respeito da cláusula referida, Caio Mário da Silva Pereira assevera:

No seu mecanismo, a convenção funciona como acessória, nunca como obrigação principal. Pressupõe uma obrigação, legal ou convencional, cujo inimplemento gera a responsabilidade. E para abolir os efeitos desta, vem à cláusula exoneradora de suas conseqüências, apelidada por metonímia, e com impropriedade, cláusula de não responsabilidade205.

Grande controvérsia existe, a respeito da legitimidade da cláusula de não indenizar, havendo teses, as quais, a proíbem, por ser contrária ao interesse social, ou seja, é imoral e algumas que se baseiam na autonomia da vontade para admití-la.206

Sílvio de Salvo Venoza evidencia:

No campo dos direitos do consumidor, essa cláusula é nula (art. 51, I)207. O Código de Defesa do Consumidor admite nesse mesmo artigo a limitação da responsabilidade indenizatória "em situações justificáveis, quando o consumidor for pessoa jurídica. Em se tratando de consumidor, pessoa natural, não se admite qualquer cláusula que o restrinja ou exonere do dever de indenizar208.

De acordo com nosso estudo, esta parece ser a tese a qual, melhor esclarece nossa linha de raciocínio.

Tanto Sílvio Rodrigues como Sílvio de Salvo Venoza, caracterizam como requisitos de validade da cláusula de não indenizar, a bilateralidade do consentimento e a não colisão com preceito cogente de lei, ordem pública e com os bons costumes.209

Com este esclarecimento, não nos resta dúvida de que, a cláusula de não indenizar, é inadmissível quando não há contrato, ela portanto, não terá validade, como já dito acima, será nula em relação à responsabilidade civil no C.D.C, afinal, a responsabilidade consumerista possui natureza puramente extracontratual e objetiva.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAIB, Laila Ferreira. A responsabilidade civil dos fabricantes e fornecedores de produtos farmacêuticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 566, 24 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6207. Acesso em: 23 nov. 2024.

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