Prisão domiciliar como relativização do regime aberto

Leia nesta página:

Elucidam-se dados que comprovam a superlotação do cárcere e como os três poderes atuam para a solução desse problema, especificamente no âmbito do regime domiciliar como substituição ao regime aberto.

INTRODUÇÃO.:

Vivemos em um momento conturbado no Brasil. Seguindo o momento nacional, o sistema de segurança pública também vê uma grande nuvem cinzenta pousada sobre sua cabeça. E o pior é que a previsão do tempo não sabe quando essa nuvem passará. O Brasil país sul-americano, emergente, registra em seus dados sociais, taxas de criminalidade absurdas, dignas de qualquer confronto armado contemporâneo deflagrado ao redor do globo. Aqui mata-se mais que o conflito de judeus e palestinos.          

Um ranking elaborado pela UNODC (escritório das Nações Unidas sobre drogas e crimes), em 2012, indicou que, das trinta cidades mais violentas do mundo, 11 são brasileiras. Segundo o ranking mundial da paz 2016, o Brasil é o 105º país mais pacífico do mundo e o 9º país mais pacífico da América do Sul. Logicamente, pela quantidade de crimes cometidos, proporcionalmente, o número de processos penais tramitando e julgados também é imenso. Isso torna cada vez maior o número de cidadãos reclusos sob a tutela do Estado, traduzindo-se na quarta maior população carcerária do mundo. Segundo levantamento feito pelo Conselho nacional de justiça em janeiro de 2017, o país possui 2643 estabelecimentos prisionais (delegacias, presídios e casas de custódia), e um total de 403.022 vagas (soma da vaga em todos os regimes) para uma massa carcerária de 654.372 (Presos provisórios e condenados). O déficit de vagas que o atual sistema carcerário possui, de acordo com o levantamento do CNJ é de 251.350. É alarmante quando, em 2017, possuímos esses números, e é registrado o aumento de 7% ao ano em número de prisões. A condição de superlotação é nítida e palpável quando existe 1,6 presos por vaga do sistema. Penalistas e aficionados pela segurança pública estudam, cogitam e analisam algumas formas de solução para a atual situação carcerária brasileira, trataremos da alternativa da prisão domiciliar e como ela pode relativizar o regime aberto.


DESENVOLVIMENTO:

Nosso ordenamento penal dá a oportunidade de o condenado progredir gradativamente a um regime menos gravoso em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, com o fim de proporcionar a reinserção na vida em sociedade. Esse benefício é condicionado a um critério objetivo, qual seja, o condenado deve cumprir um sexto de sua pena, e um critério subjetivo, ter bom comportamento, essas condições estão dispostas no artigo 112 A da lei de execuções penais, redação esta, que foi alterado pela lei 10.792 de 2013. Pois bem, as penas em regime inicial de cumprimento de sentença no regime fechado são cumpridas em estabelecimento de segurança máxima ou média; no regime semiaberto, são cumpridas em colônias agrícolas/industriais ou estabelecimentos similares. E, no regime aberto, são cumpridas em casas de albergado. Aqui começa a problemática da situação. O Regime aberto é reservado aos condenados a uma pena privativa de liberdade inferior a quatro anos de reclusão, não-reincidentes ou aos condenados a um tempo igual ou superior a quatro anos, que progrediram de regime, estando aptos para tal forma de execução de pena. Conforme o artigo 36, caput, do Código penal, o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade, ou seja, o Estado ainda faz cumprir a pena aplicada, porém, com um controle de cerceamento mais brando, devendo o mesmo trabalhar externamente e sem vigilância, frequentar cursos, e regressar a casa de albergado no período noturno e nos dias de folga. Outro ponto que influi no caráter ressocializante do regime aberto são as características da casa de albergado, de acordo com o artigo 94 da lei de execuções penais, o prédio deve se encontrar em centro urbano, e não pode conter obstáculos físicos que impossibilitem a fuga, o que é muito discrepante nos regimes fechado e semiaberto. Seguindo logicamente, a Lei de execuções penais, em seu artigo 95, deixa bem claro que cada região deve possuir uma casa de albergado, com aposentos para os condenados, além de local adequado para se ministrar cursos e palestras. Dados levantados pelo INFOPEN, em junho de 2014, elucidaram que em todo território brasileiro existem apenas vinte e três casas de albergado. Fazendo um paralelo entre número de estabelecimentos, massa carcerária brasileira apta ao regime aberto e o tamanho do território nacional, chega-se à conclusão que existe um déficit de vagas gritante, e a prospectiva da população carcerária é inflar cada vez mais. Em meio a esse caos penal, o artigo 117 da Lei de execuções penais surge como uma alternativa à superpopulação carcerária. A princípio, o legislador produz este artigo que trata do benefício concedido a determinados condenados, de executar sua pena em casa. A própria lei elenca quais condenados podem gozar desse benefício, conforme se verifica abaixo:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I – condenado maior de 70 (anos);

II – condenado acometido de doença grave;

III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV – condenada gestante.

A princípio, o artigo 117 é um rol taxativo, ou seja, a possibilidade da transformação da execução da pena de regime aberto em prisão domiciliar é exclusivo aos condenados supracitados, não cabendo outras possibilidades. Porém, o Supremo Tribunal Federal tem afastado a taxatividade de tal parágrafo, gerando a consequente pacificação da matéria. Já existem vários julgados nesse sentido, em situações diversas das elencados no artigo 117, em suma, quem pede esse benefício penal invoca o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da individualização da pena, além de apoiar-se na súmula vinculante 56 da corte suprema:

Súmula vinculante 56:

A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

A inércia do estado, traduzida na falta de investimentos na segurança pública (sistema prisional), gera o déficit de vagas, a inexistência de estabelecimentos e consequentemente a relativização do regime aberto. Não é em vão a existência de todas estas especificidades características deste regime, o condenado, em sua execução penal, tem de passar por etapas, até mesmo para se ter ciência da função da pena, que possui caráter de retribuição do mal praticado, de prevenção com relação a novos delitos e de ressocialização do indivíduo. Porém, como já visto, a legislação penal, por meio de entendimentos reiterados dos tribunais, opta pela prisão domiciliar do condenado, tanto os casos elencados no artigo 117 da Lei de execuções penais, quanto os casos excepcionais (inexistência de vagas ou casas de albergados, impossibilidade de tratamento de enfermidade do condenado em regime fechado ou semiaberto etc.), tornando, assim, o regime aberto relativo. Em sentido contrário a desembargadora Nelma Sarney, do TJMA, julgou improcedente, o pedido do benefício em decorrência da ausência da casa de albergado na região. Asseverou SARNEY, Nelma (2003, Acordão 47.160-2003) que a impossibilidade material do Estado instituir Casa de Albergado não autoriza de forma alguma o Poder Judiciário a conceder a prisão-albergue domiciliar fora das hipóteses enumeradas no artigo supracitado.

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CONCLUSÃO.:

Por fim, a relativização do regime aberto tem de ser vista com olhos atentos e receosos. É de suma importância a vivência do ciclo de execução penal, salvo, nos casos previstos em lei, detentores do direito ao benefício da prisão-albergue domiciliar. Em contrapartida, a interpretação exemplificativa do artigo 117 da Lei de Execuções penais, a súmula vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, balizam a execução das penas privativas de liberdade pro reo, levando em conta as condições atuais do falido sistema carcerário Brasileiro.


BIBLIOGRAFIA:

*TJMA, Habeas Corpus; Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/151175793/agravo-agv-70061292512-rs

*GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral volume I – 17º ed, rev. Ampl. e atual. São Paulo: Editora Impetus. 2015 (p. 556 a 561)

*SARAIVA – Vade Mecum 2016 – 21º ed. São Paulo: Saraiva. 2016 (p.530-531)

*CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Volume I, parte geral: (arts. 1º a 120) 19º ed – São Paulo: Saraiva, 2015

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Sobre os autores
Rosilei Mendes

FACULDADE PITÁGORAS;CURSO DE DIREITO – BACHARELADO.

Matheus Brenner Teodoro Leite

FACULDADE PITÁGORAS;CURSO DE DIREITO – BACHARELADO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo criado para apresentação na II Semana Jurídica da faculdade Pitágoras - Campus Betim - Tendo por orientador o Professor Álvaro Homero Huertas, Delegado regional de Betim e professor de direito penal e processo penal.

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