A responsabilidade civil e criminal decorrente do abandono do idoso

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OS DIREITOS DA PESSOA IDOSA NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA E A CONSEQUENTE RESPONSABILIZAÇÃO JURÍDICA PELO SEU ABANDONO

O artigo 1° da Lei 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, dispõe que idoso é considerado “pessoa com idade igual ou superior a 60 anos”. Esse critério etário utilizado pelo Estatuto do Idoso é o mais prudente para qualificar a pessoa idosa, pois ao completar 60 anos, para todos os efeitos legais, toda e qualquer pessoa física é considerada idosa.

A Carta Magna, no seu artigo 1º, inciso III, destaca os princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, considerando valores absolutos e fundamentais para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.

Segundo Roberto Mendes de Freitas Junior:

O direito à vida, portanto, deve ser observado de tal forma que garanta ao idoso o pleno exercício da cidadania; em outras palavras, deve garantir que o ancião tenha efetiva participação no destino e desenvolvimento da sociedade, com total possibilidade de usufruir de todos os direitos civis previstos na Constituição Federal e na legislação ordinária. (2014, p. 47)

Um dos objetivos mais importantes estipulados no artigo 3º, inciso IV, da Constituição federal de 1988, é o de promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação em face da idade do cidadão, bem como de origem, raça, sexo, cor e outras formas de discriminação.

Os idosos sofrem muito com a discriminação atualmente, devido à idade avançada que os limitam de fazer atividades com rapidez e agilidade, acabam sendo excluídos. Isso não deveria ocorrer, uma vez que está estabelecido na Carta Magna como objetivos fundamentais a promoção do bem de todos sem discriminação em face da idade.

O inciso IV do artigo 3° da Constituição Federal, traz a ideia de que o nosso país deve ter mais respeito com o próximo, amparando aos que mais precisam como é o caso das pessoas idosas que necessitam de mais atenção da sociedade.

Os direitos inerentes à família estão estabelecidos constitucionalmente, nos artigos 226 e seguintes, sendo esta, uma instituição responsável pela formação da pessoa humana.

No artigo 229, está estabelecida a obrigação de forma recíproca, o dever de sustento dos pais em relação aos filhos, e destes em relação aos pais: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

A Constituição Federal apresenta no artigo 230, a seguinte redação: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

O referido artigo estabelece uma relação jurídica obrigacional, sendo o idoso sujeito ativo, titular dos direitos e a família, a sociedade e o Estado, são os sujeitos passivos com deveres jurídicos.

É importante ressaltar ainda que, ao analisar o disposto no artigo 230, a família é a que primeiro aparece como protetora de seus idosos, elencando os seus direitos como à vida, à liberdade, à manifestação, à saúde, à habitação, à segurança social, à educação, dentre outros. Assegurando os princípios da dignidade e da solidariedade.

Como a Constituição Federal trata os direitos dos idosos de forma genérica, o Estatuto do idoso realça esses direitos fundamentais, estabelecendo em seu artigo 10 que o Estado e a sociedade têm obrigação de assegurar a pessoa idosa o direito à liberdade, o respeito e a dignidade da pessoa humana. Assegurando também os direitos civis, políticos, individuais e sociais.

Especificamente no artigo 3º do referido estatuto, está disposto que é um dever de todos cuidar para que os direitos fundamentais da pessoa idosa não sejam violados, não permitindo que ocorram tratamentos desumanos, violentos, constrangedores dentre outros. Este artigo priorizou a família como a principal instituição para garantir os direitos dos idosos estabelecidos no decorrer dos incisos, depois a comunidade em seguida a sociedade.

Ricardo Castilho, explica a necessidade de ser identificado um responsável legal para o idoso, para que os mesmos não fiquem desemparados pela família:

A par de tais garantias existe lacuna legislativa em relação à identificação do responsável legal pelo idoso. Tal faz-se necessário porque as constantes mudanças do estado civil, a diminuição da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida aumentam o risco de o idoso ficar desprovido de familiares para assumir tal responsabilidade. De todo incontestável a dificuldade de tal enfrentamento. (2015, p. 396)

O crime por abandono do idoso é tratado no artigo 98 do estatuto, no qual o bem jurídico tutelado é a periclitação da vida e da saúde. Comete esse ato ilícito, quem desamparar, largar, abandonar a pessoa idosa nesses locais que foram estabelecidos na lei: Art. 98. “Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa”.

A segunda parte do presente artigo pode ser encaixada no abandono material, previsto no artigo 244 do Código Penal.

O abandono em hospitais ou instituições congêneres, nos casos que menciona, não deixa de ser, à primeira vista, um abandono material e, à segunda vista, um abandono moral. É de se notar que o Código Penal foi mais rígido que o Estatuto ao não exigir que o agente estivesse obrigado ao sustento de seus dependentes ou parentes próximos, por lei ou mandado. Na verdade, não precisa de lei, contrato ou mandado para que o filho socorra seus pais na velhice ou nas necessidades. Pode ter havido no Estatuto um mero artificialismo.

JULGADOS FAVORÁVEIS AOCABIMENTO DA REPARAÇÃO

Como já mencionado anteriormente, segundo o desembargador Jones Figueiredo Alves, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), denomina-se abandono afetivo inverso “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”.

Pode-se afirmar, em consonância com o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, que, no binômio da relação pais e filhos, dado o dever de cuidado recíproco, “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade”.

Para a ministra do STJ, Nancy F. Andrighi, no julgamento do Resp. 1.159.242/SP (2006), considerando o dever dos filhos para com seus genitores, a falta do cuidar serve de premissa e base para a indenização, por dano moral, pela infração do princípio da afetividade. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp. 1.159.242/SP, manifestou entendimento favorável à aceitação de indenização por dano moral por abandono afetivo. Ainda demonstrou que inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar no Direito de Família.

Apesar de ter sido caracterizado o dano moral por abandono afetivo na relação entre pai e filho, passou a servir de precedente para decisões de instâncias inferiores. Dessa forma, em casos de abandono afetivo de idoso, referido julgado pode servir como fundamento para reparação dos danos morais quando caracterizada a negligência familiar, conforme Recurso Especial nº 1.159.242/SP, do STJ, relatora ministra Nancy Andrighi, condenação de o pai a pagar à filha o valor de 200 mil reais.

Com a possibilidade de cumular danos morais com danos materiais, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no julgamento do Recurso APL: 15391645 PR 1539164-5 (Acórdão), Relator: Gilberto Ferreira, em ação indenizatória deu provimento ao recurso, pois restou comprovado danos morais pelo abandono afetivo da idosa e danos materiais.

PROJETO DE LEI 4.294/2008

O Projeto de Lei n° 4.294/2008, do deputado Carlos Bezerra, apresentado em 12 de novembro de 2008,tem o objetivo de alterar os artigos 1.632 do Código Civil e art. 3º do Estatuto do Idoso, passando a prever também a indenização no caso do abandono de idosos por sua família. A importância de tal projeto está em tentar trazer para o sistema legal brasileiro uma defesa mais específica para os idosos, pois se os filhos podem recorrer ao judiciário para obter indenização por abandono afetivo, os pais idosos também podem. Atualmente a família descumpre seu dever de cuidar de seus idosos, os abandonam não lhes dão carinho e atenção. Conduta contrária da que está prevista na Carta Magna.

O projeto almeja acrescentar parágrafo ao art. 3º do Estatuto do Idoso, dispondo que “o abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral.”

A justificação do projeto de lei segue exatamente a linha apresentada no presente artigo, enfatizando que é necessário um suporte afetivo da família e não só material, devendo-se garantir reparação pelo dano moral experimentado pelo prejudicado:

Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação de auxilio material. Encontra-se também a necessidade de auxílio moral, consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas indispensáveis ao adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade.

No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em deficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. A falta de intimidade compartilhada e a pobreza de afetos e de comunicação tendem a mudar estímulos de interação social do idoso e de seu interesse com a própria vida.

Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amar, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado (Justificação Projeto de Lei n. 4.294/2008).

Em 16/10/2010, foi apresentado parecer da Relatora Deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) pela aprovação do projeto de lei na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), em seu voto a Relatora enfatizou a necessidade de conscientizar aqueles que cometem o abandono afetivo, sobre suas consequências e sobre ser extremamente útil a introdução na lei da obrigação presumida de indenizar por dano moral, tornando uma consequência do abandono afetivo para os familiares e fortalecerá os laços familiares.

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Após em 07/03/2012, foi apresentado parecer favorável ao projeto de lei, elaborado pelo relator, o deputado Antônio Bulhões (PRB-SP), está pronto para ir à votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Em seu relatório, Bulhões defendeu o PL, argumentando que as obrigações existentes entre pais e filhos não se limitam à prestação de auxílio material, mas também ao suporte afetivo. "Embora seja verdade que não se possa obrigar alguém a amar ou manter relacionamento afetivo, há casos em que o abandono ultrapassa os limites do desinteresse e, efetivamente, causa lesões ao direito da personalidade do filho ou do pai, sujeitando-os a humilhações e discriminações", justificou o relator, acrescentando que seria nesses casos que estaria configurado o abandono afetivo gerador do direito à indenização moral.

Atualmente o projeto encontra-se pronto para Pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

DANO MORAL OU EXTRAPATRIMONIAL E DANO MATERIAL NO CONTEXTO DA RESPONSABILIDADE POR ABANDONO DO IDOSO

Nos casos do abandono do idoso incide a indenização por dano moral ou material prevista no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal o qual estabelece que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação.

Podendo também ser possível a cumulação do dano moral com o dano patrimonial, conforme Súmula n° 37 do Superior Tribunal de Justiça: “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

O direito ao respeito dos idosos está delineado no artigo §2 do artigo 10 do Estatuto do idoso: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.” A inviolabilidade psíquica consiste em qualquer conduta omissiva ou comissiva que venha ocasionar perturbação ao idoso trazendo danos que devem ser reparados.

O dano é a consequência do ato ilícito que consiste na lesão a um bem jurídico e se produz por um prejuízo suportado pelo detentor de um bem jurídico afetado, qual seja, a vida, a dignidade e a liberdade psíquica dos idosos.

Para ocorrer à responsabilidade civil decorrente de um dano extrapatrimonial, que ocorre no caso do efetivo abandono do idoso, deve o ato ilícito atingir os direitos da personalidade do ofendido (Art. 12, Código Civil) e afetar diretamente a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, Constituição Federal).

O dano moral, não é materializado, mas deve ser efetivo. É um dano pessoal, presumido e imensurável, pois o dinheiro não retira a dor, podendo tão somente amenizá-la, trazendo um amparo financeiro para a pessoa idosa.

Assim, somente é possível a reparação como forma de indenização, procurando-se compensar ou atenuar o sofrimento suportado, pois nada destrói mais em uma família do que o dano causado pelos seus próprios membros, a reparabilidade do dano moral funciona como uma forma de fortalecer os valores atinentes à dignidade e ao respeito humano para o idoso que sente falta de receber afeto.

No entendimento de Arnaldo Rizzardo:

Dano moral, ou não patrimonial, ou ainda extrapatrimonial, é aquele que atinge a honra, a paz, a reputação, a tranquilidade de espírito e o indivíduo como ser humano, sem atingir a esfera patrimonial, os bens do indivíduo ou sua integridade física. Evidencia-se na dor, na angustia, no sofrimento, no desprestígio, no descrédito, no desequilíbrio da normalidade psíquica, na depressão, etc. (RIZZARDO, 2011, p. 232).

Infelizmente, no Brasil, a maioria dos idosos sofrem os mais variados tipos de abandono e maus tratos, muitos cometidos pelos próprios familiares. O caso mais comum é de abandono de idoso em casa de saúde ou em asilos.

Valéria Galdino Cardin (2011, p. 70) entende que: “Em sendo negada a reparação por danos materiais e morais causados por um membro da família ao outro, estar-se-ia estimulando a sua reiteração, que, provavelmente, aceleraria o processo de desintegração familiar.”

Embora a reparação civil não esteja prevista no Estatuto do Idoso, mas tem previsão na Carta Magna, entende-se que a garantia de uma compensação de um desgosto, pelo sofrimento ou humilhação deste, representa uma sanção ao culpado.

A indenização não tem o objetivo de restituir ou assegurar o afeto, mas por meio dela os danos podem ser minorados por tratamentos psicológicos, pois o dano extrapatrimonial causa prejuízos psicológicos nas vítimas.

Conclui-se que a responsabilidade por dano moral no âmbito familiar deve ser analisada de forma casuística, com provas indiscutíveis para que não ocorra a banalização do dano moral, uma vez que o relacionamento familiar e permeado não apenas por momentos felizes, mas também por sentimentos negativos. Nas ações de indenização por danos morais provenientes das relações familiares aplica-se o prazo de 3 (três) anos previsto no inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil brasileiro. 

Sobre os autores
Karine Alves Gonçalves Mota

Professora do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins; mestre em Direito pela Universidade de Marília e doutoranda em Tecnologia Nuclear IPEN/USP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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