Inventário extrajudicial em casos envolvendo testamentos.

Um estudo à luz do Provimento nº 37/2016 da Corregedoria-geral de Justiça Bandeirante

27/11/2017 às 23:07
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Trata-se de estudo acerca da novidade jurídica trazida pelo provimento 37/2016 da CGJ do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Resumo: Trata-se de estudo acerca da novidade jurídica trazida pelo provimento 37/2016 da CGJ do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, revendo sua posição anterior, passou a permitir o inventário e a partilha de bens oriundos de casos envolvendo testamentos abertos pela justiça, através de escritura pública lavrada por tabelião de notas.

Palavras chave: Testamento. Inventário. Partilha. Tabelião de Notas. Inovação.

I – INTRODUÇÃO

A temática da processabilidade dos testamentos, desde sua abertura até a ulterior partilha, é tema pujante no direito sucessório, sobretudo no direito civil brasileiro, no qual os serviços extrajudiciais têm ganhado maior protagonismo.

No afã de desafogar o já abarrotado Poder Judiciário, as serventias extrajudiciais têm capitaneado atribuições que, num passado recente eram adstritas a Juízes e Tribunais.

Nas palavras do eminente jurista e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:

Com efeito, a natureza pública dos serviços notariais e de registro é inconteste, como deflui da própria circunstância de serem exercidos mediante delegação do Poder Público, bem como da previsão de provimento das serventias mediante concurso público de prova e títulos [...][2].

II – DA ABERTURA JUDICIAL DOS TESTAMENTOS

No caso em apreço, vige a regra inexorável de abertura obrigatória dos testamentos através de ação própria dirigida ao Poder Judiciário (segundo as regras do atual código de processo civil de 2015):

Art. 735.  Recebendo testamento cerrado, o juiz, se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença do apresentante.

§ 1o Do termo de abertura constarão o nome do apresentante e como ele obteve o testamento, a data e o lugar do falecimento do testador, com as respectivas provas, e qualquer circunstância digna de nota.

§ 2o Depois de ouvido o Ministério Público, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento.

§ 3o Feito o registro, será intimado o testamenteiro para assinar o termo da testamentária.

§ 4o Se não houver testamenteiro nomeado ou se ele estiver ausente ou não aceitar o encargo, o juiz nomeará testamenteiro dativo, observando-se a preferência legal.

§ 5o O testamenteiro deverá cumprir as disposições testamentárias e prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu, observando-se o disposto em lei.

Art. 736.  Qualquer interessado, exibindo o traslado ou a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 735.

 

Nesse diapasão, há intervenção de outro ator processual de suma importância, o Ministério Público, que opinará acerca da adequação formal e legal do testamento submetido ao processo de abertura, como se vê:

Art. 737.  A publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la.

§ 1o Serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento.

§ 2o Verificando a presença dos requisitos da lei, ouvido o Ministério Público, o juiz confirmará o testamento.

 

§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo ao codicilo e aos testamentos marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo.

§ 4o Observar-se-á, no cumprimento do testamento, o disposto nos parágrafos do art. 735.

III - AS NOVAS POSSIBILIDADES TRAZIDAS PELO PROVIMENTO CGJ 37/2016

Diante de todo formalismo da sucessão testamentária, sem o qual se reputa inválido, é de imaginar que, começando no Poder Judiciário (abertura) o processo também termine neste meio (inventário e partilha).

Todavia, o provimento n. 37 de 2016 da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deu um passo à frente e assim ementou:

Altera o item 129, do Capítulo XIV, das NSCGJ, incluindo subitens.

O DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento do texto da normatização administrativa;

CONSIDERANDO o exposto, sugerido e decidido nos autos do processo n.º 2016/00052695;

RESOLVE:

Artigo 1º – Dar nova redação ao item 129 e subitens, do Capítulo XIV, das NSCGJ, nos termos que seguem:

129. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário.

 

129.1 Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros.

129.2. Nas hipóteses do subitem 129.1, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada, e o inventário far-se-á judicialmente.

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Artigo 2º – Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.

São Paulo, 17 de junho de 2016.

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça[3]

Tal entendimento, foi precedido de riquíssimo debate acerca do tema que envolveu inúmeros juízos de varas de família e sucessões:

Trata-se de consulta formulada pelos MM. Juízes das Varas de Família e Sucessões do Foro Central da Capital, visando à alteração do posicionamento desta Corregedoria Geral da Justiça, acerca da impossibilidade de realização de inventário extrajudicial havendo testamento válido.

Sustentam, em resumo: a) que a análise judicial dos requisitos formais do testamento ocorre quando do julgamento da ação de abertura, registro e cumprimento de testamento; b) que o Tabelião verifica se a partilha é efetivada dentro dos parâmetros legais, de modo que tem condições de avaliar se houve o cumprimento da real vontade do testador.[4]

Apesar de hoje a justiça bandeirante autorizar tal procedimento, nem sempre foi assim. É o que demonstra processo administrativo datado de 2014, no qual se questionava o tema em voga:

No ano de 2014, a questão da possibilidade de realização de inventário extrajudicial existindo testamento foi analisada pelo Juízo da Corregedoria Permanente da Capital e por essa Corregedoria Geral da Justiça.

Na época, a MM. Juíza da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital decidiu que não havia óbice na lavratura do inventário extrajudicial, “tratando-se de testamento já aberto e registrado, sem interesse de menores e fundações ou dissenso entre os herdeiros e legatários, e não tendo sido identificada pelo Juízo que cuidou da abertura e registro do testamento qualquer circunstância que tornasse imprescindível a ação de inventário”.

Porém, quando o tema foi analisado por essa Corregedoria Geral da Justiça, esse entendimento não foi prestigiado.

Em parecer de maio de 2014, opinou-se pela vedação da lavratura de escritura pública de inventário, na hipótese de existir testamento, ainda que todos os herdeiros fossem capazes e estivessem de acordo com a partilha, e não havendo fundação (Processo 2014/62010).[5]

De maneira acertada, a Corregedoria-Geral, alterou seu entendimento (2016) para autorizar o inventário e partilha através de escritura pública, à razão de que não haveria prejuízo, pois o processo antecedente já teria passado pelo crivo do Poder Judiciário e do Ministério Público.

De toda sorte, não são todos os casos envolvendo testamento que podem ser inventariados e partilhados extrajudicialmente, mas somente aqueles nos quais os herdeiros instituídos forem maiores, capazes e concordes.

IV – CONCLUSÃO

 

A recente alteração de entendimento administrativo-judicial tornou possível imprimir maior celeridade aos casos envolvendo testamento, e ao mesmo passo garantiu liberdade de escolha aos herdeiros, porquanto, proceder mediante escritura pública é uma opção à par do processo judicial de inventário e partilha.

O tabelião de notas, enquanto particular em colaboração com o Poder Público, é profissional idôneo a analisar e garantir a legalidade de seus atos (assim entendidos os atos praticados por seus prepostos, substitutos e escreventes). No mais, há a diligente fiscalização do Poder Judiciário a quem cabe a delegação dos serviços de notas e registrais.

Se para prática dos atos da vida civil, as pessoas maiores, capazes e concordes são totalmente livres, diferente também não poderia ser para a partilha daquilo que já foi premeditado pela pessoa do testador, é dizer, os atos de execução e concretude da vontade do de cujus não precisam obrigatoriamente tramitar pelo judiciário, quando este deu autorização para tal ato.

 

V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luiz Roberto. Atividade notarial e de registro. Data: 20 abr. de 2007. p. 12-13. Disponível em: <www.atcsp.org.br>. Acesso em: 23 nov. 2017.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Provimento CGJ n. 37/2016. Disponível em: www.tjsp.jus.br. Acesso: 23.11.2017.


[2] BARROSO, Luiz Roberto. Atividade notarial e de registro. Data: 20 abr. de 2007. p. 12-13. Disponível em: <www.atcsp.org.br>. Acesso em: 23 nov. 2017.

[3] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Provimento CGJ n. 37/2016. Disponível em: www.tjsp.jus.br. Acesso: 23.11.2017.

[4] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, op. cit.

[5] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, op. cit.

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Sobre a autora
Patricia Lima Médico

bacharelanda em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Ribeirão Preto.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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