O suicídio como condição plena de liberdade individual

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30/11/2017 às 12:04
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01. INTRODUÇÃO

O suicídio sempre foi algo presente na sociedade, só que agora em maior proporção. Ele é definido como o ato de ceifar a própria vida. Na sociedade hodierna, essa prática infelizmente ganhou bastante espaço, sendo motivada por diversos fatores que desencadeiam desequilíbrios emocionais no indivíduo.

No primeiro capítulo trataremos sobre a disposição da vida como liberdade individual, considerando-se que as formas de lidar com a morte sofreram vários processos de modificações ao longo do tempo, além do que, algumas civilizações possuem sua maneira de encará-la, uma vez que ela está intimamente relacionada com elementos culturais de um povo.

No segundo capítulo será visto o conceito e a evolução histórica da morte, assim como as dimensões psicológicas, jurídicas e existenciais do caráter morte, complementando também com certas peculiaridades que o ser humano apresenta ao temer a morte, com enfoque no direito à autoafirmação do ser humano.

O referido capítulo encerra-se com um estudo sobre legalização do suicídio no direito comparado, onde serão estudadas as normas de ordenamentos jurídicos alienígenas de cada país que acolheu a prática da eutanásia e do suicídio assistido.

Nesse eixo é que adentraremos nos institutos da distanásia e ortotanásia, dando enfoque na eutanásia como uma forma de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana e da justiça social para o indivíduo.

Posteriormente, iremos abordar no terceiro capítulo que o Estado é o responsável pela promoção do bem comum e tem o dever de zelar por este bem que é a vida, levando em consideração o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.

É nesse momento que entenderemos que nenhum direito é absoluto, e que o direito à vida pode se sobrepor aos demais direitos, pois não há sentido em defender o princípio da dignidade da pessoa humana se não houver vida.

O capítulo em comento será reservado para tratar unicamente sobre a finalidade do Estado no controle das condutas sociais, bem como a possibilidade de supressão de direitos individuais ante o interesse coletivo.

Assim, será levantada a questão da liberdade individual dos seres humanos que consiste em estar livre de limitações ou coação, sempre que se tratar de agir de maneira lícita, de acordo com princípios éticos e legais dentro da sociedade, onde o direito também influi para o qual alegamos que o ser humano é de modo social e vivendo desta forma, suas atitudes interferem na vida de outros homens. 

 Sabendo que o suicídio tem caráter de uma conduta antijurídica enxergamos claramente que a liberdade humana é evidentemente limitada pela atividade estatal, já que todos os indivíduos estão sob tutela do Estado, que possui total dever de proteger a vida humana.

No quarto e último capítulo iremos tratar do suicídio como desejo de afirmação da liberdade de escolha individual, levando em conta impossibilidade de invasão da órbita íntima humana pelo Estado e por fim, falar da atual conjectura do ordenamento jurídico brasileiro sobre a disposição da vida.

Tratar de suicídio é ainda um assunto que traz diversos tabus e opiniões, já que envolve um desejo contrário à vida, que é o bem mais valioso tutelado pelo Estado. A partir disso é que o estudo será direcionado para entender os fatores que contribuem para o suicídio e a ideia de liberdade individual frente ao dever estatal de proteção à vida.

Embora a realização do suicídio não acarrete em nenhum tipo de sanção para o indivíduo que o tenta, vai contra o ordenamento jurídico. Dessa forma, enxergamos o suicídio como um fato ocorrido a partir de um problema mental e como forma de cessar um sofrimento.

Dessa maneira, será estudada a tipificação penal para quem instigar auxiliar ou oferecer auxílio ao suicídio, que tem previsão no art. 122 do Código Penal Brasileiro.

Nesse raciocínio, também abordaremos que o impedimento ao suicídio não pode ser visto como crime de constrangimento ilegal previsto no art. 146 do Código Penal, já que legalmente é visto como excludente de tipicidade.

Com intuito de aprofundar o tema, dissertaremos sobre o anteprojeto que visa modificar a parte especial do diploma penal, que incluiria no seu bojo redução de pena para homicídios por compaixão praticados por determinados agentes a fim de cessar o sofrimento de pacientes em estado terminal, além de contemplar o instituto da ortotanásia, que seria isenta de ilicitude.

Assim, nota-se que toda a discussão se baseia entre a dicotomia frente à liberdade que o indivíduo possui em relação à vida e se cabe ao Estado intervir em tal decisão, uma vez que este assume tal responsabilidade perante os indivíduos que tutela.

Por fim, destacaremos a função da campanha do “setembro amarelo” e como ela se desenvolve, mostrando a atuação  dos órgãos e entidades de apoio que participam dessa luta contra o suicídio para preservação da vida.

Para tanto, também será objeto de discussão uma breve reflexão sobre o papel da sociedade no combate ao pensamento suicida como forma de prevenção, enfatizando o trabalho de iniciativa do CCV (Centro de Valorização da Vida), que busca ampliar o conhecimento das práticas que podem ser desenvolvidas para conscientizar a busca do diálogo acerca do suicídio.

Ainda trataremos brevemente algumas considerações acerca do testamento vital, definindo seu conceito e suas particularidades.


02. Da disposição da vida como liberdade individual 

02.1 Da visão da morte como sina humana ao longo da história 

Antigamente, considerava-se que a morte ocorria com a falência do coração, porém com o passar do tempo a medicina achou mais razoável constatá-la com a falência cerebral.

Segundo França (1998), a morte acontece quando há lesão irreversível de todo encéfalo. A partir deste momento a consciência e energia que estavam neste corpo deixam de estar, não sendo possível o seu retorno, levando ao início do processo de decomposição, onde se extinguem as possibilidades de ressuscitação. 

A questão da morte sempre foi encarada de maneira distinta pelos seres humanos ao longo do tempo, pois é perceptível a mudança de comportamento das pessoas na antiguidade e na contemporaneidade, lembrando que ela também está atrelada a fatores culturais. 

 Segundo o historiador francês Ariès (2003), “a atitude do homem diante da morte mudou muito ao longo dos séculos e  a forma como ela é hoje encarada é, na verdade, muito recente”.

O fato das pessoas da sociedade atual lidarem com a morte de maneira triste, embebidas de um profundo sentimento de perda e solidão, não quer dizer que as sociedades de períodos remotos também agiam da mesma forma. Temos como exemplo o período medieval, onde as pessoas possuíam certa familiaridade com a morte, pois muitas vezes acontecia em público e era tido como fato normal, e não gerava tamanha comoção.

Além disso, os corpos eram enterrados nos pátios das igrejas com a presença constante de pessoas, ou mesmo em cemitérios onde se realizam festejos e até mesmo jogos. 

Com o passar de alguns séculos as sociedades foram incorporando novos valores e rituais em relação à maneira de se tratar a morte. Foram proibidos jogos e festas dentro dos cemitérios e os túmulos os quais não possuíam identificação começaram a ser identificados por nomes e fotos. A partir daí a morte começou a receber um estereótipo mais sério e solene.

Com a chegada do século XVIII as pessoas começaram a temer as suas mortes, mas, temiam com mais intensidade a morte de seus familiares e começavam a encará-la como a responsável pela dor devido à ausência do ente falecido e havia muita comoção por parte dos parentes, que expressavam sua dor de maneira muito enfática. 

Já em meados do século XIX as pessoas que possuíam familiares com graves problemas de saúde e sabiam que os mesmos não tinham muito tempo de vida procuravam poupá-los ao máximo, tentando passar mais tempo com os mesmos de maneira mais agradável.

Com a chegada do século XX novas mudanças foram realizadas, pois as pessoas que antes morriam em casa junto de seus familiares agora passam a morrer nos hospitais de forma mais isolada. 

 É importante ressaltar que embora toda sociedade possua culturas distintas, seus rituais possuem a característica de passagem, transgressão da condição de vivo para morto. É imprescindível dizer que a forma como a sociedade contemporânea encara a morte na atualidade está propensa a mudanças a qualquer momento, já que a reflexão sobre a morte passou por diversas modificações ao longo do tempo nada impede de haver novas modificações, pois o assunto é muito dinâmico, basta a sociedade eleger novos valores que logo haverá transformações nos rituais fúnebres[1].

A morte na dimensão física possui inúmeros estudos e conceitos a seu respeito na ótica de diferentes pesquisadores e estudiosos, entretanto quando partimos para a esfera psicológica o que percebemos é a constante tentativa de prolongar esta hora inevitável que é a morte.

O ser humano tem muito medo da morte, pois é algo desconhecido, não existem relatos daqueles que se foram deixando um grande mistério: o que acontece após a morte de um ser humano? Existe realmente uma passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos? E como seria esse mundo? São inúmeros os questionamentos elaborados por nós a respeito desse acontecimento fatal. [2]

 Segundo especialistas o grande temor do ser humano em encarar a morte se dá devido á características intrínsecas do mesmo, como a necessidade de controlar todas as situações, até a própria morte, o sentimento de onipotência e também o apego excessivo à vida.

É fato que a morte irá chegar para todos, logo o ser humano não tendo a capacidade de mudar essa realidade, acaba se desesperando e tenta prolongar ao máximo sua existência. As pessoas veem a morte como algo ruim, e acabam fazendo uso do substantivo para expressarem aquilo que é negativo: (morrendo de fome, morrendo de dor, morrendo de sede). Assim, percebemos o quão incomum este acontecimento é para as pessoas, tratando-se na dimensão psicológica. 

A melhor forma de amenizar as perdas é fazendo uma preparação durante o tempo de vida para a chegada desse momento, é ter a consciência que isto é algo inevitável, e tentar aproveitar o máximo que puder junto daqueles que gosta. Lógico que isso não acontecerá sempre, pois nunca esperamos por uma morte repentina, ou mesmo de uma pessoa jovem, mas é uma maneira de ver tal situação de forma mais amena. 

    Embora não constitua crime, o ato de suicidar-se vai contra o ordenamento jurídico. Mesmo o indivíduo usufruindo de sua liberdade, ainda assim pode sofrer o constrangimento ilegal, que consiste em impedir o suicídio, sendo isento de sanção o indivíduo que praticá-lo, pois desta maneira ele preservou o bem da vida. 

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02.2. Do direito à autoafirmação do ser humano 

Conforme a sociedade e o tempo evoluem, muda-se a concepção sobre o conceito de morte. Segundo Schopenhauer[3], diferente dos animais, os seres humanos possuem uma única certeza, que é a de estarem destinados à morte, por isso há uma preocupação excessiva em entender e obter respostas de como a vida funciona, já que sabem que o seu tempo é relativamente curto, e também de tentar entender o que faz com o que os seres humanos tentem abreviar este caminho, através da morte antecipada, então surgem teorias que envolvem Ciência, Religião, Filosofia, Psicologia entre outras, que buscam explicar por que esse fenômeno acontece. 

Desenvolvidas diversas teorias e concepções sobre o ato do suicídio, podemos observar as concepções criadas sobre a morte durante o tempo, um exemplo claro é o significado que esse fato representa e é analisado em diferentes épocas no decorrer da história.

Por exemplo, ao compararmos a concepção do ato do suicídio em épocas distintas, como no Período da Alta Idade Média e na Sociedade Industrial Capitalista, na primeira, o suicídio era observado como um ato de desrespeito à condição divina, uma obra incentivada pelo o Diabo, já que o único poder que poderia ter o direito de tirar a vida de um ser humano, esse seria o “poder divino”, e por isso o ser humano que realizasse tal ato não poderia ter um funeral digno como os demais cristãos como forma de punição e de exemplo para os demais, sendo o corpo submetido a diversas ações de desrespeito, como arrastar o corpo pelas ruas durante horas e a exposição da cabeça do suicida fincada em estacas, posteriormente ao corpo seria enterrado sem a cabeça para “comprovar” que a pessoa que cometeu tal ato não encontraria o reino dos céus.[4]

Além disso, a família seria deserdada e passaria por vários preconceitos sociais, caso a tentativa de suicídio não obtivesse sucesso por quem o indivíduo deveria imediatamente ser excomungado e poderia sofrer até uma pena de morte, se comparado esse fato aos dias atuais, esse ato seria repugnado, e teria infringido diversas leis impostas à sociedade, gerando uma comoção pela a própria população. 

 Já, na sociedade Industrial o Suicídio aparece como uma alternativa em que as pessoas buscam se desvencilhar dos problemas de exploração, da fome e das humilhações sofridas na época, o suicídio era encarado como uma alternativa social, para tentar se livrar de tanta pressão exercida pelo o sistema, neste caso o suicídio poderia ser considerado como um incentivo a uma tentativa de oposição àquela situação pode citar o caso de Paul Lafargue, que era um dos interlocutores do comunismo na época, no final de sua labuta em 1911 em sua carta de suicídio escreveu a seguinte frase: “Morro com a suprema alegria de ter certeza que muito cedo trinfará a causa à que me entreguei há quarenta e cinco anos”. Passados seis anos, muitos afirmam que com alguma influência sobre o ato de Lafargue, os bolcheviques conseguiram tomar o poder da Rússia para o inicio do sistema comunista[5]. 

Conforme o que fora explanado anteriormente, o acontecimento da morte possui sentidos, sentidos esses interpretados por diferentes concepções de acordo com a sua época vivida e suas culturas impostas, e cada cultura busca uma explicação para a mesma de acordo com os artifícios que cada uma tem para ser interpretada, por exemplo, não podemos comparar a visão que os egípcios tinham sobre a morte e a visão que nós temos hoje sobre a mesma, na cultura egípcia a morte era associada à religião, nos tempos modernos associamos a morte a fatores como a qualidade de vida, a medicina, fatores psicológicos, sociais entres outros.

Apesar da capacidade da sociedade também possuir o poder de herdar costumes, por isso no atual sistema da sociedade alguns ainda acreditam que a morte pode ser um resultado de uma determinação de uma ordem divina, assim como em tempos remotos, mesmo possuindo pleno conhecimento da ciência da medicina e dos estudos sobre fatores psicológicos, denomina-se  este fenômeno  de determinismo, que significa que todo o processo dinâmico ocorrido é resultado de uma força maior imposta. 

 Contudo, podemos observar que o ato do suicídio no decorrer do tempo não é somente um ato subjetivo, mas sim uma consequência acarretada pelo processo de dinâmica social e seus acontecimentos, tais como leis entrepostas pela a sociedade, crises de existencialismo, organização social, aspectos religiosos e econômicos, entre outros fatores assim compõem a definição da condição humana sobre o aspecto do tema suicídio. 

A liberdade humana para alguns significam autodeterminação e autonomia, é o que caracteriza o poder individual na sociedade, possibilitando o individuo exercer os seus direitos e deveres sem, claro, sair das regras. Ocorre que a palavra liberdade quer dizer mais que isso, pois ela significa o poder de ser livre, fazer o que tem vontade, sem medo da sociedade ou de regras, poder fazer escolhas e agir da maneira que convém.

O suicídio é um ato limitador, podendo ser associado a uma doença mental, mas nem sempre a prática de tirar a própria vida decorre desse motivo. A partir disso, surgem os preceitos que impossibilitam essa liberdade, como fatores sociológicos, psicológicos e religiosos que estudam e trabalham para que casos como esses diminuam na sociedade.

A sociologia explicada por Durkheim afirma que, fatores interiores e exteriores devem ser levados em conta ao analisar o suicídio, o primeiro seria os sentimentos do indivíduo, o que estaria acontecendo para que ele praticasse esse atentado, o segundo seria a sociedade na qual ele estaria introduzido. A sociedade dita normas, normas estas que limitam o indivíduo, levando-o a cometer atentados contra a própria vida. (DURKHEIM 2008, p. 294)

A psicologia retrata o suicida como um portador de doença mental, não que todos os casos sejam por conta da doença, mas o doente perde a capacidade de escolher e agir, ela limita a liberdade individual e de escolha. 

Em caráter religioso é repudiável a ideia de tirar a própria vida, eles acreditam que ninguém pode tirar uma vida, esse poder é dado somente a Deus, o grande criador. Segundo os preceitos religiosos, o homem foi criado segundo a imagem e semelhança de Deus, destruir o próprio corpo seria uma desonra ao criador. Eles não acreditam que o suicídio seja uma saída  àqueles que sofrem ou estão com alguma perturbação emocional. É considerado um pecado atentar contra o próprio ser. 

 O suicídio é uma modalidade que vai contra o ordenamento jurídico pátrio, quando o individuo tira a própria vida de forma voluntária, clara e desnecessária. Embora o nosso país não puna o atentado à própria vida, por mais que não seja caracterizado como crime, a prática do suicídio  é um ato imoral para com a sociedade.

Para Freud (1929)[6] “o mal-estar gerado nas sociedades civilizadas tem sido traduzido por uma busca infeliz e infantil de felicidade”. Porém, não são todas as pessoas que encontram o prazer, que veem um cenário bonito e vida brilhante baseada no consumo, nem possibilidade de compra de uma felicidade.

Até mesmo aqueles indivíduos que parecem encontrar ou acham que encontraram estão vulneráveis à insatisfação, resultando assim em uma sensação de fracasso, abrindo possibilidade para manifestação de doenças como as depressões, síndrome do pânico e as toxicomanias. 

Na busca desenfreada pelo prazer, o consumismo funciona como um paliativo para mascarar a dor, o sofrimento de se sentir no abandono sem um referencial a seguir. Assim, a sociedade pós-moderna cria um novo ideal de felicidade. 

Aqueles que não conseguem atingir esse ideal de felicidade se sentem fracassados e na incapacidade de superar o sentimento profundo de dor e abandono, busca no suicídio a solução para os seus problemas. 

 O suicídio é o ato deliberado pelo qual o individuo possui a intenção e provoca a própria morte. É fenômeno especificamente atribuído à raça humana. Apenas o ser humano poderá desejar esse tipo de morte e matar-se a si próprio.

 Apesar de ser um ato principalmente individual, existem casos de prática desse gênero em grupo: seitas religiosas ou de grupos suicidas. O suicídio não é uma ação ponderada e meditada, mas sim algo impulsivo. 

 Segundo Cassorla (2004) o suicídio constitui-se como o máximo da manifestação autodestrutiva do sujeito, que por sua vez, confirma o nosso fracasso na vida pós-moderna, onde não conseguimos aceitar o nosso lugar na sociedade desistindo literalmente de viver. 

 Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que em 2003 novecentas mil pessoas cometeram suicídio o que representa uma morte a cada trinta e cinco segundos. Esse aumento de número de suicídio pode ser uma expressão da organização atual, onde o homem não se sente feliz com sua sorte nessa sociedade pós-moderna. 

 Durkheim[7] no seu estudo sobre o fenômeno do suicídio acredita levar uma solução para o problema das relações entre o individuo e a sociedade no contexto moderno. Para ele o único grupo social que pode favorecer a integração dos indivíduos na coletividade é a profissão, ou para usar o termo “durkheimiano”, a “corporação”. 

A sociedade em que vivemos está em profundo conflito e com uma identidade cultural bastante difusa, o que nos resta é buscar saídas ou defesas para os sentimentos de desamparo e mal-estar que nos têm sido atribuídos. 

2.3 Da legalização do suicídio no direito comparado

Para contribuir com a temática, é relevante sabermos o posicionamento de outros ordenamentos jurídicos quanto à legalização do suicídio, para que assim possamos realizar um paralelo com a legislação do nosso país.

Sabemos que nosso ordenamento jurídico é contra a prática da eutanásia, que é taxada como conduta antijurídica e que caso seja concretizada, é considerada como homicídio, auxílio, induzimento ou instigação prevista no Código Penal Brasileiro. Em contrapartida, outros países como Holanda, Bélgica, Colômbia, Uruguai, Suíça e Estados Unidos acatam a eutanásia.

Inicialmente, é importante ter conhecimento da palavra eutanásia, que foi criada por Francis Bacon e resulta da junção de duas palavras gregas "eu" e "thanatos". A primeira corresponde bem/boa e a segunda equivale à morte, significando "boa morte". (Moraes, 2012)

A eutanásia está intimamente relacionada à compaixão humana, onde há uma interrupção da vida, a fim de evitar sofrimento ao indivíduo.

Dessa forma, para Roeh (2004, pag. 17):

Uma ‘boa morte’ conduz ao direito ao alívio da dor e do sofrimento inútil; ao direito de escolher onde morrer e como morrer. Significa dar amparo físico e espiritual nos momentos finais. Atuando de tal forma, o médico estará agindo por compaixão, dando ao paciente incurável a possibilidade de morrer com nobreza e integridade. “Por sua vez, quando se refere ao direito de morrer, não se procura alcançar a morte a qualquer custo, e sim a permissão para morrer com serenidade e dignidade humana.

Além da eutanásia, temos a figura de três institutos, quais sejam: a distanásia, a ortotanásia e o suicídio assistido. No primeiro o que ocorre é o retardamento da morte do paciente se valendo de diversos recursos disponibilizados pela medicina que visam prolongar artificialmente a vida. Para somar com o entendimento, vejamos os ensinamentos de Pessini (2011, pag. 100) com relação ao tema:

No curso de uma doença que não pode ser curada e quando a morte está próxima e é inevitável, existem situações em que prolongar a vida não é aconselhável. Prolongar a vida a todo custo pode ser desumano para os pacientes. Isso tem sido reconhecido desde a introdução da terapia intensiva na segunda metade do século XX. De outra forma, o abençoado progresso da medicina facilmente se transformaria numa maldição se negasse o que chamamos de morte com dignidade. Isso significa que a responsabilidade do médico não se limita a sustentar a vida, mas abarca também o dever de oferecer cuidados paliativos se manter a vida não é mais razoável. Se um tratamento torna-se não razoável não significa que todo o tratamento vá ser interrompido. Significa uma mudança de objetivos de tratamento. Neste ponto, quando uma terapia é interrompida, os objetivos do tratamento devem ser definidos novamente. Manter a vida não é mais o objetivo principal, e alívio e cuidados humanos passam a ser as preocupações exclusivas.

Ao interpretar a citação supracitada, compreendemos que o prolongamento da vida em certos casos só gera sofrimento para o paciente e seus familiares, sendo desnecessário o uso de técnicas invasivas e desproporcionais.   

O segundo é completamente inverso ao primeiro, pois há uma espécie de cuidado paliativo, não se utilizando de meios extraordinários para estender a vida, sendo, portanto, uma aceitação da morte. Já o suicídio assistido é um pouco mais polêmico, visto que nele o indivíduo retira a sua própria vida com assistência de terceiros através de doses medicamentosas letais que são receitadas por médicos. (Barroso e Martel, 2015).

A prática na eutanásia, não possui amparo legal na maioria dos países do mundo, uma vez que sofre a interferência de múltiplos fatores, sejam eles filosóficos, morais, religiosos e até médicos.

O Uruguai foi pioneiro na aceitação da eutanásia, onde cabia ao juiz decidir de acordo com o caso concreto, a não aplicação da culpabilidade do indivíduo que pôs fim a vida de um paciente terminal, desde que tenha bons antecedentes, ter praticado o ato por piedade e também pelo fato da vítima ter feito incessantes súplicas. (Goldin, 1997)

A Holanda foi oficialmente o primeiro país que legalizou e regulamentou a eutanásia, bem como o suicídio assistido. Mesmo após a legalização, tais práticas passam por um rígido controle, onde cada caso é analisado por uma Comissão Regional constituída por médicos, sociólogos e juízes que são responsáveis por verificar a violabilidade da prática da eutanásia, e em casos de dubiedade são encaminhados ao Poder Judiciário. (Molinari, 2014)

A Bélgica foi outro país que também legalizou expressamente a eutanásia no mês de maio de 2002, por conta de uma manifestação do Comitê Consultivo Nacional de Bioética. No início, o país não permitia a eutanásia em menores de dezoito anos, porém admitia a prática em pacientes que não se encontravam em estado terminal. Com o passar dos anos havia uma maleabilidade e em 2014 a eutanásia passou a realizar-se em pessoas de qualquer idade, desde que estejam em estado terminal e que tenham prévia autorização do paciente. (Lemiengre, 2007, p.16)

Na Colômbia, a eutanásia é avaliada e determinada pela Corte Constitucional e é tratada como assunto pertinente para o meio jurídico.

Em 1997, a Corte Constitucional Colombiana determinou a não culpabilidade para a pessoa que comete homicídio piedoso nas mesmas condições estabelecidas no Uruguai, porém ainda enfrente entraves em decorrência do catolicismo.

No ano de 1977, o Estado de Oregon autorizou os médicos a receitar medicamentos letais para os pacientes que estavam em estado terminal. Já em 2008, o Estado de Washington legalizou a morte assistida por meio de um referendo popular. (Souza, 2003, p. 135)

No mesmo sentido, o Estado de Vermont também legalizou a eutanásia através de processo legislativo, que tem como requisitos a análise prévia feita por dois médicos e de um psicólogo, além da espera de dezessete dias para ingerir a medicação. Já o Estado de Montana autoriza a morte assistida somente por processo judicial. (Molinari, 2014, p.105)

No Texas, a autorização para a interrupção de tratamento do paciente está restrita aos casos em que os procedimentos médicos se tornam ineficientes, o que é o é conhecido como eutanásia passiva. Vale frisar que em 1986 os EUA autorizou a eutanásia nos recém-nascidos portadores de deficiência física ou psíquica. (Souza, 2003, p. 138)

Por fim temos a Suíça, que não possui expressamente amparo legal para a prática da eutanásia, porém a Corte Federal aceitou que os indivíduos que possuem o direito de morrer, que consiste na morte assistida e ocasiona o “turismo de morte”.

Esse turismo de morte é a junção de duas associações daquela localidade com o objetivo de propiciar uma morte célere e indolor, denominadas de “Dignitas” e “Exit”. A primeira associação realiza as mortes assistidas em apartamentos e já conta com pouco mais de dois mil associados. Já a Exit é mais rigorosa e só realiza o procedimento nos cidadãos suíços ou em estrangeiros que residem no país. (Molinari, 2014, p.110)

A título informativo, constatou-se através de pesquisas feitas por países que adotam essas práticas, que após a implementação legalizada da eutanásia e do suicídio assistido, foi possível notar uma queda nos indicadores.

Diante disso, estamos diante de um cenário que deixa no ar inúmeros motivos para se questionar a admissão da prática da eutanásia no nosso país, que ainda atravessará um longo processo de discussão e com certeza causará impacto em diversos indivíduos, seja por influência de fatores culturais, religiosos, dentre outros, mas que apesar de tudo sempre deve ser discutido, pois o direito de molda aos fatos que ocorrem no meio social.

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