O suicídio como condição plena de liberdade individual

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30/11/2017 às 12:04
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4- Do suicídio como desejo de afirmação da liberdade de escolha individual

Sabemos que a liberdade é um direito amparado pelo nosso ordenamento jurídico pátrio conferido aos indivíduos, desde que os interesses destes não entrem em conflito com as normas estabelecidas pelo Estado Democrático de Direito.

O Estado é responsável por garantir e zelar com dignidade à vida dos indivíduos que estão sob sua proteção, assegurando o direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, o que implica dizer que sem vida não há como se ter dignidade, sendo a vida um direito que se sobrepõe aos demais.

Destarte, podemos afirmar que nenhum direito é absoluto, e é por isso que existem exceções que tratam sobre a disposição da vida em casos extremos como em guerras declaradas no país.

Portanto, questiona-se até que ponto o Estado pode atuar na órbita individual das pessoas e se este é capaz de limitar o referido direito de liberdade dos seus tutelados.

04.2. Da impossibilidade de invasão da órbita íntima humana pelo Estado

Os seres humanos são dotados de autonomia, que quer dizer a liberdade de escolha para tomar decisões que dizem respeito aos seus interesses. Antigamente o Estado determinava regras somente para assuntos que envolviam a economia, ou seja, as pessoas possuíam mais liberdade e a autonomia da vontade era respeitada acima de tudo, não cabendo nenhum tipo de intervenção estatal. (Ferrari, 2011, p.108)

Assim que surgiu o Estado Social, notou-se que a não intervenção estatal poderia gerar inúmeras injustiças, onde indivíduos potencialmente mais fortes economicamente e culturalmente poderiam se sobrepor de forma desbalanceada frente a um indivíduo que não possuía essas peculiaridades. Portanto, buscou-se a proteção de um direito da coletividade, e com isso a antiga autonomia da vontade passou a ser denominada de autonomia privada.  

Com a autonomia privada foi possível interpretá-la de forma mais subjetiva, traçando regras inerentes ao posicionamento dos agentes, para que fossem impostos limites em relação aos interesses e necessidades sociais, a fim de promover a justiça material e a valorização humana.

Assim, vislumbramos que a autonomia da vontade se manifesta de dentro pra fora, enquanto a autonomia privada está condicionada a fatores extrínsecos e jurídicos para rebater o arbítrio individual, pois se busca uma conciliação da autonomia pessoal ligada aos interesses sociais, já que o dever e a responsabilidade dos indivíduos se interligam com todos os ramos do direito, o que permite o exercício da sua autonomia, salvo se não houver choque com as normas postas com o nosso ordenamento jurídico, que sempre se sobrepõe em casos de conflitos. (Ferrari, 2011, p. 110)

É importante esclarecer que as disposições de última vontade do ser humano devem ser consideradas e constituem parte da autonomia privada, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não veda o exercício de um direito que constitui na submissão de um tratamento ineficiente para prolongar a vida que está fadada ao fim.

O suicídio (do latim sui, "próprio", e caedere, "matar") tem como definição a realização do ato de ceifar a própria vida.[9] Existem várias razões para que um indivíduo chegue a tal decisão, sendo a maioria delas relacionadas a transtornos mentais, como a depressão, o transtorno bipolar e a esquizofrenia. Para Szasz (2002, p. 21):

[...] usamos a palavra ‘suicídio’ para expressar duas ideias bastante diferentes: por um lado, com ela descrevemos uma maneira de morrer; ou

seja; tirar a própria vida, voluntária e deliberadamente; por outro lado, no lugar de utilizamos para condenar a ação, ou seja, para qualificar o suicídio de pecaminoso, criminoso, irracional, injustificado... em uma palavra, mal.

A literatura de Goeth[10] retrata bem essa condição no livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, onde percebemos de forma bem evidente que o personagem sofre pelo fim trágico da sua grande paixão e entra em estado de tristeza profunda, onde podemos caracterizar tal situação como um dos transtornos citados, que no caso do personagem seria a depressão. Para por um fim em seu sofrimento, Werther decide acabar definitivamente com a sua própria vida. Há relatos de que na época o livro desencadeou diversos suicídios.

 Cada ser humano como proprietário de sua vida, não tem a opção de por fim a sua vida. Por mais que o suicídio não constitua crime, ele é visto como um ato ilícito, indo contra o ordenamento jurídico.

O ato de impedir alguém de suicidar-se não é considerado ilegal, pois a vida como bem maior foi preservado, e o mesmo ato de impedimento também pode conscientizar o suicida a abandonar a ideia. Justifica-se pelo fato de que o próprio Código Penal não considera crime de constrangimento ilegal a coação exercida para impedi-lo. (JESUS, 2011, p. 127).

Esse impedimento ao ato suicida está no art. 146, § 3º, inc. II do Código Penal como um excludente de tipicidade, onde:

Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º – As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º – Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

§ 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo: (I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida);

II – a coação exercida para impedir suicídio.    

A vida é um bem e um direito pertencente a todos, onde não convém ninguém intervir, porém em casos de suicídio o Estado deve agir para preservar a vida do indivíduo tutelado.

 De maneira mais direta, podemos dizer que o Estado tem como função promover o bem comum, logo a vida sendo um bem, cabe a este nesse caso intervir na questão do direito individual da vida de cada ser, mesmo que o interesse seja exclusivamente de cada um.

Nesse sentido, buscamos o conceito de liberdade, que embora seja bastante complexo pode ser definido com algo intrínseco ao ser humano, através da qual este pode optar por qualquer direcionamento quando se tratar de sua vida, seja para escolha de religião, estilo de vida ou política, por exemplo. Ressalta-se que ela está relacionada à condição humana, pois é uma das características inerentes ao ser humano presente em todo o texto da Declaração Universal de Direitos Humanos[11].

A liberdade é o estado no qual se supõe estar livre de limitações ou coação, sempre que se tratar de agir de maneira lícita, de acordo com princípios éticos e legais dentro da sociedade, onde o direito também influi para o qual alegamos que o ser humano é de modo social e vivendo desta forma, suas atitudes interferem na vida de outros homens. 

Para que esta interferência tivesse um caráter construtivo, foi necessário criar-se regras para se preservar a paz. Nesse contexto, de forma escrita ou não, existe um grupo de regras que chamamos Direito, onde liberdade de suicídio é como a ação pela qual alguém põe intencionalmente termo a sua própria vida, é um ato exclusivamente humano e está presente em todas as culturas e povos.

Assim, enxergamos claramente que a liberdade humana é claramente limitada pela atividade estatal, uma vez que todos os indivíduos estão sob tutela do Estado, que possui total dever de proteger a vida humana.

04.1. Da atual conjectura do ordenamento jurídico brasileiro sobre a disposição da vida

Para dar início ao debate, se torna imprescindível o conhecimento da palavra vida, que é oriunda do latim “vita” e corresponde à evolução dos organismos até a chegada da morte. A partir desse conceito observamos que a menção à evolução nos transmite a mensagem de que a vida está em constante processo evolutivo, e não nasce pronta. (Ferreira, 2000, p. 710)

A Biologia elenca diversas teorias a fim de definir a vida, como é o caso da Teoria Evolutiva de Darwin. É importante frisar que a vida não pode ser encarada para as Ciências biológicas como um fenômeno isolado, mas sim com peculiaridades que tornem possível a classificação dos seres na qualidade de vivos ou minerais.

Há duas principais teorias que tratam do início da vida do ser humano. A primeira delas é a teoria concepcionista, que defende a personalidade incondicionada do nascituro desde a sua concepção, que se dá com a fecundação do óvulo. Para os adeptos dessa teoria, o embrião já é considerado como uma vida, por isso quem a adota não é a favor do uso de células tronco para fins das pesquisas científicas. (Mayr, 2005, p. 51)

A segunda teoria é a natalista, que trata o nascituro como uma expectativa de vida, tendo em vista que o embrião não possui capacidade e personalidade. Para essa teoria, a vida só se inicia se houver nascimento com vida, sendo esta a teoria adotada pelo Direito Civil Brasileiro, porém resguarda os direitos do nascituro. Nessa linha de raciocínio vejamos o entendimento da dileta Diniz, 1998, p.334:

Nascituro é aquele que há de nascer, cujos direitos a lei põe a salvo; aquele que, estando concebido, ainda não nasceu e que, na vida intrauterina, tem personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permanecem em estado potencial, somente com o nascimento com vida.

Com isso podemos concluir que os seguidores da teoria em comento defendem que a fecundação é somente uma etapa da vida, e a referida expectativa de direitos do nascituro está relacionada aos direitos patrimoniais, sejam por doações ou heranças conforme dispõe o Código Civil Brasileiro.

Sabe-se que a prática da eutanásia não é tolerada pelo ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o Estado é responsável pela tutela dos seus indivíduos e considera a vida como o bem jurídico mais importante de todos.

Certamente o Estado não aplica sanção ao suicida, pois seria inviável oferecer atos punitivos a um cadáver. Até mesmo quando o suicídio não é consumado, o indivíduo que tentou o ato não sofre punição, pois o objetivo que o mesmo tentou atingir foi contra o seu próprio direito à vida, entretanto ajudar alguém a cometê-lo é crime. Segundo o Código Penal Brasileiro, Art. 122:

“Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”:

Pena- reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza

grave.

Parágrafo único. A pena é duplicada:

Aumento de pena

I- Se o crime é provocado por motivo egoístico;

II- Se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

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Dessa forma, quando o Estado reconhece a ocorrência de um fato suicida ou de uma tentativa, faz-se  necessário instaurar inquérito policial para investigar se alguém induziu, instigou ou auxiliou-o ao cometimento dessa conduta. 

No nosso país, caso seja concretizada a eutanásia sem o consentimento do paciente, o indivíduo que o fez encaixa-se no disposto do art. 121 do Código Penal ou até mesmo nos moldes do art. 122 do mesmo código, que traz no seu bojo o induzimento, a instigação ou auxílio ao suicídio. (Rocha, 2012)

A nossa Constituição Federal versa sobre o direito à vida como sendo um direito fundamental, e está disposto no caput do art. 5, onde:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Desse modo, enxergamos claramente que o Estado possui o dever de zelar e proteger a vida, resguardando assim o princípio da dignidade da pessoa humana, pois este está intimamente relacionado ao direito à vida, sendo ele o maior dos princípios.

Para corroborar com tema, observou-se o entendimento jurisprudencial da 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, pela relatora Fátima Rael, publicado em 06 de maio de 2015, onde:

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CIRURGIA DE PRÓTESE NO QUADRIL DIREITO. PACIENTE EM ESTADO GRAVE. POSSIBILIDADE DE PERDA DA MOBILIDADE. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. RECURSO PROVIDO. 1. Deve o Estado assegurar a todos o direito à saúde, fornecendo os tratamentos que seus administrados necessitam. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da preservação da saúde (art. 1º, III, e art. 6º da CF) impõem ao Distrito Federal a obrigação de realizar procedimento cirúrgico em pessoa que necessita de tratamento urgente, conforme prescrição de médico da rede pública. 2. A antecipação dos efeitos de tutela, com intuito de obrigar o Distrito Federal a realizar cirurgias de urgência, é viável ante a satisfação dos pressupostos do art. 273 do CPC . 3. A demora na realização do procedimento cirúrgico acarreta risco à saúde ao paciente, uma vez que seu quadro clínico é grave e a falta do tratamento adequado poderá resultar na progressão da doença e na perda da mobilidade das pernas. 4. Agravo de Instrumento conhecido e provido. Unânime.

Considerando que sem vida não existe dignidade, podemos dizer que esta última é alicerçada em dois grandes pilares: a igualdade entre indivíduos e a liberdade, que proporciona o exercício dos seus direitos. (Fróes, 2010)

O princípio da dignidade da pessoa humana está amparado no art. 1, inc. III da Constituição:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Assim, podemos ver o princípio supracitado como uma justificativa para os direitos fundamentais, portanto estes possuem um elo e devem ser compartilhados no meio social.

Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que o direito à vida é norteado pelo princípio da inviolabilidade e irrenunciabilidade, o que implica dizer que o ser humano deve ter sua vida respeitada, porém sabemos que nenhum direito é absoluto, o que torna possível abrir mão da vida em determinados casos. (Fróes, 2010).

A primeira possibilidade se refere aos casos de pena de morte, se eventualmente exista guerra declarada no país. Já o segundo caso é verificado quando o ato se dá em legítima defesa, e, por fim, os abortos quando põe em risco a vida da gestante e também em casos de gravidez que resultaram de estupro. Nesse sentido, para as duas últimas hipóteses apresentadas, o art. 128 do Código Penal Brasileiro estabelece que:

Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Destarte, como exemplo disso veremos o que a jurisprudência trata dos fetos anencéfalos. Para tanto, se destaca o entendimento da Segunda Câmara Criminal do Rio de Janeiro, pelo relator José Muinos Filho, publicado em 13 de março de 2012:

Ementa: DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIVERSIDADE DE FUNDAMENTOS PARA CONCESSÃO DO WRIT. ATIPICIDADE DA CONDUTA. EQUIPARAÇÃO DA ANENCEFALIA AO CONCEITO DE MORTE ENCEFÁLICA PARA FINS DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS (LEI Nº 9434 /97). DIVERGÊNCIA DA LITERATURA MÉDICA A RESPEITO DO TEMA, EM RAZÃO DO FUNCIONAMENTO DO TRONCO CEREBRAL DO FETO ANENCÉFALO. INCOMPATIBILIDADE COM O CONCEITO DE VIDA ADOTADO PELO DIREITO CIVIL. INSUFICIÊNCIA DO FUNDAMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. LIÇÕES DA DOUTRINA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. ARTIGO 128 DO CÓDIGO PENAL . CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. CONGRUÊNCIA DO SISTEMA JURÍDICO. ABORTO TERAPÊUTICO E ABORTO SENTIMENTAL. PREVALÊNCIA DO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA, PSÍQUICA, MORAL E SOCIAL DA GESTANTE QUE DEVE SER ESTENDIDA À HIPÓTESE DE ANENCEFALIA, PORQUE INVIÁVEL A VIDA EXTRAUTERINA. EXCULPANTES PENAIS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. PROIBIÇÃO DE SUBMISSÃO A TORTURA, TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Cuida a hipótese de habeas corpus preventivo impetrado pelo Defensor Público Nilsomaro de Souza Rodrigues, em favor de Jaqueline Alves de Lima, sustentando, em resumo, que a paciente está sendo submetida a constrangimento ilegal por parte do juízo impetrado 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias que, ao apreciar pedido de autorização de interrupção de gravidez em decorrência de anencefalia, devidamente instruído com laudos médicos atestando a malformação incompatível com a vida extrauterina, entendeu por julgar extinto o processo, por ausência de amparo legal à pretensão da paciente. 2. A hipótese dos autos versa sobre a polêmica que envolve a antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia, objeto da ADPF nº 54, em trâmite no Supremo Tribunal Federal desde 2004, na qual foi deferida a liminar pelo relator, Ministro Marco Aurélio de Mello, posteriormente cassada, em parte, pelo Pleno daquela Corte...

Quando discutimos a eutanásia no nosso país, diversas doutrinas encaram esse cenário como conflito ou antinomia jurídica diante do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, o que gera longos debates relativos ao tema.

De acordo com o anteprojeto que prevê uma mudança no Código Penal Brasileiro no tocante a parte especial, a eutanásia figura como crime comissivo e é punido de maneira mais branda levando em conta outros ilícitos.

Tal redação que modificaria o art. 121 do Código Penal refere-se a um homicídio por compaixão, praticados por determinados agentes. Vejamos:

§3º Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticado.

Pena reclusão, de dois a cinco anos.

Nessa mesma linha, o instituto da ortotanásia também seria contemplado no parágrafo seguinte do artigo supracitado isento de ilicitude, onde:

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão". Regula, assim, a eutanásia e a ortotanásia, respectivamente.

Para tanto, vislumbra-se assim uma possível mudança de grande notoriedade e repercussão do ordenamento jurídico pátrio, que seria alvo de diversos debates e dilemas, pois quando o direito à vida está em questão há vários posicionamentos que vão desde as opiniões médicas até a opinião popular. Esta última ainda sofre bastante influência das religiões, uma vez que muitas pessoas acreditam que a realização de tais práticas é considerada como apologias ao crime.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) os casos de suicídio aumentam ano após ano, chegando a fazer mais vítimas do que o câncer e a AIDS. A maioria dos casos e de suas tentativas é em jovens entre a faixa etária de quinze a vinte e nove anos, por isso é tão importante o diálogo a fim de conscientizar e auxiliar no combate ao suicídio.

Quando o indivíduo apresenta um quadro clínico diferenciado, é preciso ficar atento aos sinais que podem se manifestar de diversas formas, como alterações de humor, no sono, no apetite, irritação por pequenas coisas, tristeza constante e falta de interesse para realizar as atividades diárias.

Com intuito de conscientizar a sociedade do valor da vida, criou-se recente a campanha do setembro amarelo por iniciativa do CCV (Centro de Valorização da Vida), que busca ampliar o conhecimento das práticas que podem ser desenvolvidas para conscientizar a busca do diálogo acerca do suicídio.

Essa ação se concretiza por meio de ações de rua, que consistem em passeios ciclísticos, caminhadas e até palestras de conscientização, para que fique explícito para a população como é relevante o poder do diálogo e a ajuda especializada de profissionais como psicólogos e psiquiatras.

Tendo em vista que a vida é o maior bem jurídico dentre os demais, cabe a todos que integram o meio social difundir práticas preventivas do suicídio como forma de resguardar o maior bem: a vida.

Outro ponto que também chama bastante atenção é que no final da década de 60 em alguns países como Uruguai e Estados Unidos iniciou a por em prática o testamento vital, que é um meio pelo qual o indivíduo declara qual tratamento deseja receber nos casos de enfermidade incurável ou de estado terminal. Para isso, observamos o que diz Godinho (2010, p. 130):

Em 2009, no Uruguai, foi aprovada a lei que instituiu naquele país o denominado "testamento vital", também conhecido como "declaração de vontade antecipada", já admitido em alguns países europeus e nos Estados Unidos, onde se consagrou o "living will". A lei uruguaia, de número 18.473, contém onze artigos, estabelecendo o primeiro deles que toda pessoa maior de idade e psiquicamente apta, de forma voluntária, consciente e livre, pode expressar antecipadamente sua vontade no sentido de opor-se à futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos que prolonguem sua vida em detrimento da qualidade da mesma, se se encontrar enferma de uma patologia terminal, incurável e irreversível. Isso permite que a pessoa possa antecipadamente declarar que recusa terapias médicas que apenas prolongariam sua existência, em detrimento da sua qualidade de vida.

O testamento vital se mostrou de total relevância, pois nele continha a liberdade do indivíduo por em prática a sua última vontade em relação a sua vida, sem que houvesse a intervenção de familiares e do Estado.

No Brasil ainda não há legislação que ampare o testamento vital, porém não quer dizer que este não surta seus efeitos legais. O Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1995/2012 dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes da seguinte maneira:

1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.

§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.

§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Diante do exposto, podemos concluir que a resolução em comento não é classificada como uma faculdade dos médicos, mas sim como uma obrigação que resulta em responsabilização caso não seja atendida, já que o Conselho de Ética preza muito pela conduta ilibada dos médicos.

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