6. Desvio de Finalidade ou Tredestinação
Ocorrida a desapropriação, o Poder Público, necessariamente, precisa utilizar o bem expropriado e adquirido à finalidade pública. O que suscitou a expropriação? Não aplicando quanto à destinação do ato expropriatório aparece ou configura o que se chama: “tredestinação” [...]. Se o expropriante deixa de lhe atribuir uma finalidade pública.
Para o desvio de finalidade se dá o nome de tredestinação, elucida Carvalho Filho (2009, p. 841), “destinação desconforme com o plano inicialmente previsto.” Isto é, o Estado age de maneira regular, transferindo a terceiro o bem desapropriado, concedendo a outrem o benefício desta transação, ignorando o previsto no decreto expropriatório. O desvio de finalidade acontece no decorrer do ato administrativo, inexistindo utilidade e necessidade pública ou o interesse social, ocorre uma escolha para o beneficio de terceiro apurado o sacrifício de outro.
Hely Lopes Meirelles (2009, p. 628) se posiciona sobre a tredestinação, para o autor o desvio de finalidade se dá na “necessidade ou utilidade pública do bem para fins administrativos ou no interesse social da propriedade para ser explorada ou utilizada em prol da comunidade, é o fundamento legitimador da desapropriação”. O autor segue observando sobre o impedimento de existir expropriação para favorecer o interesse privado de pessoa natural ou entidade particular, não havendo hipóteses de utilidade ou necessidade pública e do interesse social.
Conclui-se ainda que o desvio de finalidade tenha base legal, prevista no paragrafo único, alínea “e”, do artigo 2º da lei nº 4.717/65[4], que observa o desvio de finalidade como causa expressa de nulidade dos atos lesivos ao patrimônio publico, que por ora são combatidos via ação popular. (MEIRELLES, 2009) ressaltando a possibilidade de acontecimento do pretenso desvio de finalidade ou mais popular tredestinação.
O desvio de finalidade ocorre, na desapropriação, quando o bem expropriado para um fim é empregado noutro sem utilidade pública ou interesse social. Daí o chamar-se, vulgarmente, a essa mudança de destinação, tredestinação(o correto seria tresdestinação, no sentido de desvio de destinação), para indicar o mau emprego do bem expropriado. Mas deve-se entender que a finalidade pública é sempre genérica e, por isso, o bem desapropriado para um fim público pode ser usado em outro fim público sem que ocorra o desvio de finalidade. Exemplificando: um terreno desapropriado para escola pública poderá, legitimamente, ser utilizado para construção de um pronto-socorro público sem que isto importe desvio de finalidade, mas não poderá ser alienado a uma organização privada para nele edificar uma escola ou um hospital particular, porque a estes faltaria finalidade pública justificadora do ato expropriatório (MEIRELLES, 2009, p. 629).
Conforme já explicitado por Hely Lopes Meirelles acima, a finalidade será sempre genérica, desta forma alguma será absoluta, moldando os desejos da sociedade; no mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça se posicionou.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. AÇÃO DE RETROCESSÃO. DESTINAÇÃO DIVERSA DO IMÓVEL. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE PÚBLICA. TREDESTINAÇÃO LÍCITA. 1. Não há falar em retrocessão se ao bem expropriado for dada destinação que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto expropriatório. 2. A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do REsp 710.065/SP (Rel. Min. José Delgado, DJ de 6.6.2005), firmou a orientação de que a afetação da área poligonal da extinta "Vila Parisi" e áreas contíguas (localizadas no Município de Cubatão/SP) — cuja destinação inicial era a implantação de um parque ecológico —, para a instalação de um pólo industrial metal mecânico, um terminal intermodal de cargas rodoviário, um centro de pesquisas ambientais, um posto de abastecimento de combustíveis, um centro comercial com 32 módulos de 32 metros cada, um estacionamento, e um restaurante/lanchonete, atingiu, de qualquer modo, a finalidade pública inerente às desapropriações. 3. Recurso especial desprovido. RECURSO ESPECIAL Nº 968.414 – SP (2007/0157034-6), RELATORA: MINISTRA DENISE ARRUDA, RECORRENTE: PEDRO PEREIRA DE SOUSA E CÔNJUGE, ADVOGADO: JOSÉ EDGARD DA SILVA JUNIOR E OUTRO(S) RECORRIDO: MUNICÍPIO DE CUBATÃO, ADVOGADO: FÁBIA MARGARIDO ALENCAR DALÉSSIO E OUTRO(S).
O julgado acima indica caso em que o bem recebeu destino diverso daquele previsto no decreto expropriatório, porém esse destino atendeu ao interesse público e não há que se falar em retrocessão. O fim em que foi usado o bem não se encontrava indicado no decreto expropriatório, mas atendeu à fins públicos, portanto, não ensejou retrocessão ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto, cuja destinação inicial era a implantação de um parque ecológico —, para a instalação de um pólo industrial metal mecânico, um terminal intermodal de cargas rodoviário, um centro de pesquisas ambientais, um posto de abastecimento de combustíveis, um centro comercial com 32 módulos de 32 metros cada, um estacionamento, e um restaurante/lanchonete, atingiu, de qualquer modo, a finalidade pública inerente às desapropriações.
Ocorrendo perdas e danos e justa indenização como o caso é solucionado. É a matéria do próximo tópico.
7. Indenização Justa e Prévia, Juros Moratórios e Juros Compensatórios
Conforme já citado ao longo desta pesquisa a indenização deve ser justa prévia e em dinheiro sendo uma regra nas desapropriações, exceto os casos em que se faz o pagamento através de títulos da dívida (pública ou agrária). Assim, é indispensável definir o conceito de justa indenização. Para o doutrinador Hely Lopes Meirelles (2009), indenização justa é quando o valor estimado confere com o valor real do bem expropriado, compreendendo os danos emergentes e lucros cessantes. Prévia pelo fato do pagamento ocorrer antes da perda concreta da propriedade.
Para o autor os juros compensatórios ocorrem desde a ocupação do imóvel, isto é, imissão na posse, e sua base de calculo é 12% ao ano. E os juros moratórios apenas serão devidos em caso de atraso no pagamento da condenação, desse modo, esses juros são cumulativos, pois se destinam a diferentes indenizações, ocorrendo que os compensatórios cobrem os lucros cessantes pela ocupação do objeto, os juros moratórios são destinados a cobrir o lucro pelo tempo em que não foi efetuado o pagamento. (MEIRELLES, 2009)
Os juros moratórios são carecidos na proporção de 6% ao ano, contados com inicio em 1º de janeiro do próximo exercício em que o pagamento deveria ter sido feito.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo mostrar de uma forma integral e resumida sobre o instituto da desapropriação no Brasil, na modalidade da retrocessão: sua natureza jurídica é direito real ou pessoal, conforme a doutrina brasileira, objetivando mostrar seus fundamentos e atributos presentes em nosso ordenamento jurídico.
Buscou-se o alcance aproximativo de resultados, eis que a Ciência do Direito não é uma Ciência exata. Os principais tópicos previstos neste instituto da retrocessão, a começar pela sua definição e percorrendo a sua evolução histórica através das constituições brasileiras.
Desse decantado instituto, previsto no ordenamento jurídico pátrio, analisou-se: os pressupostos da desapropriação no Brasil e o seu fundamento legal, um breve estudo sobre o Direito Real e o Direito Pessoal conforme do Direito brasileiro, o instituto da Retrocessão seu conceito e a sua natureza jurídica, isto é, Direito Real ou Direito Pessoal? Desvio de Finalidade do Bem desapropriado ou Tedestinação, indenização justa, prévia, juros moratórios e juros compensatórios, metodologia do trabalho e a discussão do presente trabalho.
Notadamente, o instituto da retrocessão é o processo que condiciona o proprietário a readquirir de volta o seu bem, assim, se levantou duas correntes doutrinarias quanto à sua natureza jurídica, se caso for considerada um direito real, o antigo dono terá o direito de readquirir o bem de volta, na esteira desse entendimento Celso Bandeira de Mello agitou tese favorável. Por outro lado, se acaso for considerado direito pessoal, o expropriado terá direito a uma preferência, isso se o Poder Público tiver o intuito de desfazer do bem, se não, o expropriado terá direito de requerer uma indenização, nessa linha de entendimento perfilhou-se José dos Santos Carvalho Filho.
Assim, conclui-se que não se pode ter uma conclusão exata sobre a natureza jurídica da retrocessão, por se encontrar, principalmente, diante de questão polémica, inclusive, no julgado do ano de 2009:
STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 943604 CE 2007/0084331-7 – STJ –. Data de publicação: 30/03/2009.
Carreado para o bojo da presente investigação científica. Obteve-se, conforme já foi dito em linha atrás que o tema é paradoxal.
A matéria em apreço estudada chegou aos requisitos mínimos para se levantar uma polêmica científica na seara do Direito Administrativo e do Direito Constitucional, contudo está longe de chegar a uma conclusão plausível.
Isso porque, cuida-se de um instituto amplo em todos os sentidos, que estabelece um limite ao leitor afoito que procura uma rápida analise acerca do tema da desapropriação, em sua modalidade retrocessão.
Não obstante, conforme ficou evidenciado durante todo o transcurso textual, não há predominância de uma corrente, mas a existência de três correntes que demandam a natureza jurídica do instituto, real, pessoal e eclética, sendo, portanto, temática aconselhada aos estudiosos que pretendam aprofundar suas investigações de caráter científico jurídico num assunto envolvente e polêmico.
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª ed. rev., ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012. p. 875.
[2]SALLES, José Carlos de Moraes. Desapropriação a luz da doutrina e da jurisprudência. 4. Ed. rev., atual e ampl. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2000.p.826
[3]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª ed. rev., ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012. p. 877.
[4]Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.