Desapropriação no Brasil. Efeito da retrocessão. Direito Real ou Pessoal?

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3 Pressupostos da Desapropriação

Conforme estudo do tema discutido, a Constituição de 05 de outubro de 1988 aponta como pressupostos da desapropriação: “a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social”, conforme os seguintes artigos e incisos: artigo 5º, inciso XXIV e o artigo 184, C.R.F.B Senado Federal 2015.

Vale notar que, a necessidade pública ocorre quando o Poder Público está diante de uma questão indispensável possuindo como alternativa a desapropriação e integração do bem particular sob o comando da Administração Pública. Por outro lado, a possiblidade de utilidade pública, ocorre quando a aquisição pelo Poder Público do bem particular é favorável ao interesse coletivo, não havendo situação de necessidade. Por fim, observa-se o interesse social quando o Poder Público se depara diante de injustiças sociais, ligadas justamente às áreas mais carentes da população; essa espécie de desapropriação possui por escopo o melhoramento da qualidade de vida, divisão de riquezas, diminuição das desigualdades sociais. (Carvalho Filho, 2009).

O poder público para desapropriar precisa manter uma promessa para o social para adquirir melhorias de alcance social em consequência do ato expropriatório. Ao se analisar o entendimento doutrinário acima, percebe-se que o Poder Público está jungido à necessidade, à utilidade e ao interesse social. É de extrema importância moral, patrimonial e social um ato expropriatório; eis que muitas dimensões da vida humana estão, concomitantemente, em manejo pelo Poder Público. Não pode ser um ato autoritário fundado em preceitos unilaterais e despóticos. Para tanto, a abalizada doutrina de Carvalho Filho.

Na visão de José dos Santos Carvalho Filho (2009) o autor considera legitima a desapropriação que preencha os requisitos da utilidade pública, necessidade pública e interesse social. Em conexão a esse entendimento está o bem estar social. A supremacia do interesse coletivo está acima do interesse individual. Nesse contexto a desapropriação é um procedimento de natureza Constitucional e a sua utilização, necessariamente, precisa estar em sintonia com o bem estar social.

O doutrinador aponta que ocorre a utilidade pública quando a transferência do bem particular se mostra conveniente à Administração, assim o fazendo. Nota-se a necessidade pública quando acontece uma situação de urgência, da qual a saída ocorre mediante o processo de desapropriação do bem particular; e, por último, acontece o interesse social quando nota-se um desrespeito à função social da propriedade, sua finalidade e uso para o bem coletivo; dessa forma a administração pública tem como objetivo suprimir de algum modo às desigualdades coletivas. Conforme exemplo do autor para fins de interesse social é o da reforma agrária. (CARVALHO FILHO, 2009)

É de frisar-se que a base legal das espécies de desapropriação citada acima está expressa no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal. Está, também, em decretos e leis esparsas, como exemplo, o Decreto-Lei 3.365/1941, CARVALHO FILHO, 2009.

Feitas as considerações acerca da matéria dos pressupostos da desapropriação que confere ao Ente Público o poder da desapropriação; passa-se, agora, ao estudo sobre a natureza jurídica do objeto da desapropriação na modalidade da retrocessão, isto é, a sua natureza jurídica é de natureza é de Direito Real ou é de Direito Pessoal? As tarefas das próximas linhas serão discorrer sobre tais assuntos.

Há uma atenção especial quanto ao Direito Real e ao Direito Pessoal. Cuida-se, nesse trabalho investigativo, de perquirir, antes de adentrar ao cerne da questão, o que vem a ser: Direito Real e Direito Pessoal. Porque, somente a partir do estudo da definição clara desses dois conceitos pode-se chegar a uma resposta plausível com base na doutrina pátria acerca da natureza jurídica da retrocessão.

Desse modo, somente através dessa investigação conceitual sobre a natureza do Direito Civil; a instauração da questão do presente trabalho passa a ganhar mais corpo. Vejamos.


4 Breve Estudo sobre o Direito Real e o  Direito Pessoal

Anunciou-se na introdução da presente investigação o tema problema da natureza jurídica da retrocessão; através de um exame atento, sua natureza jurídica é de natureza de Direito Real ou de Direito Pessoal?

A preocupação da presente investigação científica gravita em torno da realização de uma investigação conceitual e doutrinária acerca do tema proposto no parágrafo anterior. Esta ideia mostra um problema a respeito da realidade da Retrocessão, sobretudo, acerca do seu fundamento. Ela é Direito Real ou Direito Pessoal?

Torna-se, então, primordial e importante para a realização de uma investigação científica uma brevíssima visão panorâmica sobre o estudo do Direito Real e do Direito Pessoal na Lei. Nesse sentido, coloca-se a seguir um breve estudo sobre o direito real e o direito pessoal.

As concepções sobre Direito Real e sobre Direito Pessoal surgem do Código Civil, ou seja, da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que criou o Código Civil brasileiro. Tais concepções estão intimamente conectadas, com o tema problema, levantadas no presente estudo investigativo; e apontadas na introdução desse trabalho, isto é, no marco teórico.

A Lei Civil brasileira vê de um modo muito claro e distinto os dois institutos: Direito Real e Direito Pessoal.

O Código Civil brasileiro preceitua de um modo muito resplandecente os dois institutos: Direito Real e Direito Pessoal. O artigo 1.225 diz: “São direitos reais:” I – a propriedade; (...) XIII. A propriedade sabe-se é o direito real por excelência; e a posse está incluída na propriedade conforme o vetusto adágio de Direito: “a posse é a exteriorização da propriedade”.

No tocante ao Direito Pessoal, no novo Código Civil brasileiro de 2002, este está disciplinado a partir do artigo 233 até o artigo 965. Direitos pessoais ou obrigacionais dependem de uma prestação do devedor, ou seja, da colaboração de um sujeito passivo, como, por exemplo, pode-se citar o artigo que inaugura o Direito das Obrigações, artigo 233 que preceitua: “A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”. Desse modo, o direito pessoal é o próprio Direito das Obrigações através das relações dos sujeitos passivos e ativos; como se vê do artigo utilizado como exemplo. Há nele: uma obrigação de dar coisa certa; a estipulação, ou seja, ajuste por meio de contrato explícito ou implícito e os seus acessórios. Desse modo, a forma mais simplificada de resumi-los e compará-los é dizer: o direito real é a correspondência de domínio ou de propriedade do ser humano com o objeto, e o direito pessoal se refere à relação pessoal ou obrigacional.

A respeito do tema a doutrina também se pronuncia. Pode-se dizer que o papel essencial que tais conceitos desempenham no processo de realização do instituto da Retrocessão ao ver a relação existente entre eles em um primeiro momento é fundamental.  Os Direitos – Direito Real e Direito Pessoal – são conceituados pela excelente doutrina, abaixo indicada, da seguinte maneira:

“exercido e recai diretamente sobre a coisa, sobre um objeto basicamente corpóreo, embora não se afaste a noção de realidade de bens imateriais, enquanto o  direito obrigacional tem como objeto relações humanas. Sob esse aspecto, embora essa noção deva ser aprimorada, afirma-se ser o direito real absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes. Por outro lado, o direito obrigacional é relativo. A prestação é o objeto do direito pessoal ou obrigacional, somente podendo ser exigido do devedor. O direito real caracteriza-se pela inerência ou a aderência do titular à coisa” (Sílvio de Salvo Venosa, 2010).

Conforme se verifica pelo conceito do jurista Venosa, os dois conceitos podem ser assim compreendidos:

O direito real é o poder, direto e imediato do Titular sobre a Coisa. O Direito Real implica dizer o poder do sujeito sobre o bem ou a coisa. É indubitável que os direitos reais propriamente ditos implicam dizer uma dominação sobre o bem, dominação essa exercida por atribuição específica conferida ao titular do direito e oponível erga omnes, ou seja, contra todas as pessoas. O direito pessoal é relativo porque é obrigacional e depende do adimplemento ou do cumprimento das partes envolvidas no contrato.

Feitas essas considerações legais e doutrinárias acerca dos conceitos sobre o Direito Real e o Direito Pessoal eis que ambos fazem parte da natureza do objeto de pesquisa do presente trabalho, passa-se a seguir ao estudo da Retrocessão.


5 Retrocessão: conceito e sua natureza jurídica: Direito Pessoal ou Direito Real?

5.1 Conceito de Retrocessão        

Esse instituto, hodiernamente, possui como gênero: a desapropriação e como uma das suas espécies: a retrocessão. Essa é objeto do presente tema e de debate na doutrina acerca da sua natureza jurídica, ou seja, a Retrocessão possui natureza de Direito Real ou de Direito Pessoal? Antes de adentrar-se à polêmica é de bom tom delimitar o que vem a ser Retrocessão. Para conceituar a Retrocessão traz-se à baila a dicção do doutrinador: José dos Santos Carvalho Filho que salienta e leciona:

A estrutura da retrocessão é de singela percepção. O poder público procede à desapropriação e ultima o respectivo processo, pagando a devida indenização. Introduzido o bem no patrimônio publico o expropriante não concretiza a destinação do bem na forma como se havia manifestado anteriormente, inclusive através de expressa referência a essa destinação no decreto expropriatório. A hipótese, portanto, demonstra desistência superveniente do Poder Público pelo que desapropriou, ou, se se preferir, pela finalidade a que se destinava a desapropriação[1].

Pelo conceito acima indicado pode-se fazer a seguinte dissecação do conceito emitido pelo doutrinador: Retrocessão significa dizer que o Poder Público desapropria um determinado patrimônio e conclui o processo expropriatório. Quita a indenização devida ao expropriado que teve o seu patrimônio retirado compulsoriamente, ou seja, extraído do seu domínio, e, ato contínuo, o Poder Público acrescenta o bem expropriado ao seu patrimônio.

Contudo, pode acontecer que o bem expropriado tenha destinação diversa daquela prevista inicialmente ou anteriormente, isto é, desvio de finalidade, porque as justificativas para a desapropriação não ocorreram. O doutrinador acima referenciado denomina de: “desistência superveniente” do poder público. Conforme discutido neste tópico passa-se agora à interpretação da natureza jurídica da Retrocessão como Direito Real.

5.2 Natureza jurídica da Retrocessão: como Direito Real

Dando um passo à frente, após ter exarado o conceito de retrocessão e a sua dissecação, a doutrina pronuncia-se sobre a retrocessão apontando caminhos para a sua natureza jurídica. Contudo, a versão, agora apresentada, já explica e adentra na temática suscitada na introdução. 

 Urge assinalar, que para efeito de pesquisa foi trazido à colação uma edição de Bandeira de Mello anterior à edição do novo Código Civil de 2002. Isso porque, nesse período a visão do Direito brasileiro ainda não possuía respaldo legal mais clara sobre a retrocessão. A compreensão de Celso Antônio Bandeira de Mello (1995, p. 455) ao tempo da edição ora apresentada é salientada e lecionada da seguinte forma:

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“Efetivada uma desapropriação, o Poder Público deve aplicar o bem, por tal modo adquirido, à finalidade pública que suscitou o desencadeamento de sua força expropriatória. Se não o fizer, evidentemente a desapropriação terá se revelado sem razão de existir. Daí o reconhecer-se ao expropriado o direito a uma satisfação jurídica pelo fato. É esta circunstância que nos coloca diante do instituto da retrocessão”. Prossegue Bandeira de Mello: “Anteriormente, a retrocessão, no Direito Brasileiro, era acolhida em sua acepção exata e técnica: direito do ex-proprietário de reivindicar o bem expropriado e não aplicado à finalidade pública. A Lei 1.021, de 1903, no parágrafo 4º, do artigo 2º, estatuía”: “Se por qualquer motivo não forem levadas a efeito as obras para as quais foi decretada a desapropriação, é permitido ao proprietário reaver o seu imóvel, restituindo a importância recebida”. O Decreto 4.956, de 9.956, de 9.9.1903, regulamentador da citada lei, repetiu o conteúdo do preceito.

Dando prosseguimento ao entendimento acima, Bandeira de Mello (1995, p. 455) após dizer, quando não é dado o destino previsto ao bem expropriado, a desapropriação não se concretiza se houve desvio de finalidade com o que ele chama de: “o reconhecer-se ao expropriado o direito a uma satisfação jurídica pelo fato”. E, diz ele, ainda: “é esse acontecimento que provoca a Retrocessão”, isto é, “satisfação jurídica pelo fato”, interpretando o que ele compreende por Retrocessão.

O mesmo autor menciona acima que anteriormente, a retrocessão, no direito pátrio, era “acolhida” em sua compreensão: “exata e técnica”, isto é, o direito do expropriado em demandar para reaver o seu patrimônio expropriado, eis que houve falta do vínculo entre o sacrifício do expropriado e a utilização indevida do bem expropriado. Cabe destacar aqui uma análise crítica acerca da posição de Bandeira de Mello quando diz: “exata e técnica”. A aplicação desses dois vocábulos mostra de antemão a sua clara simpatia à tese da natureza da ação de retrocessão como Direito Real.

Bandeira de Mello (1995) compreende ainda que:

Atualmente, contudo, nem sempre se da à retrocessão o mesmo sentido. Muitas vezes tem-se sustentado na doutrina e na jurisprudência que a tetrocessão é um direito pessoal que proporciona ao ex-proprietário perdas e danos (e não o direito de reaver o bem), no caso do expropriante não lhe oferecer o bem pelo mesmo preço da desapropriação, quando desistir de aplica-lo a uma finalidade pública. Para tanto, o autor cita julgados e prossegue lecionando (TJSP in RDA 54/38 e 73/162 e TJDF in RDA 54/137. Baseiam-se estes julgados em que o art. 1.150 do CC,  (Observação referência ao Código Civil de 1916) ao tratar da preempção ou preferência, dispôs: “A União, o Estado ou o Município oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino para que se desapropriou”.

Bandeira de Mello mostra que no passado a retrocessão, no direito pátrio, era recepcionada em sua “exata e técnica acepção”, conforme se depreende do seu comentário acima. Pelo seu comentário pode-se extrair que Bandeira de Mello mostra-se profundamente engajado na tese do ex-proprietário reivindicar o bem tomado por parte do Poder Público e com desvio de finalidade. Porque o doutrinador elogia o instituto chamando-o: “em sua acepção exata e técnica”. Tal análise dissertativa pode parecer uma mera casualidade, mas não é. Continua-se na análise. Ato contínuo, ele arrola a Lei de 1903 que confere ao expropriado o direito à retrocessão, ou seja, “reaver o seu imóvel restituindo a importância recebida”. Isto é, a importância que foi paga anteriormente ao ex-proprietário pela desapropriação sofrida. Se o expropriado devolver a importância recebida pela indenização, então, ele recupera o bem. Assim, pode-se concluir que o autor em estudo é adepto da tese de que a ação de retrocessão é de natureza jurídica de Direito Real. Contudo, a análise argumentativa não para aí. Nesse último parágrafo recuado acima, não há resta mais dúvida quanto à posição doutrinária de Bandeira de Mello. Porque o mesmo alega que hodiernamente não se dá à retrocessão o mesmo sentido; eis que “muitas vezes tem-se” compreendido que a “tetrocessão” é um direito pessoal. Vê-se, portanto, que o autor usa o verbo ter no infinitivo, isto é, na dimensão da impessoalidade e não da pessoalidade. É possível concluir que a posição da Retrocessão como Direito Pessoal: “que proporciona ao ex-proprietário perdas e danos (e não o direito de reaver o bem)” é do outro e não dele – Bandeira de Mello –.

Bandeira de Mello diz ainda, no último parágrafo acima recuado, que o antigo Código Cívil, de 1916, dava ao expropriado o direito de preferência também chamado preempção, em seu artigo 1.150, conforme se vê da sua doutrina acima. Pode ser visto este entendimento claramente. Era uma espécie de sanção em garantia do direito de propriedade, porque o proprietário possuía o direito ao seu bem expropriado, caso não fosse atendido o interesse público em decorrência do desvio de finalidade do bem expropriado. Mais uma vez, depara-se com o engajamento do autor Bandeira de Mello à tese da ação de retrocessão como Direito Real.

Desse modo, o direito à retrocessão teve como base no artigo 1.150, do Código Civil de 1916, com a seguinte redação: “Art. 1.150. A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço porque o foi, caso não tenha o destino para que se desapropriou”.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, no artigo 5º, inciso XXIV, diz:

“a lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;” Percebe-se da leitura do presente dispositivo que a norma constitucional ao prever o procedimento do instituto da desapropriação confere à ação de retrocessão status de Direito Real, isso porque está configurado o direito de propriedade como direito fundamental, que somente decai diante da força coercitiva do Estado. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello Curso de Direito Administrativo, 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 828. Mais uma vez, o autor Bandeira de Mello demonstra sua posição junto à tese da ação de retrocessão de natureza jurídica de direito real. Concluída a análise dissertativa e crítica com base na boa doutrina passa-se a seguir à tese da natureza jurídica da retrocessão como Direito Pessoal.

5.3 Natureza jurídica da Retrocessão: como Direito Pessoal

Analisa-se, nesse tópico, a hipótese segundo a qual o bem expropriado recebe destinação diferente daquela prevista na declaração expropriatória, porém o expropriado não recebe o seu bem de volta. A questão é solucionada em perdas e danos. Hodiernamente, a direção do novo Código Civil de 2002, em seu artigo 519 é a seguinte:

Art. 519 – se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade publica, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.        

Em primeiro lugar é de bom agouro ressaltar, em uma primeira leitura, que o atual Código Civil, do ano de 2002, não citou, expressamente, os entes públicos, como responsáveis à retrocessão, como fazia o antigo Código Civil de 1916 em seu artigo 1.150. Assim, implicitamente, extrai-se da redação do novo código que o instituto da retrocessão possui caráter impositivo, implicitamente, a todos os entes públicos: União; Distrito Federal; Estados e Municípios que estejam envolvidos na desapropriação. O código é claro.

Por outro lado, no artigo 519, do novo Código Civil, do ano de 2002, quanto à matéria em estudo, não manda que o poder público ofereça o imóvel ao desapropriado, porque apenas garante ao expropriado o direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Pela redação do atual código fica claro, em uma primeira leitura e em um primeiro momento, que a ação de retrocessão é de natureza de direito pessoal, eis que não é exercido o direito de propriedade em sua plenitude. De mais a mais, o artigo subsequente diz: Artigo 520 – “O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros”.

A leitura do artigo 520 é mais incisiva; tal redação dá margem a uma forte interpretação no sentido de que a ação de retrocessão tenha talvez natureza de direito pessoal. É que, o Direito Real, como exemplo, a propriedade: Artigo 1.225, inciso I, “a propriedade”, do Código Civil de 20002, é transferido aos sucessores do titular do direito do bem em toda a sua plenitude.

O mesmo não acontece plenamente em relação ao direito pessoal ou obrigacional, referentemente, ao dano moral, por exemplo, eis que a transmissão dos direitos do titular para receber danos morais, ao ocorrer a sua morte ao seu herdeiro não é pacífica e demanda interpretação doutrinária e jurisprudencial. Contudo, não cabe, aqui, entrar na discussão do mérito de tal transferência ao sucessor acerca desse tema. Foi citado a título de exemplo. Para faze uma comparação entre a propriedade que é um direito real e o dano moral que é um direito obrigacional ou pessoal. 

 Observa-se, desse modo, que a presente redação do artigo 519 do Código Civil de 2002, acabou mudando para o termo: “preferência” que era no Código de 1916, em seu artigo 1.150 “oferecerá ao ex-proprietário”.  Oferecer: insinua presentear ofertar. Já a preferência implica dizer: possiblidade legal de passar à frente ou escolher. Quanto à interpretação do significado e do sentido das palavras pode-se concluir que o critério pode ser subjetivo.  Poderá, então, o expropriante oferecer o bem, gerando indenização se houver desvio de finalidade, acarretando, assim, paradoxos quanto à natureza jurídica da retrocessão, isto é, compreender como vai incidir esse direito na vida coletiva e nas demandas jurídicas. É que, a Ciência do Direito não é exata e sempre há margens para discussão.  

O novo Código Civil de 2002 ainda em formação e sempre estará, porque a vida social é dinâmica e a Ciência do Direito precisa corresponder aos anseios da coletividade, conforme é sabido, e, não há jurisprudência definitiva sobre o assunto. José Carlos de Moraes Salles leciona que:

A questão é de grande interesse, pois para os que entendem ser a retrocessão simples direito pessoal, a não aplicação do bem na finalidade para a qual fora desapropriado gera, apenas, a consequência da indenização do ex- proprietário por perdas e danos. Para os que a consideram direito real, descumprido, mediante devolução do preço pago pelo expropriante[2].

Pelo que foi visto no comentário acima, no direito pessoal o bem expropriado não utilizado devidamente na finalidade para a qual foi instaurado o procedimento expropriatório gera a indenização e as perdas e danos; e na segunda parte do comentário gera apenas a devolução do valor pago pelo bem. Hodiernamente há uma tendência forte em admitir a retrocessão como direito pessoal ou obrigacional. Vejamos o RE do ano de 2009:

STJ - RECURSO ESPECIAL  REsp 943604 CE 2007/0084331-7

                                                       ( STJ)

Data de publicação: 30/03/2009

Ementa: instituto é um direito pessoal de devolver o bem ao expropriado, em face do disposto no artigo 35 da Lei 3.365/41, que diz que “os bens incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação, devendo qualquer suposto direito do expropriado ser resolvido por perdas e danos. Por derradeiro, temos os defensores da natureza da retrocessão (real e pessoal) em que o expropriado poderá requerer a preempção ou, caso isso seja inviável, a resolução em perdas e danos. (REsp 819.191/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 22/05/2006). 8. A Primeira Turma dessa Egrégia Corte já firmou entendimento diverso acerca da matéria (REsp 623.511/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 06/06/2005; REsp 816.251/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ 27/03/2006), o que revela a justeza da incidência da Súmula 343/STF ao presente. 9. Recurso especial não conhecido.           

Ante esse entendimento acima do STJ vê-se que o mesmo negou a existência da retrocessão. Prevaleceu orientação no sentido de solucionar a questão do expropriado em perdas e danos; e devolveu o bem ao expropriado (Ente Público) por força do artigo 35 da Lei 3.365/41 compreendendo que os bens incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação por parte do expropriado devendo qualquer suposto direito do mesmo ser resolvido por perdas e danos. Contudo, ao final o voto aponta que existem posições indicando em sentido contrário ao registrar que: “Por derradeiro, temos os defensores da natureza da retrocessão como direito real em o voto compreende (...)”. Por fim, é de bom tom ressaltar que o voto é do ano de 2009 depois da edição do Código Civil do ano de 2002.

É importante destacar o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho que se perfilha em sintonia com a conclusão do voto acima citado, ao estudar legislação pertinente ao tema sobre a natureza jurídica da retrocessão como direito pessoal, diz que:

A nosso ver, o direito é pessoal, conclusão a que temos que curvar-nos em virtude da legislação atualmente vigorante. Entretanto, conviria que, de lege ferenda, viesse a se caracterizar como real. De fato, se o próprio Estado desiste do que pretendia, deve restituir a coisa ao estado anterior, obrigando-se a devolver o bem a seu antigo proprietário. Este constatada a desistência, teria direito real contra o Estado, sendo-lhe viável reaver a coisa do poder de quem indevidamente a detivesse. A vigente legislação, contudo, não permite extrair essa conclusão, com a devida vênia daqueles que pensam em contrario[3].

O autor adotando a teoria da natureza da retrocessão como direito pessoal admite que é a melhor interpretação, deste modo, “não permite extrair o entendimento da configuração de direito real, se o Estado desiste do que pretendia e restituir o bem ao expropriado”. Deverá prevalecer, no entanto, Carvalho Filho entende que o nosso ordenamento jurídico defende tal direito como pessoal, prevendo o desfecho do litígio em perdas e danos.

Desta forma, feitas as considerações sobre a natureza jurídica da retrocessão, como natureza de Direito Pessoal. Observa-se a seguir um breve estudo sobre a Tredestinação.

Sobre os autores
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Ayram Reis

Ayram Reis é advogado em Teófilo Otoni. Graduado pela Faculdade de Direito Presidente Antônio Carlos, campus Teófilo Otoni, Minas Gerais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de tema importante para o Direito Civil, a questão da natureza jurídica da retrocessão, uma vez que três correntes disputam o rótulo jurídico, como sendo direito real, pessoal ou misto.

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