O ASSÉDIO MORAL EM FACE À DIGNIDADE DO TRABALHADOR

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A dignidade da pessoa humana, fundamento insculpido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (CF), traduz-se em vetor interpretativo de todo o ordenamento jurídico, pretendendo sempre preservar o ser humano.

A dignidade da pessoa humana, fundamento insculpido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (CF), traduz-se em vetor interpretativo de todo o ordenamento jurídico, pretendendo sempre preservar o ser humano na qualidade de pessoa participante de uma comunidade socialmente justa.

Sabe-se que o trabalho humano é um valor. Assim, a dignidade do ser humano como trabalhador constitui um bem jurídico de importância fundamental, cuja proteção vai além dos aspectos econômicos, alcançando a defesa da sua pessoa e cidadania, uma vez que os direitos trabalhistas não são apenas patrimoniais, mas, também, morais.

Nesse sentido, entende-se que a teoria do assédio moral, além de se relacionar com o direito à saúde, previsto especialmente no art. 6º da CF, e com o direito à honra, contido no inciso X do art. 5º da CF, tem assento no referido princípio da dignidade da pessoa humana. O assédio moral, demandando análise multidisciplinar, pode ser caracterizado, em rápidas linhas, como sistemáticos comportamentos hostis que se apresentam nas relações de trabalho.

Espera-se se, em se tratando de tema polêmico em termos doutrinários e jurisprudenciais, que o estudo auxilie a comunidade científica, seja com seu conteúdo, seja com o despertar de novas problemáticas concernentes à temática.

Da proteção à dignidade do trabalhador

As duas guerras mundiais e o horror absoluto do genocídio foram episódios que marcaram um retrocesso no processo de afirmação dos direitos humanos experimentado no século XX. Esse cenário trouxe a necessidade de ser construído um novo paradigma daqueles direitos.

Como marco maior desse processo, foi aprovada, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consolidando a afirmação de uma ética universal, um consenso sobre valores a serem seguidos pelos Estados (PIOVESAN, 2012, p. 203). Nesse sentido, a Declaração Universal de 1948 objetivou delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, sendo, desde o seu preâmbulo, afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. A dignidade humana passou, então, a ser tida como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco à condição humana (PIOVESAN, 2012, p. 204).

Pode-se dizer que a concepção contemporânea de direitos humanos, resultante desse cenário, adotou uma compreensão solidária de dignidade humana, a partir da limitação da propriedade e de certas liberdades tipicamente burguesas, uma profunda transformação no conceito de igualdade e a incorporação de novos direitos impensáveis no paradigma liberal-individualista (BARRETO; BRAGATO, 2013, p. 255).

A partir de então, a dignidade da pessoa humana vem sendo entendida como norma fundamental dos ordenamentos jurídicos dos Estados que se intitulam democráticos. Contudo, o termo dignidade humana, conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2008, p. 16/17), é de difícil definição, uma vez que “cuida de um conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ‘ambiguidade e porosidade’, por sua natureza necessariamente polissêmica, bem como por um forte apelo emotivo”.

Contudo, em busca de estabelecer um conceito satisfatório de dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet apontou a existência de dimensões da dignidade, com vistas a compreender o real sentido da expressão, em especial no campo jurídico: a dimensão ontológica, a intersubjetiva, a histórico-cultural e a dimensão dupla, analisadas a seguir.

A dimensão ontológica "vincula a concepção da dignidade como uma qualidade intrínseca da pessoa humana e, de modo geral, comum às teorias da dignidade como dádiva ou um dom conferido ao ser humano pela divindade ou pela própria natureza" (SARLET, 2008, p. 19). Nessa acepção, a dignidade se apresenta inerente ao ser humano, não dependendo de qualquer ato de reconhecimento ou aceitação.

A dimensão intersubjetiva ou relacional destaca o ser humano como ser social, de modo que o reconhecimento de sua dignidade pessoal deve ir além também para reconhecer a dignidade do outro. A dimensão individual reconhece, conforme relatado anteriormente, a condição de dignidade a cada ser humano em sua individualidade, enquanto a dimensão relacional aponta essa necessidade do reconhecimento da dignidade em uma dimensão jurídica social.

Já a dimensão histórico-cultural da dignidade aponta que a definição desta é variável conforme o tempo e o espaço em que se analisa. Assim, a delimitação do que seja dignidade jamais se apresentará como um conceito estanque, vez que se apresenta em permanente estado de desenvolvimento e construção, em virtude do pluralismo e da diversidade de valores observados nas sociedades contemporâneas (SARLET, 2008, p. 27).

Como última das dimensões da dignidade, Sarlet (2008, p. 30) aponta uma dimensão dupla, ao mesmo tempo negativa e prestacional:

a dignidade possui uma dimensão dúplice, que se manifesta enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa (vinculada a ideia de  autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como a necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado [...].

        

Observe-se que, nesta concepção, a dignidade seria um limite para a atuação estatal, pessoal e social de modo a impedir que qualquer indivíduo seja “coisificado”, seja por ação própria ou de terceiro (dimensão negativa).  Ao mesmo tempo, representa um dever para o Estado, que deve pautar as suas condutas, decisões e objetivos sempre na intenção de preservar a dignidade humana (dimensão prestacional). Nesse sentido, o Estado possui não só o poder, mas também o dever de promover a dignidade humana, evitando atos atentatórios à mesma e ainda garantindo políticas que venham a proteger essa mesma dignidade.

Já Antônio Junqueira de Azevedo (2002) aponta que a dignidade humana seria “um conceito jurídico indeterminado; utilizada em norma, especialmente constitucional, é um princípio jurídico”, tal qual foi acolhida na Constituição Federal de 1988 (CF), eis que aparece entre os princípios fundamentais.

Além disso, a CF estabelece o trabalho como valor social. Nesse sentido, Augusto Cesar Leite de Carvalho (2011, p. 17) preceitua que as razões de o direito do trabalho existir são a perspectiva de o trabalho ser um valor social que dignifica o homem na era contemporânea e a necessidade de o trabalho humano exigir uma regência normativa que o associe à dignidade da pessoa que o realiza.

Na mesma esteira de entendimento, segundo Amauri Mascaro Nascimento (2011, p. 279), o trabalho humano é um valor, e a dignidade do ser humano como trabalhador constitui um bem jurídico de importância fundamental. Como direito fundamental (direitos humanos que são reconhecidos pela Constituição de um Estado), o direito do trabalho teria de ser direito de todos em todos os lugares, em determinado tempo.

O referido autor defende que a proteção ao trabalhador deslocou-se dos aspectos econômicos para a defesa da sua pessoa e cidadania, uma vez que os direitos trabalhistas não são apenas patrimoniais, mas também direitos e interesses morais: a reserva da intimidade, a proibição de atos discriminatórios, a indenização por dano moral e outras medidas de tutela da dignidade do ser humano trabalhador.

Fundamentada a previsão constitucional da proteção da dignidade do trabalhador e, assim, justificada a existência de normas trabalhistas, apresentam-se, a seguir, princípios específicos do direito do trabalho que salvaguardam o trabalhador.

Os princípios no direito do trabalho

O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil refere-se à analogia, aos costumes e princípios gerais de direito como métodos de integração da norma jurídica. É dizer: quando a lei for omissa no caso concreto, o aplicador do direito deve recorrer à analogia, aos costumes ou aos princípios gerais de direito para solucioná-lo.

Insta registrar que os métodos de integração da norma trabalhista estão positivados pelo art. 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), in verbis:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

 

O parágrafo único do art. 8º da CLT prevê que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Assim, a aplicação do direito civil somente será possível quando for omissa a norma trabalhista e houver compatibilidade com os princípios fundamentais do direito do trabalho.

Eros Roberto Grau (1997, p. 76;112) ensina que, na realidade, o sistema jurídico contém normas, as quais representam um gênero, do qual são espécies as regras e os princípios, sendo que os princípios apresentam grau de abstração e generalidade superior quando comparados às regras, porque servem de inspiração para estas e de sustentação de todo o sistema. As regras regulam apenas os fatos e atos nelas previstos, enquanto os princípios comportam uma série indefinida de aplicações, sendo que um sistema ou ordenamento jurídico jamais será integrado exclusivamente por regras.

Nesse mesmo sentido, Renato Saraiva e Aryanna Manfredini (2011, p. 62) apontam que princípios são proposições abstratas genéricas que inspiram e fundamentam o legislador na elaboração das normas, atuando como fonte integradora da norma, suprindo lacunas e omissões do ordenamento jurídico, exercendo função de instrumento orientador na interpretação da norma.

 Já Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011, p. 33) leciona que o Direito do Trabalho apresenta princípios próprios, reconhecidos pela doutrina e aplicados pela jurisprudência, entre eles: o principio protetor, o principio da irrenunciabilidade, o principio da primazia da realidade e o principio da continuidade da relação de emprego.

Existem, ainda, princípios constitucionais do trabalho, presentes no texto da CF, os quais figuram como verdadeiros alicerces na regulação da matéria, a saber: Princípio da Proteção; Princípio da primazia da realidade; Princípio da razoabilidade; Princípio da proporcionalidade; Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas; Princípio da liberdade de profissão; Princípio do direito de organização sindical; Princípio das garantias mínimas do trabalhador; Princípio da multinormatividade do direito do trabalho; Princípio da isonomia salarial e de tratamento; Princípio da justa remuneração; Princípio do direito ao descanso; Princípio do direito ao emprego; e Princípio do direito à previdência social.  

ASSÉDIO MORAL E SUAS FACES

Pretende-se apresentar, em síntese, a teoria do assédio moral, demonstrando quais os vetores protetivos ao trabalhador acabam por ser violados, e sua incidência no âmbito da iniciativa privada e do setor público.

Assédio moral: conceito e peculiaridades

As práticas de humilhações e hostilidades no ambiente de trabalho recebem diversas terminologias que variam de acordo com a cultura dos países. São denominadas, nos países de língua portuguesa, como assédio ou violência moral, tortura psicológica ou terror psicológico; mobbing, na Itália e Alemanha; bullying, na Inglaterra e nos Estados Unidos, que também adotam a terminologia moral harassment; harcèlement moral, na França; e psicoterror laboral ou acoso moral, nos países de língua espanhola (SANTOS, 2010).

O assédio moral ainda é um assunto novo tanto no mundo jurídico quanto na área médica, tendo sido reconhecido e definido após os anos 1980. Marie-France Hirigoyen, psicanalista e vitimóloga francesa, foi uma das pioneiras a tratar do assunto, trazendo uma visão geral do fenômeno, por meio de estudos de casos concretos. Consoante Hirigoyen (2002), pequenos gestos corriqueiros que podem parecer normais, como uma mentira ou manipulação, podem encobrir mais um ataque de um perverso que tenta, a todo custo, destruir a vítima psicologicamente, por motivos diversos, como, por exemplo, a necessidade de diminuir alguém para tentar impor-se.

Segundo Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (2007), o assédio moral é figura jurídica recente e sua origem remonta a estudos realizados pela etologia, psiquiatria e psicologia, como informam sobre o tema os Professores chilenos Sergio Gamonal Contreras e Pamela Prado López, referindo, como marco relevante, estudos realizados pelo psiquiatra alemão, Heinz Leymann, por meio dos quais “descreveu e analisou os distintos comportamentos hostis que se apresentam nas organizações, particularmente nas relações de trabalho e mais especificamente ainda na empresa em relação a seus empregados”.

As características que hoje são utilizadas na configuração do assédio moral remontam aos estudos de Leymann, que identifica mais de quarenta e cinco comportamentos, os quais devem ser sistemáticos – ao menos uma vez por semana – e com certa duração de tempo – devendo prolongar-se, ao menos, por seis meses.

A referida doutrinadora, outrossim, conceitua o assédio moral como um ato ilícito civil, que ocorre no mundo do trabalho, gerando, consequentemente, o dever de reparação do dano causado, de natureza extrapatrimonial, quando identificada a responsabilidade do empregador. Pode constituir, ademais, um ilícito penal, desde que a legislação especial assim o tipifique, a exemplo da França.

Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 755) leciona que agressão moral é o ato único por si só suficiente para causar o dano (por exemplo: o ato lesivo da honra e da boa fama praticada pelo empregador ou superiores hierárquicos, contra o empregado, salvo em legítima defesa). Ainda, configura justa causa para que o trabalhador dê por rescindido o contrato de trabalho com direito às verbas rescisórias (CLT, art. 483), mais a indenização por dano moral (CF, art. 5º, X; e CC, art. 12 e 186).

A diferença entre agressão moral e assédio moral, considerando-se tal definição, está na reiteração da prática que configura o assédio moral e no ato instantâneo que caracteriza a agressão moral. O referido autor também afirma que o assédio moral é uma série de atos cuja tipificação não é definida por lei e defende não existir assédio moral da pessoa jurídica, embora seja possível a configuração do dano moral contra ela.

O assédio moral, conforme assevera Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 756), é uma forma de violência no local de trabalho que pode se configurar de diversas maneiras, como por exemplo: o isolamento intencional para forçar o trabalhador a deixar o emprego, também chamado, no direito do trabalho, de disponibilidade remunerada; o desprezo do chefe sobre tudo o que o empregado faz, alardeado perante os demais colegas, deixando-o em posição de constrangimento moral; a atribuição seguida de tarefas cuja realização é sabidamente impossível, notadamente para deixar o vitimado em situação desigual à dos demais colegas.

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Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011, p. 80), por sua vez, preceitua que o assédio moral pode ser tido como “terror psicológico no trabalho”, que se caracteriza por uma conduta reiterada de violência psicológica, desestabilizando e prejudicando o equilíbrio psíquico e emocional do empregado – atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada –, deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em graves enfermidades de ordem física e psíquica.

Conforme Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (2007), a teoria do assédio moral tem assento no princípio da dignidade da pessoa humana, que, como visto no primeiro tópico, constitui fundamento da República, como prevê o art. 1º, III, da CF e decorre do direito à saúde, especificamente à saúde mental abrangida pelo art. 6º, e o direito à honra, previsto no art. 5º, X, ambos da Carta Magna.

Na mesma linha, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011, p. 80) defende que o assédio moral afronta os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, insculpidos no art. l°, III e IV; o objetivo fundamental da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, previsto no art. 3°, IV; o direito de ninguém ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, constante no art. 5°, III e o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas, disposto no art. 5°, X, todos da CF.

Assédio moral na iniciativa privada

O assédio moral nas relações de Trabalho constitui reiteradas condutas que são abusivas e constrangedoras, atacando a integridade psicológica do trabalhador que é exposto a situações humilhantes que ofendem a sua personalidade e dignidade, deteriorando o ambiente de trabalho que passa a ser insuportável até que a vítima desista de continuar no seu trabalho (SANTOS, 2010).

Um dos fatores que contribuem para a crescente problemática é o novo cenário econômico e social trazido pelo fenômeno da globalização dos mercados e do capital. Há uma reestruturação empresarial e uma instabilidade das empresas, decorrente das crescentes alterações das condições de mercado. Desta feita, a vítima tende a permanecer assediada, por medo do crescente desemprego (SANTOS, 2010).

São de extrema relevância para a temática os seguintes incisos do art. 5º da CF: a) III, o qual proíbe a tortura ou o tratamento desumano ou degradante; b) V, que prevê indenização por dano material, moral ou à imagem; e c) X, que determina serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Vale salientar também alguns incisos do art. 7º da Carta Magna, dentre os quais: a) I, que protege o trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa; b) XXVIII, o qual estabelece o direito ao “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado se incorrer com dolo ou culpa”; c) XXX, que proíbe a distinção de salário, de exercícios de funções e de critérios de admissão do portador de deficiência; e d) XXXIV, o qual impõe a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso, sendo esses dois últimos corolários do princípio da não discriminação, já discorrido no primeiro tópico deste trabalho.

Ainda, como visto no ponto acerca do princípio do pleno emprego, a Carta Magna, em seu art. 170, estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. O dispositivo, em seu inciso VIII, aponta a busca do pleno emprego como princípio a ser observado nesse aspecto.

Já o artigo 483 da CLT, trata das hipóteses em que o empregado poderá rescindir o contrato de trabalho e pleitear uma indenização, podendo o caso específico estar enquadrado em uma de suas alíneas ou mais:

 

Art. 483. O empregado poderá rescindir o contrato e pleitear a justa indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato;

b) for tratado por empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações decorrentes do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e da boa fama;

f) (…)

g) O empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a alterar sensivelmente a importância dos salários.

 

No ponto, Gustavo Filipe Barbosa Garcia assevera que o assédio moral pode ser argumento para fundamentação da despedida indireta, de acordo com o art. 483, alínea “d” (que prevê o não cumprimento das obrigações do contrato pelo empregador) e alínea “e”(que elenca a prática pelo empregador ou seus prepostos contra o empregado ou seus familiares, de ato lesivo da honra e boa fama).

E, na hipótese de o empregado praticar o assédio moral contra colega de trabalho, tem-se a prática de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, nos termos do art. 482, alínea j, da CLT, o qual estatui, nesse sentido, o ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições salvo em legítima defesa, própria ou de outrem (GARCIA, 2011, p. 81).

Ressalte-se que a dispensa sem justa causa, cujas hipóteses estão previstas no art. 482 da CLT, por si só, não configura o dano em prol do empregado, porque a dispensa é um direito que a lei assegura ao empregador. Por outro lado, declaração de abandono de emprego divulgada pelo jornal quando não se configurou o abandono pode acarretar dano profissional. Ainda, ofensa pública à honra do trabalhador e acusação infundada de prática de furto - que não se confunde com o pedido de abertura de inquérito policial para apurar o fato sem acusação a empregado; lesão deformante adquirida no serviço; a propagação, pelo empregador, de comentários desairosos e difamantes à conduta pessoal e profissional de ex-empregado com o intuito de prejudicá-lo na obtenção de novo emprego; a difusão de “listas negras” e outras, também configuram dano moral (NASCIMENTO, 2013, p. 760).

Acrescente-se o art. 186 do Código Civil (instrumento normativo cuja utilização subsidiária é autorizada pela legislação trabalhista), segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Outros dispositivos do Diploma Civil merecem menção: Art. 187; Art. 927; Art. 932; Art. 949; Art. 950; e Art. 953.

Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 761) defende que o direito à intimidade ou à privacidade corresponde ao respeito ao caráter privado da vida da pessoa, que, em condições normais, não pode ser devassada, uma vez que todo ser humano tem o direito de subtrair-se à indiscrição. Assim como contraria a proteção desse direito fotografar alguém a distância com teleobjetiva no interior da sua residência; também, no estabelecimento, monitorar indevidamente, os empregados, afeta o mesmo direito.

Cumpre, no entanto, salientar que a situação ocorrida numa empresa e durante os horários de trabalho não é igual à que se verifica na residência devassada. Fiscalizar é um direito do empregador para checar se os salários que paga estão sendo correspondidos. Mas a fiscalização não é um poder ilimitado. Há limites que não podem ser ultrapassados e, se o forem, configura-se transgressão do direito à privacidade. Se uma empresa devassa os sanitários, ainda que com o objetivo de coibir a demora do empregado na sua utilização em horários de trabalho, usa um meio inadequado, porque pode exercer o controle de outro modo.

Ainda, o trabalhador e o empregador devem guardar sigilo quanto à intimidade da vida privada. O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso, a divulgação de aspectos da esfera íntima e pessoal e da vida familiar, afetiva e sexual, o estado de saúde e as convicções políticas e religiosas. O empregado tem o direito de reserva e confidencialidade do conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que envie, receba ou consulte através do correio eletrônico de seu uso quando autorizado pelo empregador a usá-lo para fins particulares e alheios ao serviço (NASCIMENTO, 2013, p. 761).

Desse modo, o empregador não pode exigir do candidato a emprego ou dos empregados que prestem informações relativas à sua vida privada, à sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem ou forem estritamente necessárias e relevantes para a avaliação da sua aptidão para o trabalho. Pode utilizar, quando justificado, meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho, o comportamento e a atividade profissional do trabalhador. Deve ser, portanto, vedada a revista do trabalhador desde que abusiva e de modo a afetar a sua intimidade e integridade física e moral. A empresa pode valer-se de revista eletrônica.

Ademais, consoante Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 763), o empregador tem um poder de direção sobre o trabalho exercido pelos empregados, o que lhe confere o direito de monitorar a atividade do empregado no computador. A privacidade do empregado é respeitada no serviço e fora dele, mas não configura invasão da privacidade o controle sobre os equipamentos pertencentes ao empregador, que devem ser utilizados apenas para o serviço, e não para fins particulares. O correio eletrônico é ferramenta de trabalho e não propriedade pessoal para uso exclusivo do empregado em finalidades de seu interesse, não relacionadas com o emprego.

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (2007) traz o seguinte julgado comumente indicado como o leading case sobre assédio moral no Brasil, o qual classifica e enquadra como assédio moral as perseguições sofridas por um técnico do setor de publicidade e propaganda. Eis a ementa do acórdão:

 

ASSÉDIO MORAL. CONTRATO DE INAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima.

(TRT 17ª R., RO nº 1315.2000.00.17.00.1, Ac. nº 2.276/2001, Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio, DJ de 20.08.2002, publicado na Revista LTr 66-10/1237)

 

O dano moral pode ser individual ou coletivo, conforme a violação de direitos da personalidade, ou de direitos humanos fundamentais, em preservação da dignidade da pessoa humana, seja de ordem individual, seja de lesão de natureza metaindividual (difusos e coletivos em sentido estrito). Nesse sentido, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), no art. l.°, caput, expressamente prevê a possibilidade de responsabilização por danos morais e patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos, conforme art. 129, III, da CF, sendo que os danos morais coletivos podem ser pleiteados por meio de ações civis publicas e coletivas, ajuizadas pelos entes legitimados.

Nesse sentido, transcreve-se a seguinte ementa de julgado do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Comprovada a violação do art. 83, III, da Lei Complementar n.º 75/93, merece ser processado o Agravo de Instrumento, determinando-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nos termos do art. 83, item III, da LC no 75/93, compete ao Ministério Público do Trabalho promover a ação civil pública para “defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”. Cabe, assim, ao Autor da presente ação a defesa da ordem coletiva trabalhista, nos termos preconizados nos arts. 6º, 83 e 84 da Lei Complementar n.º 75/93; 127 e 129 da Constituição Federal; 81 e 82 da Lei n.º 8.078/90. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.

(PROCESSO Nº TST-RR-432-51.2011.5.01.0302. Rel. Ministra MARIA DE ASSIS CALSING. 4ª Turma)

 

Assédio moral no serviço público

Em julgamento do Recurso Especial nº 1.286.466 - RS (2011/0058560-5), de relatoria da Ministra Eliana Calmon, em 3.9.2013, a segunda turma do Superior Tribunal de Justiça definiu o assédio moral, para além de provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, como campanha de terror psicológico pela rejeição. Além disso, no referido acórdão, o Tribunal entendeu que a prática de assédio moral enquadra-se na conduta “prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém”. Pode-se dizer que a referida decisão da 2ª Turma é inédita no Superior Tribunal de Justiça, eis que reconheceu o assédio moral como ato de improbidade administrativa.

No caso dos autos, demonstrou-se que o prefeito de uma cidade gaúcha perseguiu uma servidora que denunciou problema de dívida do município ao Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ainda, o prefeito teria colocado a servidora “de castigo” em uma sala de reuniões por quatro dias, bem como ameaçado colocá-la em disponibilidade, além de ter concedido férias forçadas de 30 dias. O caso foi tratado como “caso clássico de assédio moral, agravado por motivo torpe”. O acórdão restou assim ementado:

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido. (grifado)

[RECURSO ESPECIAL Nº 1.286.466 - RS (2011/0058560-5). Rel. Ministra Eliana Calmon. 2ª Turma. Julgado em 3.9.2013]

 

Para além da jurisprudência, cabe destacar que o legislador está tendente a tipificar o assédio moral como crime. Nesse sentido, citam-se os seguintes projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados: PL 5503/2016; PL 2876/2015; PL 8187/2014; PL 5698/2016; PL 4742/2001; PL 4544/2016; e PL 3368/2015.  No Senado Federal, destaque-se o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 121/2009, de autoria do Senador Inácio Arruda.

É sobremodo importante assinalar que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em decisão terminativa sobre o PLS nº 121/2009, em 12.11.2014, aprovou-o nos termos da emenda substitutiva do Senador Pedro Taques. No ponto, restou alterado o inciso VIII do art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para caracterizar o assédio moral como ato de improbidade administrativa.

Desse modo, em boa hora, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal alterou o art. 11 da Lei nº 8.429/1992, inserindo, no seu inciso VIII, a previsão do assédio moral, ao proibir a conduta de “coagir moralmente subordinado, por meio de atos ou expressões reiteradas que tenham por objetivo atingir a sua dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica.”

A FIXAÇÃO DO VALOR DO DANO DECORRENTE DO ASSÉDIO MORAL

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (2007) leciona que o que gera o dever de indenizar é a prática do ato ilícito que provocou o dano moral, frequentemente acompanhado também de um dano material; daí porque, geralmente, há a concomitância das duas indenizações. Segundo a autora, o tema da indenização do dano moral foi positivado apenas com a CF, que assegurou o direito especificamente ao dano moral que decorresse de um ato ilícito especificado, previsto, especialmente nos incisos V e X do art. 5º da Carta Magna.  

O Código Civil de 2002, com base em tal previsão constitucional, atualizou o que dispunha o Código Civil de 1916 acerca do tema e inseriu, nos art. 186 e 927, previsões acerca do dano moral, enquadrando-o como ato lícito.

Ressalte-se que o parágrafo único do art. 8º da CLT autoriza a utilização do direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho.

Ainda conforme Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, o tema do assédio moral já foi examinado em decisões pela quase totalidade dos Tribunais Regionais do Trabalho, tendo sido julgados centenas de casos. Os mais frequentemente demandados à análise desse tipo de pedido foram os tribunais das Regiões Sul e Sudeste, sendo os fatos mais recorrentes: inação compulsória; humilhações verbais por parte de superiores com a utilização de palavras de baixo calão; coações psicológicas com a finalidade de pedido de demissão; atribuição de tarefas estranhas ou incompatíveis com o cargo ou com o tempo em que são exigidas; divulgação de comentários maliciosos visando a subestimar esforços, com prejuízos à saúde mental do trabalhador (2007).

Convém observar, por oportuno, que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ainda é muito tímida sobre o tema. Contudo, merecem destaque os seguintes julgados: RR - 1322-10.2011.5.09.0094, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 28/11/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/11/2012; RR - 361-67.2010.5.09.0009, Rel. Min. Emmanoel Pereira, data de Julgamento: 24/02/2016, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/03/2016; e  (TST-RR-253/2003-003-03-00.7, 4ª T., Rel. Min. Barros Levenhagen, DJ 22.04.2005).

Sobre a mensuração da indenização, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi assevera que a regularidade dos atos punitivos deve se prolongar no tempo e que os valores correspondentes são relativamente são altos. Vislumbra-se caso de aplicação de R$ 3.500,00 para uma relação de assédio moral que durou 25 (vinte e cinco) dias. Há outro cuja imputação foi de R$ 70.000,00, para contrato de 8 (oito) anos. Na maior parte dos casos, a condenação varia entre R$ 10.000,00 a R$ 30.000,00. Os valores são arbitrados sem que haja a construção de uma relação entre a remuneração do empregado e o montante da reparação, mas sim conforme critérios como o tempo de serviço do trabalhador, a gravidade da ofensa, a capacidade econômica do empregador e o montante do dano causado (2007).

No ponto, Amauri Mascaro Nascimento (2013) traz o entendimento de que a indenização por dano moral não é tarifada. O juiz tem plena liberdade para fixar o valor da reparação, devendo levar em conta as possibilidades do autor, a extensão do dano do ofendido e o princípio da proporcionalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo pretendeu verificar em que medida o assédio moral se apresenta nas relações de trabalho, tanto na iniciativa privada quanto no setor público.

Desde a Declaração Universal de 1948, a dignidade humana passou a ser tida como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco à condição humana, sendo entendida como norma fundamental dos ordenamentos jurídicos dos Estados que se intitulam democráticos. Embora o termo dignidade humana seja um conceito jurídico indeterminado, quando utilizada em norma, especialmente constitucional, traduz-se em princípio jurídico. Foi assim que foi acolhida na Constituição Federal de 1988 (CF), eis que aparece entre os seus princípios fundamentais.

Por outro lado, o trabalho humano é previsto constitucionalmente como um valor social, de modo que a dignidade do ser humano como trabalhador constitui um bem jurídico de essencial importância, restando fundamentada a previsão constitucional da proteção da dignidade do trabalhador e, assim, justificada a existência de normas trabalhistas.

Foi apresentada a teoria do assédio moral, demonstrando quais desses vetores que protegem o trabalhador acabam por serem violados, na hipótese. Pode-se entender o assédio moral como um ato ilícito civil, que ocorre no mundo do trabalho, gerando, consequentemente, o dever de reparação do dano causado, de natureza extrapatrimonial, quando identificada a responsabilidade do empregador. Pode constituir, ademais, um ilícito penal, desde que a legislação especial assim o tipifique.

Ainda, o assédio moral pode ser tido como uma conduta reiterada, de violência psicológica, que desestabiliza e prejudica o equilíbrio psíquico e emocional do empregado – atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada –, deteriorando o meio ambiente de trabalho e podendo resultar em graves enfermidades de ordem física e psíquica da vítima.

Verificou-se, que o assédio moral afronta os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, insculpidos no art. l°, III e IV; bem como o objetivo fundamental da promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, previsto no art. 3°, IV, todos dispositivos da CF.

Além disso, também foram identificados como de extrema relevância para a temática da prática de assédio moral, na iniciativa privada, os seguintes incisos do art. 5º da CF: a) III, o qual proíbe a tortura ou o tratamento desumano ou degradante; b) V, que prevê indenização por dano material, moral ou à imagem; e c) X, que determina serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Do mesmo modo, foram destacados alguns incisos do art. 7º da Carta Magna, dentre os quais: a) I, que protege o trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa; b) XXVIII, o qual estabelece o direito ao “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado se incorrer com dolo ou culpa”; c) XXX, que proíbe a distinção de salário, de exercícios de funções e de critérios de admissão do portador de deficiência; e d) XXXIV, o qual impõe a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso, sendo esses dois últimos corolários do princípio da não discriminação, discorrido no primeiro tópico deste trabalho.

Ainda, como visto no ponto acerca do princípio do pleno emprego, a Carta Magna, em seu art. 170, estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. O dispositivo, em seu inciso VIII, aponta a busca do pleno emprego como princípio a ser observado nesse aspecto.

Já o artigo 483 da CLT trata das hipóteses em que o empregado poderá rescindir o contrato de trabalho e pleitear uma indenização, podendo o caso específico estar enquadrado em uma de suas alíneas ou mais. No ponto, o assédio moral pode ser argumento para fundamentação da despedida indireta, de acordo com o art. 483, alínea “d” (que prevê o não cumprimento das obrigações do contrato pelo empregador) e alínea “e” (que dispõe sobre a prática de ato lesivo da honra e da boa fama, pelo empregador ou por seus prepostos, contra o empregado ou pessoas de sua família).

E, na hipótese de o empregado praticar o assédio moral contra colega de trabalho, tem-se a prática de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, nos termos do art. 482, alínea j, da CLT, o qual prevê o ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em legítima defesa, própria ou de outrem.

Foram verificadas algumas situações caracterizadoras de assédio moral: a) quando uma empresa devassa os sanitários, por meio inadequado, ainda que com o objetivo de coibir a demora do empregado na sua utilização, em horário de trabalho; b) violação do direito à intimidade, exigindo-se do candidato a emprego ou dos empregados que prestem informações relativas à sua vida privada ou à sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem ou forem estritamente necessárias e relevantes para a avaliação da aptidão daqueles sujeitos para o trabalho; c) a revista do trabalhador, desde que abusiva e de modo a afetar a intimidade e a integridade física e moral do trabalhador.

No âmbito do serviço público, demonstrou-se que, por meio de decisão inédita proferida pela segunda turma do Superior Tribunal de Justiça, o assédio moral, para além de provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote – como campanha de terror psicológico pela rejeição, restou caracterizado como ato de improbidade administrativa.

Foram relacionados diversos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional acerca da matéria, sendo dada ênfase ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 121/2009, que pretende alterar dispositivos da Lei nº 8.112/90, de modo que a prática de assédio moral passe a ser causa de demissão no serviço público.

Quanto à fixação do valor do dano decorrente do assédio moral, após a análise de decisões de diversos tribunais pátrios, concluiu-se que ocorre sem que haja a construção de uma relação entre a remuneração do empregado e o montante da reparação, mas sim conforme critérios como o tempo de serviço do trabalhador, a gravidade da ofensa, a capacidade econômica do empregador e o importe do dano causado. Afinal, entendeu-se que o juiz tem plena liberdade para fixar o valor da reparação, devendo levar em conta as possibilidades do autor, a extensão do dano do ofendido e o princípio da proporcionalidade.

 

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Sobre o autor
Ronaldo Assunção Sousa do Lago

Bacharel em DIREITO pela faculdade Processus - Brasília. É especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pós-graduando em Direito Administrativo (Universidade Cândido Mendes). É graduado em HISTÓRIA pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Foi Diretor Técnico do Departamento de Pesquisas Judiciárias no Conselho Nacional de Justiça; Chefe de Gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal; Assessor da Presidência do Supremo Tribunal Federal e Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados; Assessor-Chefe do gabinete do Diretor-Geral do Tribunal Superior Eleitoral; Assistente de ministros do TSE e STF. Ex-colaborador da Defensoria Pública do DF. Atualmente é servidor do TSE.

Informações sobre o texto

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