Objetivando amparar as vítimas dos infortúnios oriundos de acidentes de trabalho, ao término do século XX manifestaram-se vários elementos capazes de efetivar tais pressupostos à parte hipossuficiente da relação empregatícia, como, por exemplo, a facilitação da prova da culpa pelos tribunais, acolhendo a teoria do abuso de direito; admissão de um número maior de casos de responsabilidade contratual e; estabelecimento da presunção de culpa. Ocorre que os efeitos foram deficientes.
Ex tunc, passou-se à cogitação da responsabilidade sem necessidade da comprovação de sua efetiva culpa pela mera constatação de que teria de arcar com os prejuízos decorrentes de sua atividade em virtude dos riscos que propiciava aos direitos alheios, surgindo a denominada “doutrina do risco”, com suas variantes: risco proveito, risco criado, risco administrativo, risco integral, risco profissional, risco benefício e risco excepcional.
Este novo pressuposto de responsabilização fora positivado a partir do século XX com previsões na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e em leis esparsas, entretanto, a instituição da responsabilidade civil objetiva em virtude da atividade de risco desenvolvida pelo agende causador do dano entrou em vigor somente no século XXI, com o advento do Código Civil Brasileiro de 2002, estando disposto no artigo 927, parágrafo único, atualmente vigente.
O vocábulo responsabilidade, com origem no latim respondere, demonstra a obrigação de responder por atos próprios ou alheios, ou por coisa confiada. Desta feita, uma pessoa que seja considerada responsável por uma situação, por alguém ou por alguma coisa, terá que responder se algo acontecer em prejuízo da outra parte da relação ou da coisa confiada.
Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.17) afirma que responsabilidade “exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano”.
O conceito de responsabilidade é um tanto quanto restrito, consubstanciado na obrigação de reparação do dano causado. Trata-se de um estado de subordinação. Segundo a teoria clássica, a responsabilidade civil se assenta em três pressupostos: dano, culpa do autor e relação de causalidade entre o fato culposo e o dano (GONÇALVES, 2012, p.21).
MAZEAUD, citado por PEREIRA (2001, p. 8), afirma:
Os grandes mestres da responsabilidade civil, em suas obras sistemáticas, procuram sintetizar o conceito, deslocando a noção abstrata da responsabilidade civil para a configuração concreta de quem seja responsável, dizendo que “uma pessoa é civilmente responsável quando está sujeita a reparar um dano sofrido por outrem”.
Em se tratando da ciência jurídica, a teoria da responsabilidade civil procura determinar em que condições uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra e em que medida está obrigada a repará-lo. Tal dano pode ser à integridade física, à honra ou aos bens de uma pessoa.
Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. PEREIRA (2001, p.11), em sua obra Responsabilidade civil, aborda:
A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se independe desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil.
Nas relações de trabalho, há também a responsabilidade civil, aplicada com base na analogia ao Código Civilista Pátrio. Tal ônus decorre principalmente dos acidentes de trabalho.
ROMAR (2013, p.609) leciona:
Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, conforme Lei 8.213/91.
Com o intuito de evitar a ocorrência de infortúnios durante a jornada de trabalho, a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
Exatamente por este motivo, a ocorrência destes acidentes ou das situações a ele equiparáveis podem acarretar diversas consequências jurídicas para o empregador, entre as quais está a responsabilidade civil de indenizar os danos sofridos em decorrência do acidente (morais, materiais, estéticos).
Disposta no artigo 7°, XXVIII, da Carta Magna de 1988, a teoria da responsabilidade subjetiva do empregador pela reparação dos danos causados ao obreiro em decorrência de acidente de trabalho depende da comprovação do dolo ou da culpa. Funda-se na teoria da culpa em sentido estrito, segundo a qual, para que haja o dever de indenizar é necessária a existência: a) do dano; b) do nexo da causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa ou dolo do agente
A necessidade de mostrar nexo de causalidade ou culpa do empregador acaba gerando uma discussão entre a teoria da responsabilidade subjetiva ou objetiva em relação à obrigação do empregador de indenizar o empregado no acidente de trabalho.
Na responsabilidade subjetiva, como mencionado, deve ficar claro a culpa do empregador em relação ao acidente, ou seja, não havendo culpa, não há obrigação de reparar o dano, o que faz nascer a necessidade de provar-se o nexo entre o dano e a culpa do agente.
No caso da responsabilidade objetiva, por força do artigo 2° da CLT, o empregador assume os riscos da atividade econômica. Assim, tendo em vista que em decorrência da atividade econômica exercida foi gerada uma situação de risco para o empregado, deve o empregador responder por isso, independentemente de ter agido com culpa ou com dolo, vez que o empregado é parte hipossuficiente da relação de trabalho. Incide, portanto, o princípio de equidade, onde “aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes”.
A mais profunda controvérsia e a mais viva polêmica vige em torno da determinação do fundamento da responsabilidade civil. Se não padece dúvida à indagação e se o ofensor é responsável, travam-se o de razão os autores quando enfrentam esta outra questão: por que é responsável o causador do dano? Os escritores, de maneira geral, e os escritores brasileiros em particular, agrupam-se em campos inimigos ao desenvolverem a fundamentação do princípio, distribuindo-se nas duas teorias que se combatem: de um lado, a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e, de outro lado, a doutrina objetiva, que faz abstração da culpa (responsabilidade sem culpa) e se concentra mais precisamente na teoria do risco.
No âmbito da legislação trabalhista, é ônus do empregador o oferecimento de equipamentos de segurança (EPI’s – Equipamentos de Proteção Individual) ao obreiro, visando evitar possíveis acidentes no trabalho. Inobstante, cumpre ainda a este oferecer capacitação, orientações e verificar se os referidos equipamentos fornecidos estão sendo utilizados de forma a garantir seu desiderato principal. Este complexo de deveres essenciais ao empregador é tratado com naturalidade, seja pela doutrina ou pela jurisprudência pátria, conforme disposto:
[...] o empregador se obriga a fornecer ao seu empregado os equipamentos de segurança contra acidentes no desempenho das funções laborais para as quais são exigiras tais equipamentos, devendo o empregador tomar todas as cautelas e providências de segurança de forma a evitar acidentes. Desta forma, não sendo tomadas essas cautelas, concorre com culpa grave o empregador, na incidência de trabalho, que de acordo com a natureza das lesões experimentadas pelo empregado em decorrência do acidente, fica obrigado o empregador, além dos encargos trabalhistas, a indenizar ao empregado por danos morais a ele causados, os manos materiais também, seja em decorrência de deformação ou perda de órgãos, membros ou funções, ou ainda por dano estético decorrente de lesões que tenham como nexo de causalidade o acidente de trabalho... (SILVA, 1998, p. 127).
Por conseguinte, a jurisprudência pátria:
ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO DANO MORAL da mesma maneira de indenizar os danos materiais. “Incumbe ao empregador tomar todas as cautelas e providências de segurança para evitar acidentes de trabalho com seus empregados. Caracteriza culpa grave do empregador as precárias condições do local de trabalho e a falta de utilização de equipamentos de segurança pelo empregado em atividade perigosa.” (TAPR, Ap. Cív. N° 98.165-5, Curitiba, Rel. Juiz Lauro L. de Oliveira (Conv.), Julg. Em 07.02.1997, DJ em 14.03.1997, Fonte: Banco de Dados da Juruá. Citado por SILVA, 1998, p. 127).
Destarte, resta patente que não basta ao empregador fornecer os equipamentos de segurança aos funcionários. Deve também orientar e verificar se a utilização dos mesmos está adequada bem como efetiva a proteção do obreiro. Caso o empregador não observe os requisitos necessários para a eficácia dos equipamentos, será ele responsável por qualquer dano causado ao empregado. Trata-se, portanto, de uma obrigação indisponível do empregador.
Conforme leciona SILVA (1998, p. 127), a distinção da responsabilidade subjetiva para a objetiva está no entendimento de que na primeira, a vítima deve comprovar que o agente causador agiu com culpa exclusiva ou concorrente para o evento danoso. No entanto, na responsabilidade objetiva, basta provar o nexo de causalidade, ou seja, a conexão entre a causa e o efeito, sem a necessidade de comprovar o elemento subjetivo da culpa, que é o dolo ou a culpa no sentido rigoroso.
Neste diapasão, ao analisar a legislação em vigência torna-se claro a adoção do sistema da responsabilidade subjetiva, porém, já se encontram em artigos esparsos, fundamentos para a responsabilidade objetiva. Destarte, GAGLIANO (2008, p. 15) esclarece:
[...] inova o Código Civil de 2002, no parágrafo único do seu artigo 927, ao estabelecer que “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Por fim, cumpre mencionar que o empregador não está desamparado de defesa, ainda com a aplicação da responsabilidade objetiva nos casos de acidente de trabalho. Pode o mesmo alegar as conhecidas excludentes e atenuantes de responsabilidade civil, especialmente em relação ao instituto da culpa exclusiva.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 24ª ed. São Paulo: LTR, 1998.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
VARELLA, Luiz Salem. Danos Morais na Justiça do Trabalho: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: CD, 2000.