Dos excluídos da sucessão

10/12/2017 às 18:12
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O artigo aborda as causas da exclusão por indignidade do herdeiro ou legatário, seus efeitos, seu procedimento e possibilidade de reabilitação do indigno.

1. Conceito

A sucessão hereditária tem sua origem no direito romano, consolidando-se na afeição real ou presumida do falecido ao seu herdeiro ou legatário. Esta afeição deve refletir no beneficiário da herança um sentimento de gratidão ou, ao menos, de respeito à vontade do morto.

1.1 Fundamento da indignidade

Quando ocorre atos de menosprezo e desapreço, sejam eles atos reprováveis ou delituosos, realizados pelos herdeiros ou legatários em relação ao falecido, os caracterizam como indignos de receber os bens hereditários.

Não são todos os atos que geram a indignidade, apenas os estabelecidos pela lei. Tal tema está disposto no artigo 1.814, do Código Civil, podendo, assim, serem condensador em atentados contra a vida, contra a honra e a liberdade de testar do de cujus.

A esse respeito, conclui Gonçalves (2010) “A indignidade é, portanto, uma sanção civil que acarreta a perda do direito sucessório”, independentemente da sanção penal.

No entanto, mesmo que o beneficiário pratique certos atos lesivos ao hereditando, pode este perdoar ou reabilitar o transgressor, por meio testamentário ou outro autêntico, afastando a causa de exclusão unicamente por sua vontade.


2. Causas de exclusão por indignidade

Para que ocorra a exclusão da sucessão hereditária por causa da indignidade são necessários três requisitos: em primeiro lugar, que o herdeiro ou legatário sejam abrangidos pelos casos de indignidade previstos em lei; que o transgressor não tenha sido reabilitado pelo de cujus; e que seja proferida uma sentença declaratória de indignidade.

Os atos lesivos que caracterizam a indignidade estão previstos no artigo 1.814, Código Civil, em rol taxativo, não cabendo interpretação extensiva ou por analogia de situações não previstas expressamente no aludido artigo.

Ao analisarmos o inciso I do referido artigo, concluímos que se consideram indignos os “que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente”.

Como se nota, a primeira causa de indignidade se  refere à consumação ou à situação de o transgressor tentar ou lesar o bem mais importante do hereditando, sua vida, podendo ser ele o autor, coautor ou partícipe do crime tentado ou consumado. Consequentemente mesma hipótese configura a causa de exclusão da sucessão, quando o crime for dirigido ao cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do falecido.

Importante ressaltar que, mesmo não prevista expressamente, a instigação ao suicídio equipara-se ao homicídio, para a pena de perda do direito sucessório no tocante à indignidade.

O Código Civil Brasileiro não exige sentença condenatória penal para que o indigno seja excluído da sucessão, pois no Brasil existe a independência da responsabilidade civil no tocante à penal, princípio este exposto no art. 935 do diploma supramencionado. Em outras palavras, sentença penal condenatória com efeitos patrimoniais não faz coisa julgada na esfera cível, porém, sentença penal absolutória faz coisa julgada no cível. Enquanto os aspectos fáticos não forem delimitados, as ações cível e penal seguem seus cursos, independentes e autônomas. Entretanto, quando ocorrer a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, não caberá ao juízo cível reexaminar este aspecto novamente, fazendo coisa julgada neste juízo.

As provas do fato e da culpabilidade que determinam a indignidade devem ser produzidas no decorrer do processo civil, mas a absolvição na esfera penal em decorrência do reconhecimento da inexistência do fato ou da autoria afasta a pena de indignidade, assim como a constatação da legítima defesa, do estado de necessidade e do exercício regular de um direito.

Para configurar causa de exclusão por indignidade o homicídio, tentado ou consumado, deve ser realizado de forma dolosa, como previsto expressamente no art. 1.814, I, do CC. Quando se tratar de homicídio culposo, seja tentado ou consumado, decorrente de negligência, imprudência ou imperícia, não caberá tal exclusão.

Outra causa de exclusão é decorrente da acusação caluniosa realizada em juízo contra o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente, prevista no inciso II, do art. 1.814, do Código Civil. Quando se diz que a acusação deve ser feita perante juízo, este deve ser o criminal, segundo a jurisprudência, para configurar causa de exclusão.

Já na segunda parte do inciso citado acima, gera a exclusão a prática de crimes contra a honra do hereditando, de seu cônjuge ou companheiro. Correspondendo aos crimes de calúnia (art. 138 do CP), difamação (art. 139,CP) e injúria (art. 140, CP).

O inciso III do supramencionado artigo diz respeito à vontade do autor da herança e os atos do herdeiro ou legatário que de alguma forma inibirem ou obstarem tal vontade de se manifestar, configurando a exclusão por indignidade do autor de tal ato. Devemos entender inibir como não deixar a vontade de testar nascer, impedindo-a de surgir, a exemplo, o herdeiro constrange o de cujus a testar. Em relação a obstar, compreende-se em não deixar a vontade de testar, já existente, de se manifestar, por exemplo, o herdeiro impede o testador de revogar testamento anterior. Em ambos os casos os atos atentam contra a liberdade do autor da herança de testar.

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3. Falta de legitimação para suceder, indignidade e deserdação

A falta de legitimação para suceder compreende a não aptidão para receber os bens da herança quando aberta a sucessão, relacionada a motivos de ordem geral, que impedem o direito à sucessão de surgir, como por exemplo a incapacidade.

No tocante a indignidade, Gonçalves (2010) "o indigno adquire a herança e a conserva até que passe em julgado a sentença que o exclui da sucessão", ou seja, a indignidade é um defeito que o herdeiro possui, fundado na vontade presumida do testador, fazendo o beneficiário perder o que já havia adquirido, configurando um obstáculo para a conservação deste direito. Pode o indigno transmitir o direito contemplado. Em se tratando de exclusão por indignidade, ela pode ser postulada por terceiros interessados em ação própria, sendo obtida por sentença judicial.

Em relação a deserdação, esta atinge o herdeiro apenas quando expressamente instituída pela vontade do autor da herança, devendo a lei apenas assentir e regular o exercício deste poder. A deserdação ocorrerá por testamento, com declaração direta de sua motivação.


4. Procedimento para obtenção da exclusão 

É necessário promover Ação Declaratória de Indignidade para que o indigno seja excluído da sucessão. Podendo mover esta ação apenas os interessados, que se beneficiariam caso a sentença fosse favorável à exclusão.

Sendo parte legítima os interessados, por exemplo, o filho do falecido que move a ação em face do irmão que assassinou o pai, com o intuito de aumentar o seu quinhão. A parte passiva é o autor do ato de indignidade.

Caso ocorra a morte do réu na ação que busca o reconhecimento da exclusão por indignidade, ela deve ser extinta, uma vez que a pena não passa da pessoa do condenado, não passando para os herdeiros do réu.

Esta ação deve ser processada pelo rito ordinário, visto que ela possui ampla possibilidade de produção de provas para o autor provar a indignidade e para o acusado exercer seu direito de defesa amplamente.

A ação para exclusão por indignidade só pode ser promovida após a morte do hereditando. Ocorrendo isto, o prazo para entrar com a ação é de quatro anos, sendo este decadencial.


5. Reabilitação ou perdão do indigno

O autor da herança, tendo conhecimento que seu sucessor ou legatário cometeu um ato que caracteriza a indignidade, pode reabilitá-lo, desde que seja feito de forma expressa. Esse perdão pode ser concedido por meio de um ato autêntico ou por intermédio de um testamento.      

De acordo com o art. 1.818, parágrafo único, do Código Civil, se o testador contemplar o indigno em seu testamento, quando já tinha conhecimento da causa de indignidade, este poderá sucedê-lo no limite da disposição testamentária, ocorrendo, assim, uma reabilitação não expressa.

Não podendo, de forma alguma, ser concedido o perdão de maneira tácita, é um ato caracterizado por sua irretratabilidade, ou seja, uma vez reabilitado o indigno, assim permanecerá.


6. Efeitos da exclusão

Ocorrendo o reconhecimento judicial da indignidade ocorrerão os seguintes efeitos: O indigno será excluído da sucessão, sendo os efeitos desta pessoais, cabendo aos seus descendentes o recebimento por extirpe em seu lugar, pois dá-se como se morto fosse ele no momento da sucessão.

Quando proferida a sentença, seus efeitos retroagem à data da abertura da sucessão, em outras palavras, a decisão judicial possui aplicação ex tunc.

Em relação ao usufruto e à administração dos bens herdados pelos sucessores do indigno, a lei o proíbe de gozar desses, uma vez que ele indiretamente estaria se beneficiando de algo que lhe foi afastado pelas causas de indignidade, confirmada pela sentença que a declarou, não podendo, assim, por ordem de vocação hereditária receber tais bens quando seus descendentes morrerem em momento anterior a ele.


7. Validade dos atos praticados pelo herdeiro aparente

São válidos os atos praticados pelo herdeiro aparente, desde que realizados com terceiro de boa-fé, a título oneroso, desde que este desconheça a sua indignidade, possuindo a sentença que declarou a exclusão efeitos ex nunc.

Podem os coerdeiros entrarem com ação contra o herdeiro aparente, depois que for reconhecida sua indignidade, pleiteando o recebimento de perdas e danos em relação aos bens alienados por ele.


8. Referência bibliográfica

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Sobre a autora
Ana Lívia Piazentine

estudante de Direito. 8º Semestre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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