TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A ordem jurídica constitucional baseia-se, sobretudo, em princípios, de forma a garantir a supremacia da Carta Magna em face das demais manifestações de direito. Neste diapasão, infere-se, ainda, que a mesma busca promover e garantir a estabilidade nas relações sociais, bem como na própria vida em sociedade.
Urge salientar que o conteúdo do próprio sistema constitucional não reflete apenas normas de conduta e sanção. Seu conteúdo traduz, ainda, normas programáticas que dispõem fundamentos e princípios de forma a evidenciar seu caráter axiológico.
A pessoa humana como fundamento da ordem constitucional é uma das premissas fundamentais contidas na Lei Maior, uma vez que a proteção à sua dignidade foi elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, colocando a pessoa como o centro do sistema jurídico, efetivando uma espécie de ordem personalista.
O novo cenário proposto pela Constituição de 1988 fora incorporado pelo direito civil, de maneira a refletir a primazia e relevância da pessoa humana. A condição de princípio fundamental proposto pela CF reconhece o valor do homem e a estima pela proteção de elementos capazes de assegurar uma vida digna e saudável.
Embora art. 5°, caput da Carga Magna de 1988 assegure a inviolabilidade do direito à vida e a liberdade, não fora abordado especificadamente o momento em que iniciaria a proteção, cabendo, portanto, à legislação ordinária dispor sobre tal, não podendo deixar de esclarecer que o aborto também é considerado crime doloso contra a vida.
Os dispostos nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal Brasileiro tipificam o crime supra, seja ele praticado pela própria gestante ou por terceiro com ou sem consentimento.
Uma vez considerado crime doloso contra a vida, o aborto tutela o direito à vida do nascituro, ou seja, daquele que está por nascer, portanto, já concebido.
Salienta-se que há uma enorme divergência doutrinária na construção do conceito “que está por nascer”. Analisando a doutrina majoritária verifica-se que o nascituro “surge com o fenômeno da nidação, que é a fixação ou implantação do zigoto nas paredes do útero”.
Partindo dessa premissa, conclui-se então que a proteção à vida fora estendida ao nascituro, uma vez que o bem jurídico “vida” encontra-se devidamente tutelado pelo ordenamento jurídico, sendo este, portanto, eventual sujeito de direitos.
Em se tratando de natureza jurídica, o ordenamento civil pátrio considera pessoa natural o ser humano considerado titular de direitos e obrigações, bem como dispõe, em seu art. 2°, que “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
A teoria concepcionista influenciada pelo direito francês leciona que o nascituro possui personalidade jurídica, ou seja, desde a concepção, o feto pode figurar como sujeito de direitos e obrigações, assemelhando-se à pessoa natural. Ao proteger legalmente os direitos deste, o ordenamento já o considera como pessoa, sendo, portanto, sujeito de direitos e, consequentemente, possuindo personalidade jurídica.
A teoria da personalidade condicional se sujeita ao nascimento com vida. Inexistindo o elemento condicionante, não haverá aquisição de personalidade. Destarte, o feto tem personalidade condicional, pois tem assegurado a proteção e gozo dos direitos da personalidade, mas somente poderá gozar dos demais direitos de cunho patrimonial quando nascer com vida.
Ademais, o Código Civil de 2002 adota a teoria natalista, qual pressupõe que só existe personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, possuindo o nascituro, apenas expectativas de direito que serão efetivamente contraídos caso nasça com vida.
Embora haja toda essa contradição, há que se prezar que não há discussão quanto ao direito à vida. Dessa forma, independente da atribuição da personalidade jurídica, fica evidente o reconhecimento da necessidade de tutela ao nascituro.
Não obstante ao já citado, diversas outras prerrogativas são garantidas pelo ordenamento ao nascituro, como a garantia ao reconhecimento de parentesco, reconhecimento de paternidade ou maternidade e os direitos que lhe são inerentes, bem como o direito de adoção do nascituro, que pode se inferir da leitura do art. 1.621 do ordenamento civil pátrio. Pode também o nascituro receber doações, ser contemplado em testamento e receber alimentos (ainda que haja novamente uma divergência doutrinária).
No que concerne ao dano e sua consequente reparação, a teoria natalista impossibilita que o nascituro receba indenização a este título, uma vez que não é considerado sujeito de direitos, possuindo apenas expectativas.
Para a teoria da personalidade condicional, “a possibilidade de reparação estaria condicionada à existência da personalidade”, ou seja, só seria possível a reparação do dano caso o feto venha a nascer com vida.
Já a teoria concepcionista considera plena a possibilidade de reparação por danos morais, visto que atribui personalidade civil ao nascituro desde sua concepção.
Salienta-se que a reparação vale como um instrumento para coibir práticas que atentem contra direitos já constitucionalizados.
Conclui-se, portanto, que embora haja toda essa divergência no que concerne às prerrogativas do nascituro, é indiscutível a tutela à sua vida, prezando-se a ordem constitucional fundada no princípio da dignidade da pessoa humana, tornando-se efetiva a máxima do direito constitucional.