Homicídio cometido na direção de veículo e o aumento da pena trazido pela Lei nº. 13.546/2017

21/12/2017 às 17:07
Leia nesta página:

Breve análise acerca da eficácia do aumento de pena no crime tipificado no artigo 302 do CTB.

Foi publicada nesta quarta-feira (20) a lei que aumenta pena contra motorista que dirigir alcoolizado ou sob o efeito de qualquer outra substância psicoativa. A pena passa a ser de reclusão de cinco a oito anos, além da suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo. A nova lei entra em vigor em 120 dias.

Em pouco tempo de publicação já são muitas as notícias e comentários sobre a alteração e, em sua maioria, incorrem em erro, um erro cometido pelo próprio Congresso e Planalto, que deixaram de observar institutos básicos do direito penal brasileiro. Por esta razão trago algumas palavras sobre o tema que, além de trazer considerável polêmica, deixa de cumprir com a finalidade pretendida pela lei, qual seja, a efetiva punição do condutor embriagado que comete homicídio no trânsito.

Para compreender a mudança, vale ilustrar:

Texto em vigor

Texto alterado pela lei nº. 13.546/2017

“Art. 302.  Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

“Art. 302.  Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

................................................................

§ 3º  Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: 

Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

Conforme se observa, a regra ainda em vigor não apresenta hipótese de aumento de pena nos casos em que o motorista cometer homicídio em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência[1], prevendo unicamente o aumento de 1/3 (um terço) à metade aos casos dispostos no §1º do mesmo artigo:

1o  No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:          (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;          (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;         (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;         (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.         (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014)    (Vigência)

V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.        (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006)        (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)

É de conhecimento geral que, ao longo dos últimos anos, o judiciário enfrenta significativa divergência quanto à sanção penal imposta ao condutor embriagado ou sob a influência de substancia psicoativa que comete homicídio no trânsito.

A justiça púbica, por intermédio do Ministério Público, comumente entende que ao motorista voluntariamente embriagado que comete homicídio sob estas circunstâncias deva se impor a legislação penal, ou seja, deverá ser processado e julgado de acordo com as regras dispostas no Código Penal e de Processo Penal, por incorrer na modalidade de dolo eventual, onde não há direta intenção de matar, mas o agente assume o risco pelo resultado causado. Sob esta ótica, o condutor acaba sendo denunciado e processado pela prática descrita do artigo 121 do Código Penal{C}[2]{C}, que, por tratar-se de crime doloso contra a vida, é de competência do Tribunal do Júri, a teor do disposto no Artigo 5º, XXXVIII, “d” da Constituição Federal[3].

Outro entendimento seria denunciar e processar o motorista pelas regras dispostas no Código de Trânsito Brasileiro, tipificando sua conduta no artigo 302, cuja pena imposta seria de detenção, de dois a quatro anos, que, de acordo com o artigo 44 do Código Penal, seria substituída por pena restritiva de direitos.

Aparentemente, a intenção do legislador ao propor a alteração em análise foi diminuir a insegurança jurídica e trazer maior homogeneidade no julgamento daqueles que incorrem na prática repudiada. Certamente não é crível, nem pacificador que motoristas ante a mesma conduta respondam por crimes de proporções tão diversas.

Todavia, em que pesa o intento nobre, a técnica jurídica novamente passou longe do Congresso.

A questão que vem sendo veiculada traz a ideia de que a partir da vigência da nova lei, o motorista que cometer o ilícito previsto no artigo 302 (homicídio culposo na condução de veículo automotor) e estando ele nas condições descritas parágrafo ora introduzido, além de ter um aumento da pena, tal punição seria cumprida inicialmente em regime fechado, de modo a por fim da falada impunidade.

Ocorre que o legislador esqueceu ou desconhece o texto do artigo 44 do Código Penal, o qual assim estabelece:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

        I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

        II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

        III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

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Ou seja, as penas restritivas de direitos substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa – parece o legislador ter encerrado a leitura neste trecho – ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.

Relendo o artigo 302 já com sua nova redação, percebe-se que, de fato, o legislador reinaugurou o homicídio culposo qualificado, entretanto, abusando da tautologia, o tipo penal segue em sua forma culposa, e assim sendo, segue aplicável a substituição da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos.

Algumas foram as alterações trazidas pela Lei nº. 13.546/2017, aqui dediquei algumas linhas apenas a um dos tópicos, mas vale dizer que o aumento da pena aqui debatido não se aplica ao crime de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa, previsto no artigo 306 do CTB, o qual segue inalterado.


Notas

[1] Inciso V, revogado pela Lei nº. 11.705/2008

[2] Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

[3] Artigo 5º, CF, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

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Sobre a autora
Andréia Scheffer

Advogada Pós Graduação em Direito Civil e Processual Civil; Presidente da Comissão Especial de Direito do Trânsito da OAB/RS; Tesoureira da Comissão Especial do Jovem Advogado da OAB/RS; Moderadora do Grupo de Estudos em Direito do Trânsito e professora na Escola Superior da Advocacia da OAB/RS; Professora de Direito de Trânsito e Direito Processual na escola Prioritá Prática Forense; Articulista do Jornal Estado de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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