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Petição inicial

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01/01/2019 às 14:20
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ESPÉCIES DE MOTIVAÇÃO – CASOS PRÁTICOS

O grande problema é o de que tanto a doutrina quanto a jurisprudência referem-se a diversos tipos de motivação de decisões que pode vir a ocorrer no direito brasileiro. Inicialmente tem-se a motivação expressa e completa, que não traz maiores problemas hermenêuticos eis que se adequa perfeitamente ao perfil constitucional que se pretendeu conferir ao problema.

Nesta espécie o Magistrado se manifesta de forma clara sobre todos as questões processuais a serem examinadas, o que não trará qualquer mácula ao trabalho do Juiz. Contudo, com relação aos outros tipos de motivação, problemas poderão vir a ocorrer na forma que se passará a expor.

Isso porque, parte da doutrina entende possam ocorrer algumas situações que impliquem em derivações ou desvios do dever de motivar as decisões judiciais.[11] Nestes casos poderiam ser analisadas:

I ) Motivação implícita: Neste caso, a motivação existe, mas não se exprime por símbolos gráficos na sentença. Ocorre, por exemplo:

a) quando o Juiz deixa de se referir a algum ponto do processo, por considera-lo supérfluo diante dos outros pontos já considerados.

Com relação a esse tópico, poder-se-ia analisar a situação em que um Magistrado julgue extinto um processo, com julgamento do mérito, reconhecendo a prescrição ou a decadência (artigo 487 do Código de Processo Civil), entendendo desnecessária a análise das demais teses debatidas pelas partes na petição inicial e na contestação.

Neste caso, obviamente, entende-se não ocorrer qualquer nulidade, posto que o reconhecimento da prescrição tornaria bizantina qualquer outra consideração a respeito do mérito da causa (e não se pode esquecer que se deva privilegiar os princípios da celeridade e economia processuais).

b) quando diante de teses contrapostas, a aceitação motivada de uma delas, deixa implícitas as razões de rejeição de outra.

Essa hipótese é mera derivação quantitativa da anterior, pois se refere a apenas duas teses, uma contraposta à outra, como ocorreria, v.g. no caso de se ponderar que determinada alteração de alíquota seria inconstitucional, numa ação declaratória de inexistência de débito, tese esta contraposta pelo Procurador Fazendário em contestação, de modo que o Magistrado, acolhendo uma, ou outra tese, deixasse de se referir à não acolhida.

Nesta hipótese de se entender que haveria prejuízo na falta de motivação, posto que não basta que o Magistrado acolha uma das teses apontando argumentos favoráveis, deverá, também, explicar porque não acolheu a outra tese, pois o sucumbente tem o direito de ser informado, de forma motivada, das razões da escolha (aqui a discussão não se daria por mera chinesice).

Essa é a questão que tem sido elegantemente tratada pela doutrina como a questão atinente aos obiter dicta (obiter dictum no singular) no que tange a argumentos necessários para afastamento da tese vencedora em sentença (sempre se lembrando que na sentença o juiz, do ponto de vista lógico não é um ente essencialmente imparcial, ele escolhe uma tese e fundamenta no sentido de porque ela seria correta – a efetiva imparcialidade se exerce no controle das razões dessa motivação).

c) quando a solução de uma questão resulte em precluir o exame das questões sucessivas.

Obviamente que, em relação a esse tópico, dentre as várias espécies de preclusão (temporal, lógica ou consumativa), se pretende referir a uma preclusão lógica, ou seja, a uma incompatibilidade lógica. Nesta hipótese não ocorrerá prejuízo ao sucumbente, não havendo que se falar em reconhecimento de nulidade do ato judicial, posto que o que se privilegia também são os princípios da celeridade e economia processuais – questões que ganharam foros de constitucionalização com a garantia do tempo razoável de duração do processo.

Isso porque se o Magistrado entender que o réu não conseguiu provar que mantém crédito em relação ao autor de uma ação de cobrança, estará, pelo óbvio, desincumbido de se manifestar a respeito da tese de que ocorreria compensação, por razões óbvias. Mas, fala-se, ainda em:

II ) Motivação concisa. Para decisões que não tenham eficácia de sentença (v.g., decisões interlocutórias e despachos de mero expediente). Consiste na referência reduzida ao princípio ou ao artigo de lei aplicável, sem maiores considerações. Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a simples referência a uma Súmula, seria dado suficiente para motivação de uma decisão, evitando o reconhecimento de qualquer nulidade. Sobre o tema, de se destacar:

Agravo Regimental – Improcedência da alegação de negativa de acesso ao Poder Judiciário. – Acórdão que se baseia, par decidir, em indicação de Súmula aplicável está motivado, pois basta o interessado examinar os arestos em que esta se estriba para saber quais os fundamentos do enunciado da Súmula. AI 177977-2 ( AgRg. ) – Rel. Min. Moreira Alves[12].

Tal entendimento, pelo óbvio, privilegia o próprio papel da súmula no ordenamento jurídico brasileiro, em nota que evidencia uma tendência de reforçar seu papel na cultura jurídica pátria, mormente após o advento da implementação de um sistema de precedentes que iniciou ainda no regime anterior (repercussão geral e recursos repetitivos), mas que foi reforçado pelo sistema atual com o IRDR e o IAC.

 Em sede recursal, por exemplo, várias adaptações legislativas foram feitas neste sentido, podendo-se destacar, ainda à guisa de exemplificação, o poder do relator do recurso de agravo poder negar, desde logo, seguimento ao agravo se o recurso confrontar com o teor de súmula ou jurisprudência dominante de Tribunal Superior..

De se aceitar, sem maiores reservas, tal espécie de motivação em relação às próprias sentenças que julgam extintos processos sem julgamento do mérito, dispensando-se, inclusive, o relatório – como se dá no caso de sentenças homologatórias e sentenças no sistema dos Juizados Especiais Cíveis.

Assim, basta que o Juiz julgue extinto o processo, sem julgamento do mérito, nos termos da norma contida no artigo 485 do Código de Processo Civil, sem maiores delongas, considerações ou relatórios, caso o autor pleiteie a desistência da ação, com a expressa anuência do requerido, ou em situações de confusão (hoje não mais vistas como extinções sem resolução do mérito). Do mesmo modo ocorrerá, e.g., em relação à à litispendência ou ao reconhecimento da coisa julgada ( nestes casos, bastará que o Magistrado esclareça em relação a quais feitos reconhece os aludidos fenômenos, indicando o fundamento da extinção).

Aliás, já se tem observado a tendência à supressão do relatório das decisões judiciais, antes uma suposta garantia de que o Magistrado leria o processo como um todo (argumento pífio, diante da necessidade do Juiz fundamentar toda a sua decisão), desde o advento da Lei 9.099/95, que criou o Juizado Especial Cível, com competência para as causas cíveis até 40 (quarenta) salários-mínimos (no âmbito dos Juizados Federais esse limite sobe para sessenta salários-mínimos, como sabido). Tal diploma legal, privilegiando, de forma expressa, os princípios da celeridade, economia e informalidade processuais (artigo 2º), aboliu o relatório como parte integrante da sentença de mérito (artigo 38).

E nem se argumente de qualquer burla da norma constitucional diante da concisão da motivação, ou da ausência de relatório, posto que o jurisdicionado continuará a ser informado a respeito das razões do Magistrado, podendo, se assim entender, recorrer da decisão. Assim, o mesmo Tribunal em comento (o E. Supremo Tribunal Federal), já decidiu que:

Fundamentação Suficiente. Para atender à exigência de fundamentação contida no artigo 93, IX da CF, não tem o órgão jurisdicional de dar respostas a todas as alegações suscitadas pela parte, que se consideram implicitamente rejeitadas pela motivação por ele acolhida. HC 70.179-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 25.02.1.997.[13]

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Mas, de todo modo, insta salientar que a concisão não equivale à obscuridade ou à omissão (ausência de fundamentos). Como assevera Maria Thereza Gonçalves Pero, pode ser concisa, mas desde que suficiente.[14]

III ) Motivação per relationem ( aliúnde ou referencial ). O julgador ou se refere à outra decisão ( por exemplo, a decisão do Tribunal em relação à sentença de 1º grau ou o Juiz refere-se ao seu posicionamento em outro processo ) ou à manifestação de alguma das partes ou do Ministério Público. Geralmente não tem sido aceita, acarretando nulidade por omissão de fundamentação (embora existam exceções, como, por exemplo, se um Ministro do STF se referir, de forma expressa a julgamento anterior, publicado no DJU, com referência ao número do julgado e data da publicação, permitindo-se a conferência por quem quer que seja).

O próprio Pretório Excelso já se manifestou sobre a questão, como se pode observar, por exemplo, pelo teor do seguinte Julgado:

Não é nulo acórdão que adota como razão de decidir, por remissão, os fundamentos de parecer oferecido em segunda instância pelo Ministério Público, na qualidade de custus legis.” HC 73.545-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 11.06.1.996[15].

E, mesmo em relação à sentença de primeira instância, também já se manifestou o mesmo Tribunal, no mesmo sentido:

Recurso Extraordinário. Acórdão recorrido que adota os fundamentos da sentença de primeiro grau. Alegada violação aos artigos 93, IX da CF/88 e 23, § 6º da EC nº 01/69. Prequestionamento. Não se pode dizer não fundamentado o acórdão que adota os fundamentos da sentença de primeira instância, incorporados como razão de decidir e, por isso, a confirma. Ademais, a regra do artigo 93, IX da Constituição não permite que se declare anulável a decisão de segunda instância que confirma a da primeira, pelos seus fundamentos[16].

Mesmo em doutrina, já se verifica uma tendência de flexibilização das rigorismo científico do processo civil, em nome da sua instrumentalidade. O próprio Nelson Nery Jr., com propriedade, ressalta que deve haver uma motivação substancial, e não meramente formal das decisões judiciais, mas assevera situações em que as motivações aliúndes poderiam vir a ser aceitas. Neste sentido, manifesta-se o processualista:

Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam que “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido.” Esta decisão é nula porque lhe falta fundamentação. De todo modo é fundamentada a decisão que se reporta a parecer jurídico constante dos autos, ou às alegações das partes, desde que nessas manifestações haja exteriorização de valores sobre as provas e questões submetidas ao julgamento do Juiz. Assim, se o Juiz na sentença diz acolher o pedido “adotando as razões do parecer do Ministério Público”, está fundamentada referida decisão, se no parecer do parquet houver fundamentação dialética sobre a matéria objeto da decisão do Magistrado[17].

Tais entendimentos, obviamente, como já asseverado acima, na verdade, apenas e tão somente vêm a confirmar a tendência de desapego ao formalismo, fazendo com que as questões de mérito, ou seja as relações jurídicas de direito material que estão sendo discutidas em processos, não se percam em virtude de discussões de matérias processuais de altíssima indagação, de notável e relevante valor científico, mas de deletérios efeitos à solução e pacificação de conflitos de interesses, fatores que devem ser sopesados pelos operadores do ordenamento jurídico.

Sobre a questão da falta de validade de uma sentença incompreensível quanto ao alcance de seus termos (questão atualíssima a luz do advento da norma contida no artigo 489, parágrafo 1º e seus incisos CPC) de se aduzir, o quanto consignado por Mário Luiz Elia Júnior (in http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI36053,11049Vicios+transrescisorios+da+sentenca):

A validade da sentença, por seu turno, depende do atendimento a requisitos como julgamento dentro dos limites do pedido e respeito à formula, à estrutura, prevista pelo legislador para a sentença, que deverá conter relatório, fundamentação e decisório. Sentença sem relatório, fundamento ou dispositivo, é sentença nula. As sentenças ultra citra e extra petita são nulas (mas a nulidade das sentenças citra e ultra petita devem ser vistas como relativas, eis que a parte julgada efetivamente pode ser aproveitada). Ainda sobre a sentença citra petita, o que passou em branco pode ser renovado, em outra ação, mesmo que não tenha havido a interposição de embargos declaratórios. Sentença não fundamentada é nula. São nulas, também, as sentenças proferidas em processo desenvolvido sem atendimento aos pressupostos de validade dos atos jurídicos processuais realizados no bojo da relação jurídica processual (ditos inapropriadamente ‘’pressupostos de validade do processo ou da relação jurídica’’). São sentenças existentes, porém nulas ipso iure, insanáveis mesmo com o trânsito em julgado: sentença prolatada em demanda na qual não houve ciência de seus termos pelo réu (art. 219 do CPC). A sentença nula, nessa situação, não precisa ser rescindida.

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Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio César Ballerini. Petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5662, 1 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63126. Acesso em: 26 abr. 2024.

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