Do dano existencial

11/01/2018 às 15:45
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Responsabilidade civil do empregador em razão das extensas jornadas de trabalho, que impedem o empregado de possuir um convívio social mínimo, gerando o direito à reparação.

De acordo com a legislação trabalhista, quando o empregado trabalha além da 8ª hora diária ou 44ª semanal, tem direito ao pagamento de horas extras.

No entanto, um empregado que faz jornada de 12, 14 horas diariamente, tem direito ao pagamento de uma indenização por danos morais.

Isso porque, com a extensa jornada exercida, o empregado fica privado do convívio familiar, social etc.

Ora, um trabalhador que passa 14 horas do seu dia (que tem 24) trabalhando, isso sem contar o tempo de deslocamento para o trabalho e o intervalo para refeição, certamente é privado do seu momento de lazer, de convívio social e familiar.

Ou seja, o empregador impõe um volume de trabalho tamanho, que impede o empregado de cumpri-lo dentro da jornada estabelecida pela legislação aplicada à matéria, obrigando-o a realizar horas extras, que resultam em extensas cargas de trabalho, causando verdadeiro impedimento ao trabalhador de realizar quaisquer outras atividades além daquela laborativa.

Assim, a figura do dano existencial visa fazer com que o empregador indenize os momentos de lazer, descanso, ou seja, todos os projetos de vida do empregado que foram suprimidos com a jornada excessiva de trabalho.

Portanto, o empregador, ao não permitir que o seu empregado tenha uma vida em sociedade, em família, em razão das extensas jornadas de trabalho, será obrigado a indenizar, a reparar o convívio social suprimido.

Referido instituto, apesar de recente, vem sendo cada vez mais aceito pelos Tribunais, que entendem que as jornadas de trabalho, quando excessivas, comprometem os projetos pessoais do empregado, privando-o do convívio familiar e social, causando-lhe lesão aos seus direitos fundamentais, nascendo a obrigação por parte da empresa de reparar este dano.

Cita-se o julgado, o acórdão oriundo da 1º turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4º região. Na decisão, que tem como relator o Desembargador José Felipe Ledur, uma rende de supermercados atuante no Estado do Rio Grande do Sul foi condenada a indenizar por dano existencial a reclamante, que laborou para a empresa por oito anos em jornadas de trabalho extremamente excessivas.

O relator expressa seu entendimento com base na analise dos direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988, bem como na previsão legal da duração do trabalho normal, a saber:

[...] O trabalho prestado em jornadas que excedem habitualmente o limite legal de duas horas extras diárias, tido como parâmetro tolerável, representa afronta aos direitos fundamentais e aviltamente da trabalhadora, o que autoriza a conclusão de dano in reipsa.

[...] do principio da dignidade da pessoa humana, núcleo dos direitos fundamentais em geral, decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do que constitui projeção o desenvolvimento profissional mencionado no artigo 5º XIII, da Constituição Federal, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais assegurados aos trabalhadores em particular.

[...] no que diz respeito ao direito a duração do trabalho normal não superior a 8 horas deriva a conclusão de que o trabalho em condições anormais (em jornada extraordinária) deve atender os parâmetros em que a legislação infraconstitucional estabelece à restrição a garantia jusfundamental.

[...] consoante destacado, é incontroverso que a reclamada não atendeu a esse limite. Ao contrario, em conduta que revela ilicitude, converteu em ordinário o que é admissível excepcionalmente, interferindo indevidamente na esfera existencial da sua empregada, fato que dispensa demonstração. (Recurso Ordinário nº 000113793201005040013, primeira turma do Tribunal Regional da quarta região, relatou: José Felipe Ledur. Julgado em 16/05/2012).

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.

O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho.

Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição.

Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Recurso provido. Acórdão do processo 0001137-93.2010.5.04.0013 (RO); Redator: JOSÉ FELIPE LEDUR; Participam: IRIS LIMA DE MORAES, JOSÉ CESÁRIO FIGUEIREDO TEIXEIRA; Data: 16/05/2012

Neste mesmo caminho, entendeu a Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:

RECURSOS DAS RECLAMADAS. DANO EXISTENCIAL. CONFIGURAÇÃO.

O dano existencial, espécie de dano imaterial, fica caracterizado quando o trabalhador é submetido habitualmente a jornadas exaustivas, de forma a comprometer seus planos pessoais e suas relações, como o convívio familiar, social, recreativo e cultural, o que viola seu direito à desconexão e sua dignidade.

No caso concreto, restou patente que o reclamante laborava diariamente cerca de 11h, sem que fosse respeitado, ainda, o gozo de 1h intervalar, ultrapassando, portanto, o limite legal máximo de sobrejornada de 10h (art. 59 da CLT). O volume laboral excessivo, por óbvio, inviabilizava a fruição dos descansos, comprometendo sua vida particular, impedindo-o de se dedicar também a atividades de sua vida privada e frustrando a organização, implementação e prosseguimento de seus projetos de vida, ínsitos ao desenvolvimento de qualquer ser humano, implicando em prejuízos, inclusive no que tange à sua saúde. Assim, considerando o disposto nos arts. 186/187 e 927, caput, do CCB, concluo que deve ser mantida a indenização fixada na sentença a título de danos imateriais. Recursos improvidos, no aspecto.

RECURSO DA SEGUNDA RECLAMADA. TERCEIRIZAÇÃO. TOMADOR DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONFIGURAÇÃO.

Ante o fenômeno da terceirização, como é o caso dos autos, com escopo de resguardar os direitos dos trabalhadores da empresa prestadora dos serviços, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua Súmula nº 331, trouxe a previsão da responsabilidade civil, do tomador de serviços, na escolha e fiscalização do trato das relações trabalhistas da prestadora em relação aos seus empregados.

A responsabilidade subsidiária abrange toda a condenação, inclusive em relação às parcelas fiscais e previdenciárias.

Recurso a que se nega provimento, neste aspecto(...)

(TRT-1 - RO: 00115008620145010077 RJ, Relator: ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 24/08/2015, Quinta Turma, Data de Publicação: 31/08/2015)

Em ambos os casos é possível notar que não basta a mera realização de jornada extraordinária para a configuração do dano existencial. A jornada do empregado deverá ser tamanha, que o impede de ter uma vida plena fora do ambiente de trabalho, de se relacionar com as pessoas além do ambiente de trabalho.

Assim, é a partir da supressão da vida social do empregado em razão da jornada que seu empregador exige que surge o direito de indenizar.

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Desta forma, uma vez que o artigo 818 da CLT expressamente prevê que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, cabe ao empregado fazer prova da extensa jornada de trabalho, que impossibilitava o seu convívio social, dando azo, portanto, à indenização por danos morais.

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Sobre o autor
Tatiana Maria Santos Abrão

Prezados. Sou advogada e também atuo como correspondente jurídica.Sou especializada em direito do trabalho e direito de família (divórcio e inventários), e também possuo forte atuação em direito civil, especialmente contratos e indenizações, e direito do consumidor. Possuo um escritório de advocacia e consultoria jurídica na Cidade de São Paulo., voltado ao direito empresarial, representando os interesses das empresas, além de atuar para pessoas físicas nos ramos do direito acima citados. Minha área geográfica de atuação é São Paulo, Grande São Paulo, Baixada Santista e região de Campinas, porém faço consultoria on line para todo o Brasil. Seguem meus contatos: E-mail: [email protected] Site: www.abraoadvocaciacj.adv.br Telefones: 11 3227-4796/97172-8344 (também WhatsApp)

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