5. A AGENDA 21. SEUS OBJETIVOS E A QUESTÃO DOS PADRÕES DE PRODUÇÃO E CONSUMO
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, a Organização das Nações Unidas – ONU realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). A CNUMAD conhecida, popularmente, como Rio 92, em homenagem à cidade que a acolheu.
Composta por 179 países participantes, estes acordaram e assinaram a Agenda 21 Global[70], um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”, a qual pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, de forma global, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI.[71]
Apesar deste documento não ter força de lei, ele contém relevante valor político e seu objetivo é dar solução aos problemas ambientais de forma global.
A Agenda 21 trata com exclusividade por meio do capítulo 4, o reconhecimento dos padrões insustentáveis de consumo e produção. Defende ainda, que, para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida superior para todos os povos, as nações deveriam reduzir e eliminar os padrões de produção e consumo insustentáveis e promover políticas demográficas apropriadas[72].
O referido documento traz como proposta[73], algumas atividades necessárias para alcançar tais objetivos, quais sejam: a) o estímulo a uma maior eficiência no uso da energia e dos recursos; (b) a redução ao mínimo da geração de resíduos; c) o auxílio a indivíduos e famílias na tomada de decisões ambientalmente saudáveis de compra; d) o exercício da liderança por meio das aquisições de produtos que atendam a estes padrões pelos Governos; e) o desenvolvimento de uma política de preços ambientalmente saudáveis; e f) o reforço dos valores que apoiem o consumo sustentável.
6. DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL E SUA CONSOLIDAÇÃO
6.1 Da responsabilidade civil ambiental
Diante de um dano causado ao meio ambiente, o sujeito passivo é a coletividade e o grande prejudicado é o próprio meio ambiente, abrangido não somente pelos recursos naturais, como também pelos recursos artificiais, além dos culturais, isso porque se trata de um direito difuso.
A responsabilidade civil, mais especificamente a ambiental, é uma arma de grande valia em desfavor da obsolescência programada, pois conforme já explicitado, este instituto programa a vida útil de um bem ou produto. Sendo assim, todos os responsáveis pelos impactos provocados, devem sofrer as penalidades decorrentes de suas condutas, pois a mera violação acarreta a responsabilidade ao agente causador em reparar o dano.
Insta consignar, que o consumidor também não se esquiva dessa responsabilidade, porquanto seu papel nessa prática é de grande importância.
Nesse sentido, cabe ao consumidor rever seus conceitos quanto ao consumismo de forma exagerada e em relação a coisas desnecessárias.
Cabe ainda frisar, que a prática da obsolescência deve ser coibida com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como nos princípios da precaução, do poluidor-pagador, todos amparados pela Carta Magna.
Dentro da área civil ambiental, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de existência de culpa do agente, conforme preconiza o artigo 14, §1º da Lei 6938/1981[74]:
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (grifo nosso)
Nesta esteira, o jurista Nelson Rosenvald explica:
Em direito civil a responsabilidade é ainda definida em seu sentido clássico, como “obrigação de reparar danos que infringimos por nossa culpa e, em certos casos determinados pela lei; em direito penal, pela obrigação de suportar o castigo”. É responsável todo aquele que está submetido a esta obrigação de reparar ou de sofrer a pena. A crítica surge pelo fato do conceito ter origem recente – sem inscrição marcada na tradição filosófica -, mas possuir um sentido tão estável desde o século XIX, sempre portando a estrita ideia de uma obrigação. O adjetivo responsável arrasta em seu séquito uma diversidade de complementos: alguém é responsável pelas consequências de seus atos, mas também é responsável pelos outros, na medida em que estes são postos sob seu encargo ou seus cuidados e, eventualmente, bem além dessa medida. Em última instância, somos responsáveis por tudo e por todos. Nesses empregos difusos, a referência à obrigação não desapareceu; tornou-se obrigação de cumprir certos deveres, de assumir certos encargos, de atender a certos compromissos. Em suma, é uma obrigação de fazer que extrapola a reparação.[75](Itálico no original)
6.1.1 Código Civil
O Código Civil, em seu artigo 927, parágrafo único, prevê a responsabilidade objetiva por dano ambiental, através da seguinte redação:
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. [76]
Cabe frisar que a responsabilidade pelo dano ambiental é imputada a todos, governo e sociedade, porquanto o agente assume os riscos do dano ao praticar determinado ato, bem como os ônus que dela decorre. Assim, ao responsável, deve ser imputada a reparação integral do dano ao meio ambiente. Nesse sentido, explica Bruno Albergaria:
Só o fato de exercer uma atividade que cause um dano já é condição para se acionar a justiça. O risco é integral e absoluto, segundo boa parte da doutrina, e sequer admite qualquer tipo de exclusão da responsabilidade civil. [77]
Assim decidiu o STJ:
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.
1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.
2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (REsp: 1374284, Rel. Luis Felipe Salomão, 05/09/2014).[78]
Verifica-se não bastar a reparação integral do dano causado, cabe o agente causador atender a aplicabilidade do princípio da precaução, conforme José Rubens Morato Leite:
A precaução exige uma atuação racional, para com os bens ambientais e com a mais cuidadosa apreensão dos recursos naturais, que vai além de simples medidas para afastar o perigo.[79]
6.2 Da consolidação da responsabilidade civil ambiental
Insta salientar que a lei nº 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 14, §1º, que instituiu a responsabilidade civil ambiental. Todavia, somente após a Constituição Federal de 1988, é que a responsabilidade civil ambiental se consolidou tanto na esfera doutrinária, quanto jurisprudencial, conforme preconiza o § 3º, do art. 225, da Carta Maior.
Cabe consignar, ainda, que a Lei 12.305/2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos, também criada com base no artigo 225 da Constituição Federal, prevê princípios e objetivos básicos que tentam assegurar a proteção ao meio ambiente. A lei mencionada reforça, em seus artigos 30 a 33:
[...] a responsabilidade compartilhada entre Poder Público, fornecedores de produtos e consumidores, sobre o ciclo de vida dos produtos, suas embalagens e a forma correta do descarte de pilhas, pneus, óleos, lâmpadas, produtos eletrônicos e demais componentes, a fim de evitar não só a Obsolescência Programada, mas também o manejo correto de todo o lixo e sua devida reciclagem.[80]
7. CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO
Cabe dizer que não podemos responsabilizar apenas o setor industrial pela escassez e destruição dos recursos naturais. A responsabilidade deve ser imputada a todos que, de certa forma, contribuem para a danificação da natureza.
É fundamental que o homem se conscientize e reveja seus conceitos quanto ao consumismo exacerbado sem necessidade, bem como sua ação em relação à devastação ao meio ambiente. Para isso, é imprescindível sua mudança de comportamento e sua contribuição para a defesa e preservação da natureza e do meio ambiente.
Com base no princípio da precaução e da responsabilidade, previstos na constituição, reforça a tese de que o homem deve rever suas atitudes em relação ao meio ambiente e, uma vez certificada a violação da preservação do ambiente ecológico, o agente que causou o dano, deve ser responsabilizado pela sua ação.
Também deve ser imputada a responsabilidade civil ambiental à empresa que, propositalmente, planejou ou venha planejar a redução de vida útil de seu produto.
Se o consumidor se conscientizar e deixar de adquirir os produtos de empresas que não atendem as normas ambientais, bem como a sustentabilidade, estas, obrigatoriamente terão se reformular, sob pena de não conseguirem se manter no mercado, por isso o papel do consumidor é extremamente importante no presente caso.
Cabe reforçar que as empresas devem mudar sua estratégia de mercado, bem como o consumidor deve adequar seu comportamento agindo com responsabilidade. Todos devem colaborar mutuamente para que se faça valer o direito constitucional de se manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida. Nesta senda:
[...] prolongando-se o ciclo de vida dos bens produzidos, reduz-se, consequentemente, a quantidade de matéria-prima e também a sobrecarga de lixo que é jogada nos ecossistemas. [...]
O modo mais viável, assim sendo, para que a exploração das matérias-primas e outras fontes de recursos naturais (renováveis ou não) seja sustentável, implica em garantir – sempre que possível – a sua máxima duração, ou seja, o seu uso mais prolongado, através da produção de bens de consumo resistentes, duráveis, passíveis de consertos quando danificados, de recargas quando esgotadas as suas capacidades energéticas, portanto, em condições de uma ideal economia conservativa.[81]
Para aqueles que acreditam que o desenvolvimento sustentável acarretará na redução da produção com consequente desemprego de forma considerável, cabe o incentivo do governo como solução para o problema.
Se houver incentivo governamental voltado para o ensino quanto à prestação de serviços, manutenção e conserto de produtos, a quantidade de emprego e a mão-de-obra aumentará, assim como a quantidade de bens descartados reduzirá em um número significativo, fazendo diminuir o impacto ambiental e a economia se manterá ativa.
Não basta apenas acabar com a prática da obsolescência programada, é preciso melhorar a qualidade do produto fabricado para que se prolongue sua durabilidade.
Cabe, ainda, trazer à baila, alguns pontos dos quais fazem parte do “programa bioeconômico mínimo”, cuja obra é de Nicholas Georgescu-Roegen[82]. Proposto pelo dissidente romeno em um ensaio de 1972, pronunciado em um conferência na Universidade de Yale e publicado em 1975, com o título Energy and Economic Myths, o qual tem por objetivo melhorar a relação entre o ser humano e o meio ambiente.[83]
A ilustrar:
5º Ponto: Desestímulo do consumismo desenfreado e sem sentido que toma conta da população mundial com a cura da “sede mórbida dos gadgets extravagantes” para que os fabricantes parem de fabricar esses tipos de bens industrializados. Os “gadgets extravagantes” na época em que Georgescu escreveu seriam bens fabricados com pouca utilidade a não ser vender e dar status social aos seus possuidores. Podemos dizer então que os gadgets têm função social de status (além da lógica finalidade do bem), quando se tratam de equipamentos ostensivos. Na medida a que se referem, em sua maioria, a equipamentos de ponta e por muitas vezes com preços elevados. A palavra gadgets seria uma gíria norte-americana que pode ser traduzida para o português como “geringonça” ou “engenhocas extravagantes”, e que agora com os produtos atuais de ponta de uso pessoal tomou o sentido de como são comumente chamados os dispositivos eletrônicos portáteis como celulares, I pads, I phones, smartphones, entre outras "geringonças" eletrônicas. Os oitos pontos aqui revistos foram escritos em 1972 e Georgescu já vislumbrava o consumismo atual com a produção de geringonças fabricadas para serem devoradas quase que irracionalmente com a sede mórbida dos atuais consumidores das novas tecnologias da informação. (Destaque e grifo nosso)
6º Ponto: Incentivo à durabilidade dos produtos industrializados tanto materialmente como de aceitação social por oposição à cultura da “moda”. Georgescu chega a falar que a moda é uma doença do espírito humano. Para ele não tem sentido se desfazer de algo que possa ser usado ainda por muitos anos somente por estar fora de “moda”. A moda pode-se definir como tendência do consumo em um determinado período, que também tem um forte significado de status e poder. Quanto mais diferenças sociais se tem um uma determinada sociedade mais importância se dá a moda, pois faz-se necessário marcar as diferenças, implicitamente está sendo dito que: pela minha vestimenta e meus bens materiais eu não sou de determinado grupo ou classe social. Vivemos a era do consumismo, do ter e demonstrar ter ser mais importante que ser. Valoriza-se mais um milionário, ainda que um mal caráter e criminoso do colarinho branco, do que uma pessoa do bem ou uma pessoa culta. Esse ponto sexto é completado pelo ponto sétimo.
7º Ponto: Adoção de políticas de incentivo a valorização de mercadorias que possam ser consertadas e reutilizadas, além de duráveis. O gasto de energia produzido para satisfazer o que os modismos e a pouca durabilidade dos produtos industrializados do mundo de hoje é certamente incalculável. Georgescu fala em desperdício de energia. Para fabricar um automóvel, um bem de consumo doméstico como uma geladeira, por exemplo, é certamente grande o consumo de energia. E se estes bens não são duráveis, cada vez mais se consome mais e mais energia. Certamente que atualmente há tecnologia para a fabricação de bens duráveis e econômicos (que gastem pouca energia), mas não são viáveis, pela lógica do mercado atual. Por exemplo, os automóveis da marca sueca Volvo além de serem um dos melhores do mundo, sempre foram fabricados para durarem muitos anos. Recentemente a Volvo quase teve que fechar suas portas por não poder competir com fábricas que produzem automóveis menos duráveis (para não fechar pediu ajuda, depois foi vendida para a americana Ford e recentemente para a China). Na Suécia as famílias tinham um Volvo por 20 ou 30 anos. Outro exemplo: as nossas geladeiras mais antigas, as das nossas mães e avós, duravam até 30 anos. E hoje em dia nossos carros não duram 7 anos assim como nossas geladeiras. A moda e o consumismo exagerado não nos deixaria não adquirir as novidades do mercado. Ninguém pensa nem faz a devida reflexão que em nome desse mercado estamos destruindo o planeta. Georgescu já falava no tema em 1972. Vivemos um consumismo irracional, somos seduzidos pelas ofertas de um mercado que não se importa com questões éticas, mas agora está em jogo a sobrevivência da espécie humana. Perguntamos com Bauman se é possível a ética em um mundo de consumidores?[84](Destaque no original e grifo nosso)
Por todo o exposto, é de se concluir que o governo deve desenvolver seu papel pelas pessoas e para as pessoas, instituindo políticas públicas para garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, estimular o reaproveitamento do lixo, consertos, reparações, tornando viável a reciclagem e diminuindo a quantidade de lixo.
Quanto ao consumidor, torna-se necessária a total mudança dos recentes padrões de consumo. Este deverá rever seus conceitos quanto ao consumismo de forma exagerada, evitando o consumo por impulso, de forma desnecessária.
Quanto ao setor industriário, as empresas devem produzir, porém com o foco voltado para a redução parcial ou total do lixo decorrente da produção. As empresas que adotam a prática da Obsolescência Programada devem ser fiscalizadas com rigor, por não informar claramente os consumidores, bem como conscientizá-los sobre os prejuízos que acarretam ao meio ambiente por meio de descartes de resíduos sólidos de forma irregular.
Ademais, vê-se que há pessoas trabalhando: pela salvação das florestas, por uma produção limpa, em prol do direito do trabalho, pelo comércio justo, por um consumo mais consciente, no bloqueio de aterro e de incineradores, frisando mais uma vez que se faz necessário recuperar o governo pelas pessoas e para que este trabalhe para as pessoas.
Outrossim, que nosso planeta deixe de operar em um sistema linear e passe a trabalhar em um sistema circular.
[85]
Sistema linear
[86]
Sistema circular