Um caso de abuso de autoridade

20/01/2018 às 09:04
Leia nesta página:

O artigo discute sobre caso concreto envolvendo possível existência de abuso de autoridade.

UM CASO DE ABUSO DE AUTORIDADE 

Rogério Tadeu Romano 

Admite-se o uso de algemas nos limites da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal. 

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade de prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Sabe-se que o ex-governador Sérgio Cabral, que estava preso no Rio de Janeiro, por decisão judicial, foi transferido para o Paraná. 

Até aí trata-se de decisão judicial sob o fulcro da execução penal necessária, diante do fundamento de que o apenado estaria recebendo privilégios no sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. 

Diversas foram as provas apresentadas para tal. 

O uso de algemas e a forma como foi tratado, numa verdadeira operação cinematográfica, revelam excessos que podem ser investigados sob a égide do crime de abuso de autoridade

A Polícia Federal exagerou, avançou sinais, ao algemar o ex-governador Sérgio Cabral, inclusive nos pés, na transferência dele para Curitiba. Voltou aos tempos, ainda no primeiro governo Lula, em que dava esses shows para a imprensa, ao visitar empresas acusadas de crimes de sonegação e outros. A desproporcionalidade do tratamento que foi infligido ao ex-governador é evidente. 

O tratamento medieval que a Polícia Federal dispensou ao ex-governador Sergio Cabral no último dia 19 de janeiro do corrente ano, com algemas nos punhos e correntes nos pés, só fragiliza a Operação Lava Jato. 

Correntes nos pés é humilhação porque remete ao passado escravocrata do Brasil, ao tempo em que capitães do mato desfilavam com negros arrastando correntes nas ruas do Rio, Salvador e Recife para que eles não ousassem mais fugir.

A Lei 4.898/65 determina que constitui abuso de autoridade qualquer atentado: à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, ao direito de reunião, ao livre exercício do direito de voto, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão. 

Sendo assim, por ser o abuso de poder elemento constitutivo de um crime autônomo, aplica‐se a norma do crime autônomo; o abuso de poder constitui circunstância legal específica (qualificadora) de outro crime, quando não se aplica a lei, mas a norma de outro crime, não incidindo a agravante genérica; o ato abusivo constitui um crime autônomo que não contém o abuso de poder nem como elementar nem como qualificadora e pode ser praticado por outro particular, quando é desprezada a norma subsidiária da Lei 4.898/65, aplicando‐se a norma autônoma com a agravante (é o caso do crime de lesão corporal, onde não se aplica o artigo 3, "i", da Lei 4.898/65). 
Tais garantias protegidas estão fulcradas em cláusulas pétreas, de forma que não modificáveis, a preservar a cidadania contra a tirania do poder. Censura‐se a prisão arbitrária e as medidas tomadas, com absoluto excesso pelas autoridades, em violação a garantias constitucionais.

Será caso de providências que, certamente, serão tomadas pelos advogados do ex-governador.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos