Previdência social:

alta programada

23/01/2018 às 22:00
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O INSS se utiliza de um método considerado ilegal pelo poder judiciário: “alta programada”, procedimento que afronta a Lei Federal e a dignidade da pessoa humana.

RESUMO:A seguridade Social no Brasil atua em três frentes: Saúde, Assistência Social e Previdência Social, esta última não mais importante e nem menos essencial que as duas primeiras, mas por ser de caráter contributivo e por oferecer garantias primárias à subsistência do segurado e de seus familiares acaba quase sempre necessitando da intervenção do Estado Juiz. Com o objetivo de equilibrar as contas Públicas e melhorar o atendimento ao usuário a Autarquia do INSS se utiliza de um método considerado ilegal pelo poder judiciário “Alta Programada”, procedimento que afronta a Lei Federal e a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chaves: Previdência Social, Auxílio Doença, Alta Programada, Legalidade.

ABSTRACT:Social Security in Brazil operates on three fronts: Health, Social Assistance and Social Security, the latter being no more important and less essential than the first two, but because it is of a contributory nature and because it offers primary guarantees for the subsistence of the insured of their relatives almost always necessitates the intervention of the State Judge. In order to balance the Public accounts and improve the service to the user, the INSS Autarchy uses a method considered illegal by the judiciary "Scheduled High", a procedure that faces Federal Law and the dignity of the human person.

Keywords: Social Security, DISEASE AID, scheduled high, legality.


INTRODUÇÃO

A Alta Programada ou Data Certa, como é chamada por alguns, surgiu como uma ferramenta utilizada pelo INSS em nosso sistema de previdência social, com intuito de viabilizar a máquina previdenciária e garantir atendimento a todos os usuários assegurando direitos e dignidade.

O grande número de segurados já filiados vem aumentado ano após ano; desta forma, com a falta de servidores e médicos peritos e mais benefícios sendo solicitados, fez surgir a Orientação Interna nº 130/2005, introduzida pelo decreto 5.844/2006, ou seja, é uma autorização ao perito médico do INSS para estabelecer uma data provável de recuperação laboral pelo segurado.

Neste contexto, a administração supõe que em determinada data cesse a incapacidade do segurado, extinguindo o pagamento do benefício.


1. DA SEGURIDADE SOCIAL

O sistema de Seguridade Social no Brasil está expresso no texto da Constituição de 1988, nos seus artigos 196 a 204. No sistema Brasileiro o objetivo da Seguridade Social é proteger e amparar o cidadão, o trabalhador e seus familiares. Para isso, atua em três frentes: Saúde, Assistência Social e Previdência Social.

Além da Constituição, a matéria está disciplinada em normas esparsas, como a Lei 8.080/90 que trata da Saúde. A Lei 8.742/93 ampara o necessitado da proteção do Estado, como o idoso e a criança. Já a Previdência Social está regulada na Lei 8.213/91, que ao contrário das anteriores citadas, é de caráter contributivo e filiação obrigatória, atende os filiados obrigatórios e facultativos.

A Previdência Social é uma garantia ao segurado, direito fundamental previsto no art. 6º da CF, e tem como intuito assegurar e proporcionar um benefício ao segurado ou seus familiares nos casos de doença, invalidez, morte e idade avançada, maternidade, desemprego involuntário, prisão.

Organizada em três frentes distintas e autônomas: Regime Geral, Regime Próprio e Regime Complementar.

Nos últimos anos no Brasil, devido ao aumento de segurados, a Previdência tem mostrado dificuldades para equilibrar as contas públicas.

A questão do equilíbrio das contas públicas é uma prática neoliberal mundial e, de forma recorrente, é utilizada como justificativa nas discussões sobre gastos previdenciários (SILVA, 2004; LEITE, NESS, KLOTZLE, 2010). No Brasil, entre os anos de 1998 e 2006, houve um aumento de 55% no número de contribuintes à Previdência Social pública, e um incremento na ordem de 198% na concessão do benefício previdenciário auxílio-doença (BRASIL, 2010)

O auxílio doença é um benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social, previsto no artigo 59, da Lei 8.213/91, e para fazer jus o segurado terá que ser afastado do trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, ter contribuído no mínimo com 12 contribuições mensais para a Previdência e ter a qualidade de segurado ativa. 

Em caso de acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho a carência é dispensada, assim como nos casos das moléstias definidas pelo Ministério da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social a cada 03 anos.

O benefício pago corresponderá a 91% do salário de benefício que é auferido com a média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, conforme prevê o art. 61 da lei 8.213/91.

No decorrer dos últimos anos a Previdência Social buscou implantar métodos e sistemas de controle, combate a fraudes e, acima de tudo, para garantir ao segurado realmente incapacitado a obtenção do benefício.

Até 2005 só cessava o pagamento do benefício após realizada perícia médica, o segurado passava por nova perícia e se fosse constatado sua capacidade, este tinha o benefício cessado.

Contudo, devido ao grande volume de segurados buscando benefício por incapacidade e a falta de servidores, muitas vezes a perícia médica não era realizada bimestralmente, fazendo com que muitas vezes pessoas já capacitadas continuassem a receber o benefício por incapacidade.                                   

Após agosto de 2005, o Instituto Nacional de Previdência Social surgiu com a alta programada. Apesar do auxílio doença ser um benefício o qual o segurado contribuiu e ser necessário para preservar sua integridade física, moral e sua dignidade humana, atualmente ao ser deferido o benefício o segurado já sai com previsão de alta.


2. A ALTA PROGRAMADA E SUA ILEGALIDADE.

Instituída pela Orientação Interna nº 130/2005 e introduzida pelo decreto 5.844/2006, trata-se de rito que, autoriza o perito médico do INSS a estabelecer uma data provável de recuperação laboral pelo segurado. Apesar de ser implantado e concretizar-se somente em 2006, a administração há anos vinha adotando sistemas para seu desempenho.

Há tempos a administração vem adotando métodos para manter a sustentabilidade do sistema e as condições humanas do segurado.

Em 1995 foi adotado o chamado de Projeto de Regionalização de Informações e Sistemas (PRISMA), com objetivo de proceder com o protocolo e concessões de benefícios. No entanto, os atos médicos ainda eram realizados manualmente pelo fato da perícia médica não estar contemplada no sistema.

Em 2002, foi criado o SABI (Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade), o qual responde até o momento pela elaboração dos laudos da perícia médica e registro necessário a análise do direito aos benefícios por incapacidade. No momento de sua criação o sistema não trazia o instituto da alta programada.

Já em agosto de 2005 com a OI 130 O INSS, institui o COPES, (Programa Cobertura Previdenciária Estimada).  O COPES foi instituído como medida para diminuir e eliminar as repetições de perícia médica.

É um programa gerencial com objetivo de dar maior capacidade de atendimento pelo INSS ao segurado, aumentar o número de serviços disponíveis e a concessão de novos benefícios, ou seja, oferecer um acesso mais rápido ao segurado a concessão de benefício por incapacidade, pois a diminuição do tempo de espera preserva a saúde e dignidade do segurado.

O COPES, trouxe significativas mudanças para a administração e para o segurado. Antes de sua implantação em agosto de 2005 o benefício do auxílio doença era concedido ao segurado pela sua incapacidade total e temporária para o trabalho ou atividade habitual. Ficava a critério da perícia médica, realizada bimestralmente, analisar se a incapacidade persistia ou podia cessar o benefício.

Após agosto de 2005 com o COPES, o procedimento foi totalmente alterado.  A partir deste momento o perito médico determina a data da alta e é interrompido o benefício, independentemente de perícia ou capacidade laboral habitual do segurado. O que gera polêmica na sociedade até os dias atuais, porque é considerado uma violação ao princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

Atualmente, a alta programada está prevista na IN 77/2015 (art. 304, § 2º), no Decreto 3.048/99 (art. 78, §§ 1º e 2º) e na Lei 8.213/91(art. 60, §§ 8º e 9º). Vejamos:

(...) IN 77/2015, Art. 304. O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado. (...)

Transcorrido o prazo estabelecido pela perícia e não ocorrendo a recuperação do segurado e estando este sem condições de exercer seu trabalho ou atividade habitual, poderá solicitar pedido de prorrogação do benefício.

O pedido de prorrogação é direito do segurado de ter seu estado de saúde reavaliado.  O INSS, só não definirá data para fazer cessar o benefício do segurado quando este for encaminhado para reabilitação profissional. Desta forma, até não ocorrer a reabilitação o segurado continuará em gozo do benefício.

Apesar de haver a possibilidade de pedido de prorrogação, nada impede que o segurado recorra ao judiciário para ter o benefício garantido.


3.DA INCONSTITUCIONALIDADE

O STF, tem entendimento pacificado no sentido que, em razão da alta programada é desnecessário acionar o INSS na via administrativa, pois com a data já previamente estipulada pela autarquia, tem-se por entendimento que a incapacidade não existirá.

Conforme julgamento do Rel. Min. Barroso, realizado em 3/09/2014 no RE 631.240, citado pelo Min. Sérgio kukina.

“(...) A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado (...)”

Seguindo o mesmo posicionamento, Rel. Min. Dias Toffoli, em decisão monocrática proferida RE 967.897, em 14/6/2016, assegurou que:

“(...)

Considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. (…)

No mesmo sentido, em recente julgamento de setembro de 2017, a Primeira Turma do STJ, Relator Min. Sérgio kukina, ao apreciar o REsp.: 1.599.554, proferiu o seguinte Voto:

“(...)

Esta Corte, no entanto, possui firme entendimento de que o procedimento denominado de "alta programada", em que a autarquia previdenciária, ao conceder benefício de auxílio-doença, desde logo e independentemente de nova perícia, fixa prazo para o retorno do segurado à atividade laborativa, não encontra respaldo na legislação federal. Isso porque, o art. 62 da Lei n. 8.213/91 determina que o benefício seja mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o exercício de atividade laboral.

Confira-se os termos do mencionado dispositivo legal, verbis:

Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. (Redação dada pela Lei nº 13.457, de 2017)

Parágrafo único. O benefício a que se refere o caput deste artigo será mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)

A cessação de benefício previdenciário por incapacidade pressupõe prévia avaliação médica, sendo imprescindível, no caso concreto, que o INSS realize nova perícia, em ordem a que o segurado retorne às atividades habituais apenas quando efetivamente constatada a restauração de sua capacidade laborativa. (...)”

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A alta programada atinge essencialmente o direito a dignidade da pessoa, sua necessidade básica de alimentos, saúde, educação. É inconcebível que o INSS ao conceber um benefício que o segurado tem amparado pela Constituição Federal e pela Lei 8.213/91, no mesmo estipule data de “cura” e determine que volte a realizar suas atividades habituais, sem perícia prévia.

Para o  digníssimo MIN. Sérgio Kukina (STJ)

(...)

A cessação de benefício previdenciário por incapacidade pressupõe prévia avaliação médica, sendo imprescindível, no caso concreto, que o INSS realize nova perícia, em ordem a que o segurado retorne às atividades habituais apenas quando efetivamente constatada a restauração de sua capacidade laborativa. (...)”

O digníssimo Min. cita ainda um julgado da segunda Turma, em que o Min. Rel. HERMAN BENJAMIN diz ser impossível que o sistema previdenciário com intenção de diminuir filas crie um procedimento para se abster de acompanhar a recuperação do segurado.

“ (...) Todavia, não é possível que um sistema previdenciário, cujo pressuposto é a proteção social, se abstenha de acompanhar a recuperação da capacidade laborativa dos segurados incapazes, atribuindo-lhes o ônus de um autoexame clínico, a pretexto da diminuição das filas de atendimento na autarquia.  Cabe ao INSS proporcionar um acompanhamento do segurado incapaz até    a    sua   total   capacidade, reabilitação   profissional, auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez, não podendo a autarquia focar apenas no aspecto da contraprestação pecuniária.  Agravo    Interno    no AREsp 1.049.440⁄MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27⁄06⁄2017,

Concluímos que o entendimento do judiciário no que se refere a alta programada é no sentido da ilegalidade, pois contraria disposição expressa em art. de Lei Federal, visto que só pode ocorrer a cessação do pagamento de benefício após realização de nova perícia médica que constate a capacidade do segurado.

Concluímos ainda, ser atribuição da Autarquia da Previdência Social, acompanhar a recuperação do segurado até sua plena capacidade, e no caso de impossibilidade, encaminhá-lo a aposentadoria por invalidez. Consiste em dever da Previdência Social oferecer o melhor benefício ao Segurado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.

BRASIL. Decreto n. 5.844, de 13 de julho de 2006. Acresce parágrafos ao art. 78 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999. Dispondo sobre a utilização da Alta programada.

BRASIL.  Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

BRASIL.  Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990.

BRASIL.  Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

BRASIL. Instrução Interna 77, de 21 de janeiro de 2015.

BRASIL. Orientação Interna nº 130, de 13 de outubro de 2005.

CALOI, Ligia Mara Cesar Costa. Alta programada: efetividade e custo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 141, out 2015. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/%3Fn_link%3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D11520%26revista_caderno%3D25n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16497&revista_caderno=20>. Acesso em jan 2018.

SILVA-JÚNIOR, J. S. Alta Programada Previdenciária: Repercussão social de gestão de benefício auxílio-doença. R. Laborativa. v. 3, n. 1, p. 29-39, abr./2014. http://ojs.unesp.br/index. php/rlaborativa. Acesso em dez. 2017.

SOBRINHO, Luiz Carlos Vieira. Alta programada. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 163, ago. 2017. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19326>. Acesso em dez. 2017.

STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE: 981946 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 16/08/2016, DJe-176 19/08/2016. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/375647964/recurso-extraordinario-re-981946-rs-rio-grande-do-sul>. Acesso em: 14 out. 2017.

STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp. 1.599.554 - BA 2016/0122451-9. Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA. DJ: 13/11/2017.  Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/521315089/recurso-especial-resp-1599554-ba-2016-0122451-9/inteiro-teor-521315107?ref=juris-tabs>. Acesso em: 14 jan. 2018.

KUSLER, Michele Cristina. Cobertura previdenciária estimada (COPES): gestão pública versus legalidade. < http://www.dpu.def.br/images/esdpu/revista/revista9/Artigo_13.pdf>. Acesso em jan. 2018.

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trabalho de conclusão do curso de Pós Graduação em direito previdenciário. Faculdade Legale 2017 sob Orientação Professor Dr. Carlos Alberto Vieira de Gouveia.

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