A ausência de preço vil na retomada de imóvel dado em alienação fiduciária

24/01/2018 às 21:00
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O presente trabalho é dedicado a uma breve análise do procedimento extrajudicial de retomada de imóvel dado em alienação fiduciária, na hipótese em que, consolidada a propriedade em favor do credor, os leilões são negativos.

O parágrafo 5º do artigo 27 da Lei nº 9.514/97 prevê que, se o segundo leilão for negativo, considerar-se-á extinta a dívida e o credor será exonerado da obrigação de entregar ao devedor a importância sobrejacente, ou seja, a diferença entre o valor da arrematação e o valor da dívida.

Ab initio, não podemos perder de vista o instituto presente na origem da questão: a alienação fiduciária, que é a transferência da propriedade resolúvel ao credor, feita pelo devedor com escopo de garantia. Em outras palavras, o bem garante o pagamento da dívida. Pois bem, inadimplida a dívida garantida, após a constituição do devedor em mora e a averbação da consolidação da propriedade em favor do credor, o imóvel é levado a leilão para satisfação da obrigação originariamente assumida pelo devedor.

 Os valores dos lances mínimos nos leilões são determinados por critérios legais. No primeiro leilão o lance mínimo corresponde ao valor do imóvel previsto em contrato. Já no segundo, este valor equivale ao da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos e das contribuições condominiais. Assim, a extinção da dívida quando o resultado do segundo leilão é negativo evidencia que o imóvel se incorpora ao patrimônio do credor pelo valor do lance mínimo desta praça pública.

                Já dissemos, no artigo ‘A natureza jurídica da consolidação da propriedade de bem imóvel à luz da jurisprudência e seus impactos nos registros públicos’, que, ante as impropriedades técnicas de redação legal existentes na Lei nº 9.514/97, uma análise comparativa entre os procedimentos previstos neste diploma legal e a execução judicial é capaz de esclarecer o entendimento sobre a lei de alienação fiduciária de imóvel.

                Para aprofundarmos nossa análise, podemos estabelecer um paralelo entre a extinção da dívida e exoneração do credor da obrigação de entregar ao devedor a quantia sobrejacente no procedimento extrajudicial de imóvel dado em alienação fiduciária e a arrematação pelo credor na execução judicial.

                Excluímos a adjudicação do raciocínio pois esta deve se dar pelo preço da avaliação do bem (CPC, art. 876, caput), equivalendo, assim, ao valor do primeiro leilão no procedimento extrajudicial. A arrematação pelo exequente pode ocorrer por preço inferior ao da avaliação, mas se sujeita ao piso da vileza do valor ofertado (CPC, art. 891, parágrafo único c/c art. 892, § 1º).

                A incorporação do bem ao patrimônio do credor no procedimento extrajudicial não está sujeita a nenhuma limitação de valor, e é nesta ausência de limitação que reside o cerne deste trabalho.

                Uma situação hipotética se mostra pertinente para melhor ilustrarmos a discussão. Pensemos em um financiamento com alienação fiduciária de um imóvel avaliado em R$ 500.000,00, através do qual o devedor fiduciante obteve um empréstimo de R$ 400.000,00, para pagar em 180 parcelas de R$ 3.500,00 cada uma. Imaginemos que o devedor pague 170 parcelas e fique inadimplente em relação às últimas 10. Nesta situação hipotética, pela solução dada pela Lei nº 9.514/97, se os leilões resultarem negativos, e se desconsiderarmos a valorização mercadológica do bem, o credor terá incorporado ao seu patrimônio um bem avaliado em R$ 500.000,00 para satisfação de um crédito de R$ 35.000,00.

                Neste ponto, peço a permissão do leitor para fazer uma observação. A situação hipotética proposta, no contexto de recessão econômica, com sinais ainda muito tímidos de melhora dos índices e elevadas taxas de desemprego, não é um mero exercício de raciocínio, mas uma situação facilmente verificada na prática.

                A solução dada pelo diploma legal em questão para a situação hipotética proposta não parece ser a mais justa. A vileza do valor da incorporação do bem ao patrimônio do credor ofende a vedação ao enriquecimento ilícito existente em nosso ordenamento jurídico. A esta altura do raciocínio provavelmente muitos estejam pensando que o devedor fiduciante pode socorrer-se do Poder Judiciário para receber do credor a diferença entre o valor da dívida e um percentual do valor de avaliação do imóvel que não seja tão vil quanto 7%.

                No entanto, não podemos nos esquecer de que à luz da repartição dos poderes da República, em havendo lei especial expressa sobre determinado assunto, não cabe ao Poder Judiciário dar ao caso concreto solução diversa daquela estabelecida em lei, sob pena de exercer atividade típica do Poder Legislativo.

                Portanto, mesmo que ofenda a concepção do homem médio sobre solução justa e permita um aparente enriquecimento sem causa do credor fiduciário, a Lei nº 9.514/97 estabelece que, se os leilões forem negativos o imóvel se incorpora ao patrimônio do credor fiduciário pelo montante da dívida, por mais ínfimo que seja o valor desta quando comparado com o valor de avaliação do bem.

                A guisa de conclusão destas breves linhas, registro considerações de lege ferenda para que o procedimento de leilão extrajudicial se aproxime mais do leilão judicial, com a adoção do critério de preço vil tanto para o segundo leilão, hipótese em que o lance mínimo estaria limitado a 50% do valor indicado para venda do bem em público leilão (Lei nº 9.514/97, art. 24, VI), quanto para a incorporação do imóvel ao patrimônio do credor, hipótese em que seria necessário o depósito da diferença entre 50% do valor do bem e o valor da dívida.

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Sobre o autor
Anderson Henrique Gallo

Atualmente Escrevente Técnico Judiciário junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Atuei por seis anos como advogado, com enfoque nas áreas Cível, Criminal e Trabalhista, e destaque na área imobiliária, na qual atuei por quase quatro anos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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